1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, dando continuidade às suas memórias da Companhia em Nhacra, iniciadas nos postes P5711, P5729, P5796 e P5812 enviou-nos a 10ª fracção e mais 3 documentos históricos do seu vasto arquivo pessoal:
CCAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"
NHACRA/5
Só o cansaço e saturação de muitos meses de tensão sob os efeitos da guerra e das esgotantes e desgastantes das notícias dos mortos e dos feridos diários, dos combates, das multi privações, etc., é que podem justificar o comportamento dos seus intervenientes, imediatamente após o golpe de 25 de Abril de 1974.
Ainda as notícias que até nós chegavam, eram insuficientes e conclusivas, para saber qual o curso da revolução, e, em especial, em relação à política que ia ser seguida para a descolonização, e já eu via envolvido em abraços e confraternizações as NT com o IN do dia 24, que passaram a “amigos do dia 26”.
Devo confessar que não gostei nada dessas confraternizações e fiquei sempre á margem do regozijo comum. Só em Junho desse mesmo ano, numa coluna em que eu seguia para o Olossato e em plena picada, quando surgiu um grupo de guerrilheiros do PAIGC - bem armados -, obrigando a coluna a parar e aí sim, fui “forçado” aos abraços da praxe.
Pessoalmente, nada tinha contra aqueles homens, mas, para mim, era difícil comemorar com os mesmos, fosse o que fosse, não me conseguia "libertar" das imagens dos meus camaradas mortos no Cantanhez e de todos os outros, que até aí tinham tombado por toda a Guiné.
Talvez por falta de serenidade ou egoísmo, para avaliar a situação, tomei essa atitude na altura, já que eles (o IN) também tiveram os seus mortos, mas isso eu pensava que era um problema deles e atribuía o facto ao curso normal da guerra.
Hoje, após muito meditar nisso, gostaria de estar a contar outra reacção minha diferente, mas não posso, porque a verdade foi esta.
Já tinha 19 meses de Guiné, quando o 25 de Abril aconteceu, e, hoje, tenho por hábito dizer que até neste pormenor tive sorte, por ter vivido o antes e depois, porque tive o privilégio de assistir ao regozijo daquele povo, porque eles almejavam com a sua luta: A Independência.
Naturalmente, que também assisti e, porque não dizê-lo, participei em coisas menos agradáveis, já que a indisciplina começou a surgir entre as NT com alguma frequência, dentro e fora do aquartelamento.
A política tinha entrado no quartel e as divisões, entre nós, começaram a surgir. Uns eram tomados como fascistas, enquanto outros eram classificados revolucionários, consoante o sua definição de alinhamento.
A organização de um torneio de futebol de salão, foi o pretexto para o lançamento de um “jornal” a nível interno, no qual eu, modestamente, também colaborei.
Sentia-se o perfume da liberdade.
O 1º Exemplar saiu com o título de "Simplesmente Desporto", com data de 20 de Maio de 1974, mas pouco tempo depois, iria chamar-se "1º de Maio Desportivo" e a confusão entre camaradas estava para durar.
Outro exemplar saiu em Edição Especial, com data de 20 de Maio de 1974
As fotos são de uma operação stop efectuada no entroncamento Bissau-Cuméré-Mansoa, para “apanhar” Agentes da PIDE/DGS (depois do 25 de Abril como é óbvio).
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
11 comentários:
Eduardo, apesar de todo o esforço dos editores deste blog, ainda há muitas ex-praças que não quizeram "abivacar" nesta blogosfera.
É que se a pirâmede hierárquica fosse mais aproximada de uma verdadeira caserna, cuja base seriam ex-praças, provavelmente haveria mais desrespeito ao politicamente correto.
É que falta escrever as cenas dos "finalmentes" que tentas dar um cheirinho neste teu post.
E enquanto o políticamente correto imperar, nunca a história com H, ficará escrita.
Antº Rosinha
Caro Eduardo
São bem interessantes estas tuas recordações, até porque nos transmitem situações que os mais antigos no cumprimento das suas comissões por imposição não tiveram oportunidade de conhecer.
Além do mais apresentam-se aspectos curiosos, como por exemplo esse das edições de jornais internos, que permitem também perceber como era o 'pulsar' do pessoal.
Quanto às observações do António Rosinha elas são também acertadas, embora se deva ter em consideração que quando aparece alguma coisa menos 'normal' o autor corre logo o risco de 'ter em cima' a vigilância dos defensores "do que deveria ter acontecido em vez do que aconteceu" e arriscam-se à 'punição'.
Ainda recentemente o Colaço, salvo erro, relatou um episódio alegadamente passado com ele e foi logo repreendido pela jactância relatada e informado de ter chumbado na escola de cabos... por isso é que admito que o grosso da base da tal pirâmide se retraia.
Um abraço
Hélder S.
Caro camarigo Eduardo e todos os camarigos
Estas histórias são interessantes porque, como diz o Hélder, para além de mais, dão-nos uma perspectiva, (aos que já tinham vindo embora da Guiné), que nós não vivemos.
Dão-nos até uma visão de como em tão pouco tempo tudo ficou tão politizado, sem que isto que digo envolva qualquer critica mas uma constatação de facto e que até nos é transmitida pelos "jornais" publicados.
Quanto à participação de ex-praças, para utilizar a expressão utilizada, discordo que tenha a ver com algo politicamente correcto, ou com "punições".
Julgo, e falo por mim, que não haverá assim tanta gente habituada a estas novas tecnologias e sobretudo a participar nas mesmas.
Hoje em dia julgo que ninguém se cala e que todos defendem os seus pontos de vista sem receio de criticas, ou "politicamente correctos".
A haver algum afastamento por parte desses nossos camaradas pode ser, mais uma vez julgo eu, porque muitas vezes a Tabanca se "intelectualiza" em demasiado e aí sim, alguém se pode sentir "intimidado" de escrever uams simples linhas contando uma história, que se calhar todos gostariamos de ler.
Mas isto, claro, sou eu a dizer coisas!
Abraço camarigo para todos
Caro Eduardo Campos
Como eu te compreendo. Não vivi os teus tempos de Guiné, porque, felizmente em 1972, regressei a casa deixando-vos um osso ruim de roer.
Mas, de um momento para o outro dar abraços ao IN é muito confuso. Que diabo, não estivemos propriamente a jogar damas uns com os outros. Houve mortos e feridos de parte a parte, havia recalcamentos, desconfianças e tudo o mais que se possa imaginar entre beligerantes.
Não queres saber que cá, pelo menos entre funcionários públicos, a coisa também começou a azedar?
Verdade, começaram a alinhar as pessoas entre esquerda e direita, e dentro de cada uma destas facções ainda havia os sub-alinhamentos. Complicado, digo eu com toda a razão da experiência.
Não eras de esquerda, mas estavas na Comissão de Tabalhadores, passavas a comunista num fósforo. Eras de direita, mas pugnavas pelo bem-estar dos teus colegas de empresa, passavas a ser comunista.
Era assim, camarada, maus tempos esses.
Um abraço
Vinhal
Hélder como comentaste a jactância muito grato te fico como especialista na área de transmissões que esclarecesses a minha dúvida no comentário ao P5863.
Um abraço
Colaço.
Caros Antº Rosinha/Herder e Mexia
Alves.
Os v/ comentários são pertinentes, mas a meu ver todos vós se esqueceram da provável e principal causa da fraca adesão de ex praças, aderirem ao Blogue. A ESCOLA.
Eu apenas completei a instrução primária e foi um luxo que muitos jovens do extracto social em que eu estava inserido, não conseguiram.
Nas v/ Compª/Pelotões, quantos praças tinham a chamada 4º Classe?
Como todos sabemos o Analfabetismo era muito grande.
Hoje os n/ filhos licenciaram-se os n/ netos frequentam colégios particulares, mas no passado eram poucos.
Eu ex praça andei cerca de 4 anos a espreitar o Bolgue,ia aos encontros, mas nem uma palavra enviava para o Blogue e sabem porquê? O medo de enfrentar uma grande plateia de gente ilustre, que ainda por cima escreve muito bem.
Esso medo foi ultrapassado,mas continuo angustiado sempre que envio algo para ser publicado.
Por isso não me surpreende que o Blogue seja "comandado" pelos mesmos homens que nos chefiaram nas bolanhas e matas da Guiné.""""""E PORQUE TIVERAM A ESCOLA.
Um Abraço
Eduardo Campos
Meu caro camarigo Eduardo Campos
Sem puxar pelos "galões", (de que nem gosto muito, para mim é mais leite simples), vens dar razão ao que eu escrevi.
O que não me dá satisfação nenhuma, antes pelo contrário.
Abraço camarigo para ti e para todos
Caros amigos
Está visto que este 'post' tem, para além do interesse inequívoco do seu conteúdo, já ressaltado por vários 'comentadores', um grande mérito que é o de levantar uma questão provavelmente também já pensada por muitos mas ainda não debatida e que é a estratificação da escolaridade existente 'no nosso tempo' e que hoje, de um modo geral, se reflecte ainda em todos aqueles que são sobreviventes daqueles tempos e, por extensão, nos contributos aqui no Blogue.
Bem que os nossos esforçados Editores não se cansam de apelar para quem ninguém se sinta constrangido a escrever. Não têm que 'competir' com camaradas mais letrados, alguns com créditos firmados no campo das letras, mas tão somente relatar as suas memórias, as suas experiências, que o ajeitar da gramática será da incumbência deles...
Mas é claro que se compreende alguma retracção... é preciso é vencê-la!
Talvez até fosse bom desenvolver mais este tema, o da relação da escolaridade e educação com o enquadramento social.
Um abraço
Hélder S.
Caro Eduardo Campos.
Quero dizer-te antes de mais que a tua não adesão aos abraços e efusões para com o IN. e de aparente alegria para com os mesmos, não foi caso isolado, já somos dois, e houve muitos mais que não quiseram fazer as fotos de “família”.
Mas é curioso porque houve “andamentos” diferentes em toda a Guiné a respeito das confraternizações com o PAIGC, no nosso caso em foi mais tarde, e a mim que não participei, causou-me sempre algum desconforto, até porque em Maio levamos com umas morteiradas.
O que no teu relato salta á evidência é o facto de a coluna onde vocês seguiam ser parada pelo PAIGC, não deixa de ser irónico, porque onde eu estava não podia haver armas fora dos limites dos aquartelamentos.
Já agora, o vosso armamento já tinha sido entregue?
Vou tentar escrever sobre os dias pós Abril.
Um grande abraço
Manuel Marinho
Caro Manuel Marinho
O nosso armamento ainda não tinha sido entregue e aconteceu mais tarde.
A coluna em que eu seguia não era da minha Companhia mas sim da Companhia de Transportes e a minha presença na coluna era apenas "turistica" a convite de um Furriel Amigo.
Fico a espera das tuas histórias e estou completamento de acordo contigo quanto aos comportamentos, não foram todos iguais, mesmo em relação às NT,existiram zonas em que o pessoal aguentou direitinho até ao final, enquanto noutras, existiu uma grande confusão, daí não poder generalizar em nome da verdade.
Um Abraço
Eduardo Campos
Eduardo,
Amigo,
Conhecemo-nos tão recentemente, embora pareça que sempre nos conhecemos. Uma vez mais deixas aqui um testemunho importante em tantos aspectos que não vou enumerá-los, estão complementados nos copmentários que fizeste e nos que foram feitos ao teu texto.
Os sentimentos que referes, não são apenas teus...
A tua experiência e a tua forma de nos dares a conhecer a realidade de quem não viveu esses momentos é excelente para podermos avaliar a dificuldade no controlo das emoções face aos acontecimentos.
Um forte abraço,
BSardinha
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