sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3749: RTP1, As Duas Faces da Guerra (1): A emoção de rever Guileje e a nossa capela (António Gomes da Cunha, CART 1613, 1967/68)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita ao antigo aquartelamento e tabanca de Guileje, futuro museu de Guiledje > 1 de Março de 2008 > A lápide, o que restava da capela construída pelos Lenços Verdes, em 1967... Já mal se consegue ler a inscrição: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da CART 1613".

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > "Guileje, terra de fé e de coragem" (*)... A capelinha construída no tempo do Zé Neto e do António Gomes da Cunha...

Escreveu o Zé Neto (1929-2007), nas suas memórias (**), o seguinte:


"Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que se reconstruíram e melhoraram abrigos, se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

"Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.


"Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava. Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

"As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo" (...).

Fotos: © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do António Gomes da Cunha (***)

Amigo Luís Graça

Fiquei muito emocionado quando ontem à noite, Quinta Feira, assisti à segunda parte do filme [, As Duas Faces da Guerra, ] que passou na RTP1 sobre a Guiné, preenchida com o triângulo Gadamael/Guileje/Corredor da Morte, três locais que marcaram a Companhia 1613, Os Lenços Verdes , que pertencia ao Bart 1896 que se encontrava instalado em Buba, Aldeia Formos, etc….

Aquilo que mais me emocionou foi na parte final quando apresentavam o retrato de Guileje depois de abandonado pela Companhia ali aquartelada, foi o mostrarem os restos da capela que nós construímos. A sua frente encontrava-se totalmente
intacta, e ainda permanecia lá bem visível a placa que lá colocámos no momento da sua conclusão com as seguintes palavras que por certo foram lidas por todos os camaradas que viram o programa:
"A Ti, Deus Único e Senhor,
Te Oferecemos
As Últimas Gotas de Suor,
Que nos Sobraram
da Luta da Tua Palavra Eterna,
Soldados da Cart 1613.”


Senti que, 41 anos depois, ainda ali estava um pedaço da minha vida e da vida dos meus Irmãos da Cart 1613 e do Pelotão Fox, 1165.

Por momentos revivi ontem momentos que me parecia estar a vivê-los localmente nesse momento, imaginas, meu amigo, a dor com o reactivar um trauma de tantos anos.

Com um abraço amigo
António Cunha, O Malhado,
Radiotelegrafista,
Cart 1613 (1966/68)



2. Comentário de L.G.:

António: Foi também para mim uma grande emoção... Já vi o filme 3 vezes: na estreia, em Lisboa (Outubro de 2007); depois em Bissau (com o Nino e demais participantes do Simpósio Internacional de Guileje, em Março de 2008...); e agora na RTP (uma versão ligeiramente diferente)... O filme está disponível no mercado, em DVD. Podes comprá-lo: custa 10 €.

Em relação à tua capelinha (ainda com duas pedras em pé) e à lápide que existia e que tu viste na parede da fachada(num excerto de um filme feito pelos tipos do PAIGC, quando lá entraram, em 25 de Maio de 1973, ou em data posterior, mas antes da destruição das instalações que eles próprios depois efectuaram)... Já agora toma nota da inscrição que consta da lápide e que eu fotografei em 1 de Março de 2008, quando lá estive: "A Ti, Deus Único E Senhor / Da Terra, Oferecemos Estas / Gotas De Suor Que Nos / Sobraram da Luta Pela / Tua Palavra Eterna. /Soldados da C.A.R.T. 1613". É o que resta da tua capelinha, e está guardado como peça de museu... Devo dizer-te que há um grande carinho por parte da população local (que hoje vive em Nejo), por este lugar mítico, que nos marcou a todos, de uma maneira ou de outra... Guileje já era um mito, quando eu desembarquei em Bissau, em finais de Maio de 1969!

Se tiveres histórias (e fotos) de Guileje, escreve-nos! Vai-se fazer um Museu em Guileje. Tens alguma peça, documento ou foto que queiras doar ao Museu, para a gente perpetuar a memória de um lado e de outro ?

Por outro lado, eu gostaria de reeditar as memórias do nosso querido Zé Neto, nesta série (II) do nosso blogue... Com mais fotos e legendas, etc. Queres dar uma ajuda ? Posso-te mandar fotos para te ajudar a relembrar certos pormenores... De momento, tu és o único representante da CART 1613 na nossa Tabanca Grande. É também para nós uma honra.

O Zé Neto deixou-nos um importante acervo fotográfico: a partir dos slides que ele gostava de fazer (e de mostrar à população local), fizemos fotos, algumas de muito boa qualidade...

Vocês, os Lenços Verdes, têm-se encontrado ? O vosso capitão, Corvacho, ainda é vivo ?

O terreno do antigo quartel e tabanca de Guileje já foi entregue à entidade promotora do projecto (Museu, etc.),a AD-Acção para o Desenvolvimento, uma ONG guineense, com sede em Bissau, que nós apoiamos. E que sempre teve o apoio, pioneiro e entusiástico, do Zé Neto, um grande amigo da Guiné e dos guineenses.

Um Alfa Bravo.
Luís
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (LuísGraça)

(**) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

O Cap Art Ref José Neto, infelizmente, deixou-nos em 2007, depois de enfrentar corajosamente (e de perder) a sua última batalha (Zè, prometi reeditar as tuas memórias, na II Série do nosso blogue, estou â espera de um voluntário; mas o que é prometido, é devido! Um abraço eterno, L.G.:

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1801: Capitão José Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68), a última batalha

30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1802: Zé Neto (1929-2007): Morreu um Homem Grande, adeus, amigo, adeus, meu capitão ! (Pepito)

(***) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3644: Tabanca Grande (105): António Cunha, Radiotelegrafista da CART 1613, Os Lenços Verdes

9 comentários:

Anónimo disse...

Vi ontem o documentário da Diana Andringa “As duas faces da Guerra”. Devo ter dormido durante a transmissão porque só vi uma das faces.
Um abraço
António Martins Matos

Anónimo disse...

E...E...??????
Com isso dizes que????
Desculpa a minha ignorância....deve ser a do macaco...só fã deles.
Ab do TM

Anónimo disse...

Será que alguns dos Caboverdeanos que apareceram nas três (3) faces da guerra, fariam parte dos últimos retornados do império? Apenas tenho na ideia que dos caboverdeanos que falaram no programa, o único que continuou na Guiné a partir da criação do PAICV, 14 Novº 1980, foi apenas o Manecas.

Porque as 3 (três) faces da guerra deviam ser 4 (quatro)

Uma (1) a face dos portugueses, outra (2) a face dos caboverdeanos, outra (3) a dos guineenses ao lado dos caboverdeanos, outra (4) e última, e não menos importante, a dos guineenses ao lado de quem os soldados portugueses lutaram.

Antº Rosinha

Cesar Dias disse...

Desculpem mas fiquei baralhado com os comentários, é que tambem só dei por uma face da guerra,enfim nem todos temos o mesmo poder de imaginação.

Um abraço
César Dias

Anónimo disse...

Não vou dar opinião sobre o filme. Mas gostaria de solicitar aos que gostaram e aos que não gostaram, que sejam contidos nos comentários, em nome e na salvaguarda da amizade que nos liga, nesta TABANCA, enquanto ex-combatentes.

Um Abraço,

Manuel Amaro
CCAÇ 2615

Anónimo disse...

António Cunha,
Depois das faces todas, há uma que continua, lâmpada acesa na duplicidade deste caminhar.
Se lá deixas-teis a vossa evocação do vosso Deus, que ele seja generoso convosco.
É um problema que a Ciência por mais que barafuste, não conseguio defenir essa dualidade de Deus e o Homem.
A cientifica modernidade apesar de todos os esforços, nunca chegou à sabedoria dos DRUIDAS.
É um comentário diferente, mas talvez com muito para ti e companheiros que acreditaram não estarem sós.

Um abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas


Do tamanho

Anónimo disse...

O filme é mauzinho, enviesado politicamente, quase uma só face da guerra.
Mas é um documento.Por isso, vale.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Penso que provoquei alguma confusão com as minhas 4FACES.

Eu não disse qu vi qualquer face.

Apenas digo que esta guerra tem várias faces.

Mas o filme é apenas o que é, nem sequer sei dar opinião. Até porque não é nuns tantos minutos que se conta uma guerra destas.

Antº Rosinha

Luís Graça disse...

Mensagem que me mandou o Cunha:

Amigo Luís Graça

Fiquei ainda mais emocionado com as fotos que me enviaste. Quero dizer-te em primeiro lugar que o grande Capitão Corvacho, agora Coronel, ainda é vivo e marcou presença no convívio, o 2º convívio, que eu próprio organizei
em Braga no Sameiro. Apesar de ter bastantes perdas de memória, fruto da sua doença, continua a ser aquele Homem com H grande.

Quanto a fotos e tudo que possa ter para o museu de Guilleje, vou reunir os elementos que tenho para te enviar,

Bem, como vou falar com a esposa do falecido Capitão Neto, para ver o que consigo para esse museu, no qual ele muito me falava e até pensava visitar, logo que tenha tudo reunido envio-te. Porém no caso de não as poder enviar por
e-mail seria bom enviares a tua direcção.

Presumo que a foto da capela te foi enviada pelo Capitão Neto, agradeço-te a partilha das fotos que me dizem muito.

Eu tenho em meu poder os nomes, contactos, telefones de 80% dos elementos com vida da Cart 1613, e 100% dos elementos do Pelotão Fox 1165, e bastantes fotos que vou reunir e enviar-te.

Recebe também um grande Alfa Bravo do amigo

António Cunha
“O Malhado”

__________

Comentário de L.G.:

António, obrigado, em troca vou pôr-te num CD-ROm todas as belíssimas fotos (tiradas dos "slides") do Saudoso Cap Neto...

Não tenho, de momento, o telefone da viúva, que mora em Queluz, relativamente perto de mim (Alfragide, Amadora). Se precisar, peço-te. LG