terça-feira, 30 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4608: Eu e o João Bacar Jaló, em Catió, em finais de 1964 (Santos Oliveira)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Da esquerda para a direita, o Carlos Silva, o Santos Oliveira e o José Rocha.

Foto: © Santos Oliveira (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada ao nosso co-editor, em 22 de Fevereiro de 2008, pelo Santos Oliveira (*), e que nunca chegou a ser publicado no nosso blogue... Porque ele ontem fez anos, achámos oportuno repescar este texto em que, ao evocar a figura do João Bacar Jaló que ele conheceu em finais de 1964, em Catió, o próprio Santos Oliveira acaba também por revelar facetas da sua personalidade de grande homem, militar e português, a sua nobreza de carácter e o seu sentido de justiça.

Recorde-se que o nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, estve no Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (**)...

Caro Briote,

Saudações fraternais

Em 29 de Janeiro [de 2008], escrevi-te:

Caro Briote:

Obrigado pela tua consideração para comigo. Eu ajudo qualquer um de nós, porque um Ranger com preparação especial para ser infiltrado sozinho, é sempre um Homem solitário.

E se isso parece não me ter perturbado (pela preparação que então tive), com o passar dos anos vai-se tornando um enorme e gigantesco problema psicológico em que o pivot principal é a solidão.

Disso, creio, não me livro mais. É demasiado profundo. Portanto só resta abrir um pouco a mente e tentar ser o Eu original (sensível, atento, prestável, etc.).

Fiquei em sentido (e com as lágrimas nos olhos) com a continência que me fizeste.

Fizeste-me lembrar um episódio que se passou em Catió, em finais de 1964, quando aí me desloquei para assistência Médica mais especializada (urinava sangue, porque apenas bebia água, a qual era transportada em pipos de tinto e que a tinto sabia e cheirava).

Estava encostado ao muro da Messe de Sargentos e vejo, vindo desde o Quartel, um Militar Nativo, que, uns dez passos antes, se perfila e me faz continência, conforme os Regulamentos.

Olhei para um lado e para o outro, não vejo ninguém ali perto, correspondi à mesma e só então reparei que era um Alferes (segundo os galões que ostentava). Hesitei, mas acabei por ganhar coragem e chamei:
- Oh, meu Alferes! Por favor. Eu sou quem tem de lhe fazer continência.

Atrás de mim uma risada colectiva de vários camaradas.
-Ele não te conhece e por isso é que te fez continência.
-Porquê ? - perguntei.
-É que ele é Alferes de Segunda Classe.
-Segunda Classe? O que é isso? - retorqui.
-Os nativos, quando comandam tropas, são uma espécie de Graduados, mas são sempre inferiores - esta doeu-me e ainda me dói - aos brancos.

Eu, nunca havia ouvido tal e fiquei escandalizado. Voltei-me para o meu Alferes (de 2ª) e disse:
-Meu Alferes, quando se cruzar comigo, sou eu quem lhe deve continência. Está bem?
-Sim, meu Furrié.

Ali, fiquei a saber (o que era normal em Portugal, mas não desta forma) que havia, classificados, Portugueses de primeira e de segunda.

Foi deste modo que conheci, pessoalmente, o saudoso João Bacar Djaló, a quem, postumamente, homenageio.”

Agora, no Post de 21 de Fevereiro [de 2008] (***), informas que:

Há qualquer coisa que não bate certo. Na altura, finais de 1964, o nosso João Bacar Djaló já usava os galões de Alferes e era filho do Régulo. Tive mesmo uma “competição curiosa” (apostas de Furriéis), num dos dias seguintes ao meu 1º encontro com ele, que me custou uma data de cervejas, apenas porque o mítico Djaló disparou, com a sua velha Mauser, não só mais rapidamente que eu com a G3 em semiautomático, como acertou 4 e eu apenas 3, em cinco tiros. Senti-me envergonhado e nunca, na vida, vou esquecer o seu valor.

É, também por este episódio, que estou seguro que o Alf João Bacar Djaló já usava os galões de Alferes, que, aliás, eram de inteiro mérito, ante o que ouvia ter ele feito pelos nossos.

Sem polémicas, admirável amigo. Não quero, mesmo, polémicas. Já tenho, só pelo que se passou comigo, erros e polémicas Administrativas a mais.

Grato por me leres.

Aquele enorme abraço, do Santos Oliveira
__________

Notas de L.G.:

(*) 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(**) Vd. postes da série Álbum Fotográfico de Santos Oliveira:

15 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3318: Album fotográfico de Santos Oliveira (1): Tite

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3416: Album fotográfico de Santos Oliveira (2): Tite, Tempestade tropical

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3434: Album fotográfico de Santos Oliveira (3): Tite, dia de ronco

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3458: Album fotográfico de Santos Oliveira (4): Tite

23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3505: Album fotográfico de Santos Oliveira (5): Tite, Outubro de 1965

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3577: Album fotográfico de Santos Oliveira (6): Tite e Enxudé

24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(***) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: Tugas - Quem é quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)

Vd. também:

2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Djaló (1929/71) (Magalhães Ribeiro)

9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4313: Tugas - Quem é quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)

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