terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3736: (Ex)citações (13): Às vezes, tão perto e tão longe das coisas... (João Coelho)

1. Por sugestão do Mário Fitas que comentou o comentário (*):

Este texto [, do João Colho,] merece um Poste, pela sua singeleza, realidade e escrita. Alguém assistiu a um choro? Eu vi choro de verdade, em representação, com coreografia de sonho. Velhos tempos de malta que passou por Mato Farroba (Cufar). Mário Fitas

2. (Ex)citações (13) > Às vezes tão perto e tão longe das coisas...
por João Coelho

Boa tarde. Este episódio (*) faz-me lembrar uma situação que vivi quando, por razões profissionais estive na Guiné-Bissau, felizmente já em tempo de paz.

Com o padre António Rego,fui dar uma volta pelo país; em dada altura, para cruzarmos um rio - não recordo qual - tivemos de esperar por uma jangada que fazia a ligação entre as margens. Cigarrito fumado apreciando a paisagem, notei,quase que inconscientemente, que pairava por ali um som que me era familiar... e reparei que o António também tinha dado por isso...Olhámos à volta e, prá aí a uns 50 metros, estava um indivíduo, aguardando também pela jangada; encetada uma voltita, chegámo-nos ao homem e vimos que era militar,não muito novo, (percebemos depois que tinha feito a guerra no PAIGC) com um transistor encostado à orelha... ouvindo a Tarde Desportiva da RDP...Saudações trocadas, pergunta o António:
- Então, ouvindo os relatos? - E eis que o tropa nos diz, de memória, e em português coxo, todos os resultados, ao intervalo, da 1ª Divisão do nosso futebol... Sem uma falha!

No mesmo dia regressámos a Bissau e, noite feita, esperámos de novo pela jangada; no negrume, só os isqueiros, de vez em quando, traziam uma chispa de luz...O silêncio quase total começa entretanto a ser quebrado por sons que se aproximam da margem onde estamos e, pouco depois está connosco um grupo de mulheres e homens, gente alta e elegante,vestida com roupa tradicional, que canta e dança, completamente alheados do que os rodeia e sem nos darem nenhuma atenção...

Chega a jangada e embarcamos todos... O grupo continua no seu embalo, como se estivessem em movimento perpétuo... e é o nosso cicerone guineense que nos diz que vêm de um choro algures no interior... Desembarcamos, e eles lá vão, com a sua melopeia, o seu ritmo, entrando pela noite dentro, até os perdermos de vista...

E eu e o António ficámos a pensar como estamos, por vezes, tão perto e tão longe das coisas..

Abraço, bom 2009

João Coelho
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3730: (Ex)citações (12): Um dia choraremos os tugas, por nos faltar a água de Lisboa (Osvaldo Vieira)

(**) Vd. poste de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3485: Gloriosos malucos das máquinas voadoras (13): Os MAN - Mecânicos de Material Aéreo e o outro lado da guerra (João Coelho)

(...) "O João Coelho, que é um leitor atento e apaixonado do nosso blogue, e membro da nossa Tabanca Grande, é daqueles camaradas das Força Aérea que, nunca tendo estando em serviço na BA 12, Bissalanca, Guiné, esteve perto de nós, dos nossos feridos graves, recambiados para Lisboa, para esse outro inferno que era (imagino!) o Hospital Militar Principal, à Estrela, mais os seus anexos...

"É estranho que ao fim de 3 anos e meio de blogue ainda não tenhamos aqui o testemunho, na primeira pessoa do singular, de um camarada que tenha passado pela Estrela" (...)

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