Mensagem do José Martins, de 5 de Janeiro de 2008
Caros amigos
Como não podia deixar de ser, mesmo antes de tomar o café adquiro o CM, que de imediato me leva ao texto Especial Guerra.
Para mim é uma história pessoal, por isso contada na primeira pessoa, mas que traduz, na realidade, uma vivência colectiva: ninguém esteve sozinho na guerra, pelo que cada história pessoal, passa a história colectiva.
O texto do Cor Ref Nogueira Pestana
No texto enviado pelo nosso camarada, hoje Coronel na Reforma, José Paulo Abreu Nogueira Pestana, consta que viu descarregar, no cais de Pidjiguiti, 47 caixotes de madeira tosca, que continham os restos mortais dos camaradas falecidos em 6 de Fevereiro de 1969 no rio Corubal, aquando do desastre havida com a jangada que fazia a última travessia do rio Corubal, durante a operação "Mabecos Bravios".
Os corpos dos nossos Camaradas não foram recuperados
Foi mal informado, porque os corpos daqueles camaradas não foram recuperados. Os restos mortais encontrados, mais tarde, foram sepultados numa ilhota no meio do rio, enquanto os restantes foram sendo enterrados nas margens do rio pelos elementos do PAIGC.
Sobre este triste acontecimento há muitos textos, inclusive do autor destas linhas que, por inerência das funções que exercia na altura e no local mais próximo do desastre (Furriel de Transmissões e Adjunto do Centro Cripto), Destacamento de Canjadude guarnecido na altura pela CCaç 5 e CArt 2338, foi quem obteve os elementos de identificação dos que NÃO RESPONDERAM À CHAMADA no final da operação.
Este é apenas um contributo para que, cada vez mais, se conheçam os contornos que aquela guerra teve.
José Martins
Fur Mil Trms Inf CCaç 5
Nova Lamego e Canjadude
Guiné Junho/68 a Junho/70
Com a devida vénia, seguem-se algumas passagens do artigo de 4 Janeiro 2009, "Correio da Manhã" , revista Domingo,A Minha Guerra - José Paulo Pesta na
"Conheci os três majores assassinados"
(....) A minha história refere-se à comissão na Guiné, onde cheguei no princípio de Fevereiro de 1969. Estava com a companhia que comandava no cais do Pijiguiti, em Bissau, à espera que o resto do batalhão desembarcasse do navio que nos transportara da Metrópole, quando se aproximou uma lancha da Marinha que depositou no cais, ao pé de nós, 47 caixotes de madeira tosca, que continham os corpos dos camaradas falecidos no desastre da jangada no rio Corubal, no Sudeste do território, durante a evacuação de Madina do Boé.
Nós estávamos destinados a Catió, na foz do rio Corubal, 'chão Manjaco', que não escapava a flagelações diárias de concentrações de tiros de canhão sem recuo. O quartel tinha uma antena de comunicações que fornecia ao inimigo um ajuste perfeito da direcção. Outra das companhias foi para Cufar, onde ficou sujeita ainda a uma maior intensidade diária de fogos.
O sector dispunha de uma companhia adida aquartelada em Guileje, que era a 'carreira de tiro' do inimigo, após a evacuação de Madina do Boé. Fomos sempre ripostando com a nossa artilharia pesada, tarefa a que me dediquei por ser de Artilharia, efectuando tiros de retaliação sobre os constantes ataques de morteiros pesados dos bigrupos comandados pelo Nino (Bernardino Vieira, actual presidente do país) ou seus subordinados, quer ao nosso quartel, quer aos quartéis vizinhos das nossas tropas.
Mais tarde fui substituir o capitão Santana Pereira, ferido com uma mina antipessoal na zona de Có-Pelundo ('chão Felupe'), onde se construía uma estrada entre Bula e Teixeira Pinto. Nunca podíamos descurar as minas colocadas nos trilhos, que já haviam vitimado um alferes e ferido o capitão.
A minha companhia foi depois destacada para Teixeira Pinto, no Oeste, onde substituiu a actividade operacional das três companhias de Forças Especiais, deslocadas para Buba, onde a situação se complicara. Teixeira Pinto estava sob tréguas fingidas, propostas por um suposto grupo dissidente do PAIGC, que convenceu tudo e todos que se iria deixar integrar no Exército Português, chegando a ter postos atribuídos. Após algum tempo, a minha companhia, bastante experiente, pois vinha da zona do Morés, foi de novo deslocada para Norte, para a zona do rio Cacheu, na fronteira do Casamance, onde reforçou o batalhão de Cavalaria 'Os Chicotes', em intensa actividade operacional.
Passámos a actuar na zona onde vieram a ser barbaramente assassinados com catanas os três majores mais prestigiados do Exército (Raúl Passos Ramos, Joaquim Pereira da Silva e Esteves Osório) e um alferes miliciano que os acompanhava em missão pacífica de estreitamento de relações com o falso grupo de integracionistas, que os traiu e os matou de surpresa.
O major Pereira da Silva havia sido meu comandante na minha primeira comissão em Angola; o major Osório, que era o oficial de operações, ia sempre à entrada e à saída da minha companhia em todas as operações em que participei, fosse a que horas fosse, para dar uma palavra de estímulo ou de apreço, e o major Passos Ramos, chefe de Estado-Maior, normalmente sobrevoava num avião de reconhecimento DO27 o agrupamento na mata, referenciando-me aí com granadas de fumo.
O capitão destinado a substituir-me, requisitado à Metrópole, chegou entretanto, mas eu mantive-me em sobreposição com ele várias semanas, pois sendo aquele um oficial de qualidade faltava-lhe a necessária experiência para uma área de risco elevado, visto tratar--se da sua primeira comissão no Ultramar e a minha já era a terceira. Depois, o oficial superior que me comandara uns meses antes em Có achou por bem convidar-me para seu oficial de operações no batalhão que, entretanto, iria comandar. Por isso, segui em demanda de Piche, no Leste , 'chão Fula', onde estive uns meses em operações intensas até à chegada de um batalhão de Cavalaria.
72 (setenta e duas) baixas num só ataque...
(...)Destaco nessa zona uma forte actividade inimiga que havia já produzido 72 baixas num só ataque. Os corpos de militares e civis reunidos no posto de socorros produziam na valeta da rua um apreciável caudal de sangue.
(...) Numa noite, ao princípio da madrugada, enquanto aguardava a hora aprazada para embarcar com parte da minha companhia para mais uma operação, ouvíamos rádio e bebíamos uma última cerveja, quando de súbito irromperam gritos do locutor em linguagem nativa, transparecendo algo de grave.
Radio Conakry
O administrador do posto, dono do rádio, informou que estávamos sintonizados para a rádio Conacri. Os guarda-marinhas que nos iam pôr no mato com as suas lanchas de desembarque ouviam atentamente e concluíram que era um ataque àquela capital feito pelas nossas tropas, pois na véspera todo o material naval da base de Bissau tinha saído para parte incerta.
Era a operação 'Mar Verde', cujo melhor resultado foi a libertação de 35 elementos do nosso Exército presos em Conacri e o pior a deserção do grupo de 17 homens pertencentes ao batalhão de comandos africanos que efectuou o ataque. (...) "
__________
Notas de vb:
1. Títulos e sublinados da responsabilidade do editor.
2. Sobre a op "Mabecos Bravios" ver artigo em
25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )
3. Último artigo da série em
6 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3706: Recortes de Imprensa (12): Jornal de Notícias: Trasladações de camaradas nossos, mortos em Moçambique (Jorge Picado)
4. Conforme consta nos comentários apensos a este artigo, no depoimento do Cor José P. Pestana ao "Correio da Manhã" existem alguns lapsos que merecem ser esclarecidos:
(I). Catió não fica na foz do rio Corubal;
(II). Catió não pertencia ao "chão manjaco";
(III). Não existem relatos de alguma vez terem ocorrido na Guiné 72 baixas num só ataque;
(IV). Os PDG libertados pela op "Mar Verde", segundo os relatórios oficiais, foram 24 militares do Exército, 1 da FAP e 1 civil.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
10 comentários:
O meu amigo me desculpe, não costumo fazer reparos aos escritos dos companheiros mas esta gostava q fosse rectificada. "Catió não se situa na foz do rio Corubal", este rio desagua no rio Geba junto ao Xime.
Um abraço.
Xico Allen.
e o "Nino"não se chama Bernardino
Vieira,sim João Bernardo Vieira.
Também nunca tinha ouvido esta dos
72(?) mortos
Paulo
Mário Dias.
Já agora acrescento que Catió não é "chão Manjaco"
Como os camaradas anteriores já fizeram alguns reparos, apenas me resta acrescentar que Có e Pelundo, não são "Chão Felupe", mas sim "Chão Manjaco", creio.
Abraços
Jorge Picado
Já agora!
São estas trpalhadas todas que aparecem na nossa comunicação social.Que transmitem aquilo que não se passou. ´Há quase um ano que mandei para esse jornal um arigo, até hoje nada. Não devem gostar da verdade.
Assim não vale a pena estar a bater no teclado.
É o país que temos.
Mário Fitas
Estive en PICHE Bart 2857 de nov;68 a agosto70 se o Sr col; Paulo Pestana esteve la é provavel, mas en toda a comissao do batalhao ouveram 15 mortos 4 da cart 2439 na estrada piche canquelifà 2 em Camanjà e 9 outrs em Piche o Cmt do Bart era o Sr jose joao neves Cardoso o seg; Comt era oSr Major Gaspena é verdade que passaram por Piche outros Oficiais .jà hà muito que notei que à muita desinformaçao mas como à muitos que escrevem Que sao Amigos dos responsàveis do Blog sao o editor e cos editores a fazerem a policia
O nosso co-editor Virgínio Briote é um 'gentleman', um homem bem educado, paciente, bem formado... Mandou ao José de Oliveira e Rocha a seguinte mensagem que o destinatário não recebeu (nem podia receber) por quanto ele não nos deu um endereço de correio electrónico válido.
Aqui fica o texto, para conhecimento do interessado e dos demais amigos e camaradas da Guiné:
"Caro José de Oliveira e Rocha
"Este texto a que se refere foi-nos enviado pelo José Martins com o objectivo de repôr uma incorrecção: a questão das urnas que o actualmente Coronel Pestana refere terem-lhe dito serem de camaradas que tinham morrido afogados no Corubal.
"Posteriormente outros camaradas anotaram outras incorrecções que vinham no artigo do Correio da Manhã. Fui eu próprio que publiquei o artigo e não alterei nem substituí nada do que o jornal publicou.
"Quanto à desinformação que os editores fazem, segundo o que escreve, tenho a dizer-lhe que a nossa página está aberta a todas as correcções. E se o senhor achar que algum facto não lhe parece correcto diga qual e só tem que demonstrar que está incorrecto.
Cumprimentos,
vbriote".
Sou ex-furr mil Pereira da Costa, Oper.Info.(CIOE), Piche, CCS/Bart 2857, Nov 1968 a Out 1970.
Comento por três razões:
1)Tive a infeliz coincidência de estar sob as ordens do Senhor José Paulo Pestana e do seu amigo que veio comandar o Batalhão.
Por incidente grave ocorrido em Piche e por não «branquear» esse acidente, fui conjuntamente com o meu chefe Capitão Dias,Oper.Info, brindados com processos e devidas punições.
Os seus comportamentos enquanto permaneceram no Batalhão foram «muitos meritórios». Esta estória em breve aparecerá no nosso blogue;
2)Sobre o que disse o José de Oliveira Rocha, na parte final do seu comentário, é desculpável e foi uma crítica. Conheço-o e é colaborador do blogue. Eu próprio vou explicar: efectivamente existem ex-camaradas, não sei com que intuito, nas suas estórias publicadas no vosso blogue, ao fim e ao cabo também meu,procuram por vezes «prosas romancistas, estilo Silvester Stallone», em especial com o que se passou no espaço do nosso Batalhão, suas companhias e até unidades de reforço e intervenção,que não têm o mínimo de fiabilidade. Vão ter a «devida atenção»,fundamentada no nosso blogue;
3)Pretendemos no nosso blogue(bart 2857),complementar a estória da operação a Madina do Boé, dos tais mortos, no Cheche, para lembrar alguns que foram esquecidos e que merecem ser recompensados, pois foi esquecida a sua presença.
Foi a nossa primeira operação pois tivemos o Pel Rec,comigo próprio,
com condutor Pel Rec RODRIGUES,na cabeça da coluna com a sua GMC rebenta minas, pelotão de sapadores e restante pessoal operacional nessa operação tanto para Madina como no regresso.
Felizmente não tivemos baixas pois por iniciativa do ex-furr mil GIRÂO comandante dos Sapadores não permitiu que ninguém viesse na última jangada.
Julgo que foi esquecimento ou perda de informação.
Um grande abraço
Pereira da Costa
http://bart2857-guin.blogspot.com
Lamentável tal comentário. O que é que eu tive a ver com incidentes em Piche se nem sequer lá estava nessa altura, nem nunca soube disso.Fui oficial de operações desse batalhão cerca de 8 meses (lá vem uma emenda qualquer!).As baixas referidas foram de população morta e de militares feridos com diferentes graus de gravidade.Referi isso por me terem contado lá no batalhão.
Como já comentei este senhor veio subsituir o Capitão Dias, como oficial de Operações. Mais tarde veio outro capitão para se inteirar e responsabilizar pelas informações e reordenamentos.
Na altura do incidente no CheChe este senhor ainda não fazia parte do Batalhão Bart 2857.
Portanto todas as informações vindas no Correio da Manhã, as urnas vistas por ele em Bissau nada tem a ver com o incidente.
Também não é verdadeiro que em Julho de 1969 no primeiro ataque atendendo às nossas baixas, o sangue nunca correio pela valeta saído da enfermaria.
Como militar, e que foi meu superior, quanto a Operações incluindo o 2.ª comandante de alcunha o Drácula, foram duas pessoas completamente inoperantes e sem conhecimentos.
Em virtude de vários erros tivemos eu e o capital de informações, à 2ª REP, a Bissau,colocar ao Comchefe as asneiras e omissão de conhecimentos destes dois senhores.
Ficamos por aqui
Enviar um comentário