sexta-feira, 3 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4638: Um comando africano na Guerra da Guiné. Amadu Bailo Djaló. (V. Briote)

Um comando africano na Guerra da Guiné

Amadu Bailo Djaló


Caros Camaradas

Está na fase final o trabalho a que me propus. Passar para português legível todas as páginas que o Amadu foi escrevendo ao longo dos anos que durou a Guerra.

Não podemos estar à espera de uma obra-prima, nem de um trabalho exaustivo sobre os nossos anos na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadu conta a sua história assim. Não há ficção, não se trata de um romance.

A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado. Amadu escreve sobre saídas em colunas auto, em Dorniers, em helis, de lançamentos e apeamentos, de progressões na mata, de encontros com os nossos INs de então, de trocas de tiros, morteiros, roquetes, de feridos e mortos, de evacuações e abandonos.

E de nomes de localidades, de Bafatá, Bissau, Bolama, Bambadinca, Fá Mandinga, Farim, Cuntima, Guidage, Guileje, Gandembel, Gadamael, Conakry, Gabu, Piche, Mansabá, Canquelifá e de tantas outras. Dos rios Corubal, do Cacheu, do Geba e de outros, de afluentes, margens, tarrafos, poilões, bissilões, mangueiros e cajueiros.

1. Infelizmente o Amadu Djaló trouxe poucas fotos, meia dúzia no máximo.

E é aqui que faço um pedido a todos os Camaradas que têm escrito e enviado imagens desses anos da Guiné para o nosso blogue, de Luís Graça e Camaradas da Guiné. Que disponibilizem fotos com a qualidade possível para, eventualmente, serem inseridas no livro.

Muitos livros que se têm publicado sobre a Guerra que travámos na Guiné trazem fotos, a maioria de fraca qualidade. Não me parece ser boa ideia inserir uma foto de dimensões reduzidas, de fraca resolução. Estou consciente que é um pedido difícil.


Lanço aqui lançado o pedido aos Camaradas que têm fotos, em condições indispensáveis para serem tratadas, para as disponibilizarem com a indicação do local, ano provável e do autor.

2. Para esclarecer dúvidas sobre factos relatados pelo Amadu Djaló continuo a recorrer a testemunhos de camaradas que assistiram ou participaram em alguns desses acontecimentos.
Nos últimos tempos contactei:

o Coronel Raul Folques que, como capitão participou em algumas das operações relatadas pelo Amadu, nomeadamente na "Ametista Real", a Kumbamory, agrupamento de que Amadu fez parte.

Nessa operação, já na retirada, o então Capitão Folques foi atingido por uma bala que lhe atravessou uma perna.

Disse-me que a retirada para Guidage foi penosa, embora com grande ajuda dos seus comandos africanos. Que via forças do PAIGC e de páras senegaleses com apreciável poder de fogo, a aproximarem-se do último grupo em retirada, grupo de que ele e o Amadu faziam parte.

Que pediu apoio aéreo e que, devido à proximidade das forças em combate, mandou lançar granadas de fumo para melhor referenciação.

Que no contacto rádio com o comandante da patrulha, insistiu que o apoio dos Fiats era indispensável para a retirada, e que, face à superioridade numérica e de fogo das forças INs, se o apoio aéreo não se concretizasse acabavam por ficar todos no local.


Relata que Amadu Djaló nunca o abandonou, que se manteve sempre ao seu lado até o ver estendido numa sala a abarrotar de feridos no aquartelamento de Guidage. Lembra-se do cheiro da sala e da assistência prestada por um médico (Trindade? Espírito Santo? Do nome não se lembra ao certo, ficou foi com a ideia que o nome do médico lhe soou a santidade).

Que, acabado de o socorrer, o médico lhe perguntou se queria alguma coisa. Um copo de uísque, respondeu. Era a última coisa que lhe podia dar, foi a resposta que ouviu.
Minutos mais tarde viu entrar na sala o Coronel Correia de Campos, Comandante do COP, com um copo de uísque na mão. E que o uísque não se sentiu bem, preferiu sair logo.


Mais tarde o então Capitão Folques foi promovido a major e nomeado Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné, em substituição do Major Almeida Bruno.
Voltou a encontrar-se, ainda em 1973, na zona de Canquelifá com os seus antigos comandos então destacados na CCaç 21, quando fez uma sortida a uma povoação fronteiriça, tentando aliviar a pressão a que as povoações da área estavam sujeitas.


E destaca o papel da referida Companhia, comandada pelo capitão Abdulai Queta Jamanca e da qual o então alferes Amadu Djaló, hoje cabo, fazia parte.

Depois foi a vez de procurar chegar à fala com o General Almeida Bruno, que ainda como capitão foi um dos criadores dos comandos africanos e, como major, o 1º Comandante do Batalhão de Comandos da Guiné.
Interessado em dar todos os esclarecimentos necessários que possam contribuir para elaboração das memórias do Amadu, o General convidou-nos para um encontro.

Estive presente com o Coronel Raul Folques e o Amadu Djaló. Foram horas de uma tarde a ouvir os três antigos comandos, sobre a formação dos comandos africanos, Kumbamory, de episódios que um ou outro já tinham esquecido e que agora, ao recordarem, ainda acrescentam um ou outro pormenor.


- Ah, eras tu que vinhas ao meu lado no regresso a Binta? Eras tu, Amadu? Perguntava o General.
- E a minha conversa com o major pára senegalês! Ele puxou de um cigarro de uma marca que eu apreciava, os Gauloises. Ofereceu-me um, sentámo-nos a fumar e a conversar. Era um tipo simpático. Uma chatice o que lhe aconteceu a seguir. E Morés, Amadu, Morés que tanto sarilho nos deu!




Coronel Raul Folques, General Almeida Bruno e Amadu Bailo Djaló, em 28/06/09. Foto de V. Briote.

Em 2 de Julho o General Almeida Bruno telefonou-me. Tinha precisado apenas de meia dúzia de dias para ler o rascunho das Memórias do Amadu Djaló.
Que o achava um documento único e importante por ter sido escrito por um antigo Camarada Africano.
Nas passagens em que o seu nome aparece mencionado, que se lembrava de algumas, de outras não. E que era importante proceder a uma nota de rodapé: a designação oficial, correspondente à ideia com que foi formado, era Batalhão de Comandos da Guiné e que a designação de Batalhão de Comandos Africanos se popularizou depois e foi com esta última que passou a ser conhecido.

E fotos são precisas, acrescentou. Que não tinha nenhuma, que as que trouxe da Guiné arderam num incêndio que vitimou a sua mãe.

O Comandante Alpoim Calvão é várias vezes citado pelo Amadu e o objectivo do meu contacto pessoal era solicitar-lhe alguns esclarecimentos nomeadamente sobre incursões da 1ª CCmds Africanos a aldeias senegalesas na zona de Pirada e sobre a operação a Conackry.

Em 29 de Junho de 2009, levei o Amadu ao encontro com o Comandante.
Conheci o então 2º Tenente Calvão na Guiné, ainda no início da minha comissão, talvez entre Abril e Junho de 1965. Recordo-me de o ver a conversar com um camarada, penso que era o tenente Saraiva, que estava connosco na esplanada do Hotel Portugal.
Nessa altura, eu fazia parte de uma tetúlia que incluía gente que tinha participado com os fuzileiros do então 2º Tenente em várias operações, particularmente na “Tridente”, em que o DFZ se tinha particularmente feito notar.

Depois das apresentações, o Comandante sentou-se connosco numa grande mesa oval.
- Já sei, Amadu, que tens várias coisas escritas sobre aqueles tempos. Fazes bem, relatar os acontecimentos pelos teus olhos, independentemente dos relatórios oficiais.

Mostrei-lhe duas ou três fotos de 1965, inéditas para ele. Olha o general Schulz, o Maurício Saraiva, ia dizendo enquanto folheava o rascunho das partes em que o seu nome aparece.
O Amadu relembrou-lhe as incursões na zona de Pirada, de que o Comandante mostrou ter ainda bem presente e que ainda acrescentou um ou outro pormenor.

Depois falou-se de Conackry e do muito que já se escreveu sobre o assunto.
Diz ter conhecimento que John McCain publicou em inglês, ainda não traduzida para a nossa língua, uma obra sobre a nossa Marinha na Guerra da Guiné. E que teve recentemente conhecimento de que a op. “Mar Verde” é tratado como um “case-study” numa escola naval norte-americana.
E mais, que, muito recentemente, foi publicada uma brochura sobre as operações navais da nossa Marinha de Guerra, em que a “Mar Verde” é descrita com algum pormenor. E finalmente que, de todas as obras publicadas até à data, a do Luís Marinho lhe parece aproximar-se mais do que pensa ter sido a ida a Conackry.

Relatou factos sobre a retirada, sobre a incrível história do Nanque, que andou de país em país até aparecer em Lisboa. Na altura, Alpoim Calvão era, se ouvi bem, o Comandante da Defesa Marítima quando foi alertado que um tal Nanque, que afirmava ter participado na ida a Conackry, se encontrava em Lisboa.

Não tenho palavras para descrever a colaboração que o Coronel Matos Gomes tem dado. A formação dos cmds em Mansabá (julgo que no tempo do então Capitão Pereira da Costa), nomes de operações, datas, pormenores, e sobretudo, o enquadramento das acções, quais os motivos porque certas ops foram executadas em determinadas áreas, aspectos que faltam nos escritos do Amadu Djaló.

Falou da mata da Coboiana, do local do Irã que encontrou, das acções de fogo em que a 1ª CCmds se envolveu, do momento em que a zona em que um heli se aprestava para uma evacuação foi varrida pelo fogo IN atingindo todos os oficiais da 1ª CCmds.
Nem o heli escapou mas, aos abanões lá conseguiu levantar com os feridos rumo ao HM 241.
Dali para a frente a acção prosseguiu com o sargento mais antigo a comandar e com o então Capitão Matos Gomes, o menos ferido, a supervisionar.

Fico por aqui, não me alargo mais se não acabo de contar o livro todo.

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Notas de vb:

artigo relacionado em 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4359: Tabanca Grande (143): Amadu Bailo Djaló, Alferes Comando Graduado, incorporado no Exército Português em 1962 (Virgínio Briote)

1 comentário:

José Martins disse...

Caros Briote e Amadu

Vão em frente. Esperamos pelo livro.

Um aBRAÇO DUPLO

José Martins