Caro Luís,
Obrigado pelo e-mail e obrigado pela publicação. Não há correcções a fazer.
Infelizmente todas as fotos que tinha da Guiné foram extraviadas, contudo tenho um filme que consegui passar para o meu computador.
Num "processo complicado" tirei fotos do ecrã do computador com a minha máquina digital. As fotos estão um bocado fora de foco, mas é o melhor que consegui fazer.
Durante o Natal de 1961 a minha mulher veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos. Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista. Do Gabu fui transferido para Bedanda onde ela ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais.
Cadetes da Escola do Exército, em manobras (Sª Margarida ?).
A propósito, as fotos que mandei da última vez, estávamos no último ano do curso na Gomes Freire. O nosso curso foi o segundo a frequentar a EE (Escola do Exército) na Amadora (no primeiro ano). Não me lembro do nome do segundo comandante da EE que está na foto, mas já lá vai tanto tempo...
Seguem mais detalhes do meu diário:
1/3/63:
Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite foi destruída na primeira emboscada. Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas.
Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir.
2/3/63:
Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais. O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda.
O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão para ser interrogado.
3/3/63:
O Comandante Militar veio cá hoje de avião com o segundo Comandante do Batalhão 356. Depois de informados dos acontecimentos dos últimos dias, seguiram para Catió.
4/3/63:
Recebemos informação do batalhão de um possível ataque planeado pelos terroristas a Caboxanque e Emberem [Iemberém ]. Enviei dois pelotões para Emberem e Cadique, ponto de onde, segundo a informação, os terroristas se estavam a organizar para os ataques. Em Caboxanque executámos acções por um pelotão da minha companhia e outro da CCaç 273.
6/3/63:
Fizemos um reconhecimento à zona de Emberem. O alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Emberem e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula. Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos.
7/3/63:
Começámos o transporte da população Fula de Emberem. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes.
8/3/63:
Continuação do transporte dos Fulas. Seguiram dois pelotões da CCaç 273 para a região de Salancur.
9/3/63:
Continuação do transporte dos Fulas. Os pelotões da CCaç 273 continuaram a operar na região de Salancur.
Elementos Fulas de Emberem conseguiram aprisionar um nativo que sabiam estava ligado ao movimento terrorista. Quando este nativo (Balanta) foi interrogado aqui na companhia, deu-nos a informação de que elementos terroristas estão no mato de Boche Falace a prepararem um ataque àquela povoação. Enviámos um pelotão da CCaç 273 para a área.
Recebemos também informação, por elementos do Chugué, que um grupo de terroristas bem armado estava concentrado do outro lado da fronteira com a Guiné Francesa, perto da zona de Banta-Sida.
Mais informações recebidas do pelotão de Emberem: cerca de 300 elementos terroristas estavam a preparar um ataque à nossa companhia em Bedanda na madrugada de amanhã.
Dei ordens para que todo o nosso pessoal, (estávamos um pouco desfalcados pois tínhamos 2 pelotões em operações longe de Bedanda), estar em alerta em posições defensivas, já há muito preparadas para eventualidades semelhantes. Foi uma longa noite de nervos, mas o ataque nunca se deu.
10 e 11/3/63:
Acabámos o transporte dos Fulas de Emberem para Bedanda, contudo ainda teremos que transportar abastecimentos e víveres que ainda lá ficaram, em especial uma grande quantidade de arroz. Os Fulas fizeram um outro prisioneiro que, após interrogado, nos deu boas informações sobre o grupo terrorista que tem actuado na zona de Boche Falace: nomes de comandantes, armamentos e locais aproximados do grupo. Este prisioneiro foi enviado para o batalhão.
13/3/63:
Recebemos novas informações sobre um outro possível ataque ao nosso aquartelamento no dia 16 ou 17.
O Benfica venceu o Dukla de Praga para a taça dos campeões europeus. Ouvimos o relato no rádio.
15/3/63:
Chegou um pelotão da CCaç 417 que seguirá para Caboxanque. Enviei uma grande coluna de 10 viaturas para Emberem para trazer o resto dos víveres pertencentes aos Fulas.
16/3/63:
O pelotão da CCaç 417 seguiu para Caboxanque para render o Pelotão 859.
18/3/63:
Chegou o Pelotão 859 que seguirá para Bafatá. A CCaç 273 partiu para Emberem em operações, não se sabendo por quantos dias.
19/3/63:
Visita do major Pina para discutir os pormenores do movimento dos pelotões 859, 870 e 871 para Bafatá. Eu irei a comandar a coluna e voltarei para Bedanda de avião.
20/3/63:
O alferes Mendes seguiu com um pelotão para o Chugué dentro do novo plano de ordenamento dos dispositivos.
22/3/63:
Cabedú enviou uma mensagem informando que os terroristas estavam a planear uma emboscada às viaturas da CCaç 273 que se tinham deslocado para a região de Darsalame. Enviei imediatamente um rádio para o capitão Gaspar com todos os detalhes da informação.
23/3/63:
Chegou outro pelotão da CCaç 417. Seguirá amanhã para Cabedú para render o Pelotão 871, que virá para Bedanda e depois para Bafatá na minha coluna.
(...)
O meu diário, cobrindo os acontecimentos que se passaram entre a minha partida para Bafatá com a coluna, a minha vinda de retorno a Bedanda e as semanas até ao dia 18 de Maio, extraviou-se, infelizmente.
Lembro-me de alguns detalhes de possíveis ataques a Bedanda que, felizmente, nunca se concretizaram. Nós estávamos muito bem preparados, com todo o terreno à volta do aquartelamento (cerca de uns 150 metros), completamente limpo de arvoredo e vegetação.
Tínhamos os morteiros de 60 todos treinados nas áreas prováveis de ataque, além de explosivos enterrados e comandados à distância. Bem no fundo, eu estava com esperança de que os terroristas tentassem um ataque, pois seriam totalmente aniquilados, mas nunca aconteceu, possivelmente porque eles sabiam que tal acção seria muito difícil e arriscada.
No dia 18 de Maio, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio segui de avião para Bissau.
Ai estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF “Ana Mafalda”.
O resto é história.
__________
Notas de vb:
1. Artigos de George Freire, o nosso "Mais Velho", em
10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)
29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)
2. Blogue de George Freire (informática e electrónica):
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