Guiné > Bissalanca > BA12 > O ex-1º Cabo Esp MMA (1968/69) junto a um heli Al III. (*). Estve na Guné de Março de 1969 a Dezembro de1970.
Foto: © Jorge Narciso (2009). Direitos reservados
1. Comentário do Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, BA12, Bissalanca, 1968/69), ao poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5462: Não-estórias de guerra (4): O Parto, essa grande (a)ventura (Manuel Amaro)
Amigo Manuel [Amaro]
Este teu poste fez-me relembrar uma também "não estória" aparentada, que vivi na Guiné.
Tendo como actividade primeira a de mecânico dos helis, "tirocinei" também numa semi-especialidade (empírica, pois sem qualquer preparação prévia) de auxilio à enfermagem, com o apoio necessário às enfermeiras páras, com quem realizávamos evacuações.
Pôr a soro, fazer pensos, executar e manter garrotes, massagens cardíacas, transfusões,etc. etc. foram infelizmente acções com as quais me familiarizei.
Mas partos, era coisa que para além do meu próprio (de que não me ficou nenhum registo) estava completamente fora do meu quotidiano.
Porém um certo dia é solicitada uma evacuação (sem enfermeira) para a ilha de Unhocomo (que em conjunto com a de Unocomozinho eram as mais longíquas nos Bijagós).
Usufruindo, no voo de ida, da sempre agrádavel imagem daquele belo arquipélago (e do mar envolvente, onde pululavam quantidades enormes de tubarões, que bem se viam lá de cima) e finalmente aterrados numa paradisíaca ilha, quem nos surge para embarque ?
SÓ (Ai, Ai) uma GRÁVIDA em fase final de parto!
Embarcada a parturiente e enquanto pensava como se iria desenrascar o, talvez, primeiro mecânico/parteiro, ponderei as envolventes:
(i) Quase uma hora de voo até Bissau;
(ii) A parturiante não só não dava mostras de entender (ou não estava para aí virada) patavina do que lhe ia tentando dizer, nem dos gestos de consolo que ia ensaiando;
(iii) O olhar do Piloto era ainda mais estupefacto e aflitivo que o meu próprio e talvez mesmo que o da citada.
Enfim e abreviando argumentos, já que a viagem essa parecia nunca mais acabar, já sem ilhas, nem mar, nem tubarões, todos ora resumidos e concentrados naquele corpo/ventre que cada vez mais se contorcia, felizmente, mais para mim que, coitada, para ela, lá se aguentou até ao Hospital Civil de Bissau (na única vez que ali aterrei) onde finalmente presumo terá dado à luz o seu rebento.
Os restantes 5 minutos de voo, no regresso a Bissalanca, foram para mim e para o Piloto, como a nossa própria "renascença".
Um Abraço
Jorge Narciso
2. Comentário de L.G.:
Jorge, deves estar a referir-te ao actual Hospital Nacional Simão Mendes, herdeiro do Hospital Civil de Bissau, do nosso tempo (mas de que não temos falado aqui, no nosso bloue)... Por outro lado, julgo - se a memória não me atraiçoa - que o nosso comum amigo Humberto Reis, em viagem de Bambadinca para Bissau, de heli, à boleia, viu-se na mesma situação que tu... Só que ele terá sido mesmo parteiro à força, já que o parto se consumou em pleno voo... (O Humberto tinha a especialidade errada: acho que ele teria dado um belo piloto de helis, a avaliar pela frequència com que apanhava boleias vossas para uma escapadela até Bissau...).
Nenhum de nós, militares, estava preparado, técnica e culturalmente, para estas delicadas missões de apoio à população civil, e muito menos para assistir a um parto de emergência... Também eu estive, conpletamente isolado, em tabancas em autodefesa, sem enfermeiro, sem caixa de primeiros socorros... As NT, na Guiné, não estavam preparadas para missões de paz... Mesmo assim, montámos escolas e postos sanitários, fomos médicos, enfermeiros, parteiros, professores, fizémos reordenamentos, fomos engenheiros, carpinteiros, pedreiros...
Situações como estas deveriam ter relativamente frequentes, a partir do momento em que foi posta em marcha a política spinolista da Guiné Melhor, e os vossos helis eram aproveitados, no regresso à base, para dar boleia tanto a militares como a civis... Dizia-se que um heli custava por hora 15 contos, não sei quem pagava (se é que pagava) à FAP missões civis específicas, como esta que tu nos descreves...
A tua história merece ficar na montra do blogue, tal como já tinha acontecido com a alegada "não-estória" do Manuel Amaro, esse, sim enfermeiro, e na ocasião parteiro... à força. Um bela história, afinal, de solidariedade humana, diga-se de passagem. Não tenho dúvidas que tu farias o teu melhor, se a criancinha tivesse mesmo decidido sair do "bem bom" do ventre materno, enquanto o teu heli sobrevoava o mar infestado de tubarões...Enfim, hoje poderias acrescentar ao teu currículo de vida mais esta faceta, ao mesmo tempo divertida, a de aprendiz de parteiro... à força.
Continuação de boas festas, apesar da tragédia que se abateu sobre a nossa bela região oeste, na véspera de Natal. Espero que esteja tudo bem contigo. Luis.
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5305: Tabanca Grande (188): Jorge Narciso, ex-1º Cabo Esp MMA, BA 12, Bissalanca, 1969/70
3 comentários:
Caro Luis
Não fiz este comentário com a intenção da sua publicação "up-stairs", mas assinalo e agradeço a sua "promoção" até pelo teu brilhante comentário.
Relativamente à intempérie tive de facto alguns danos materiais, que são insignificantes face à desgraça que se abateu nomeadamente sobre alguns agricultores. Esperemos que os sempre prometidos apoios apareçam de facto.
Finalmente e reenviado o desejo de Boas Festas, uma pequena correcção:
a minha "estadia" na Guiné foi entre Mar.69 e Dez.70 (não 68/69)
Recebe um abraço
Jorge Narciso
Obrigado. Já corrigi. Vou seguir agora mesmo para o sul e passar pela Lourinhã. Bom Ano.Luis
Não estavamos preparados para essas missões é certo, mas lá nos iamos desenrascando, tal como, também não eramos advogados e tinhamos que elaborar processos!
Ía levando uma porrada por deixar atrasar os processos, até que um dia me "revoltei" e decretei que oficial comandante do Mato Cão, não tinha que fazer processos!
Abraço camarigo a todos.
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