1. Mensagem de António Tavares * (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 23 de Fevereiro de 2010:
Caro Vinhal,
Nos Marcadores ”Os Nossos Médicos”, li o nome de um médico, nosso camarada durante a formação do Batalhão, que por razões óbvias omito o nome, mas recordo:
Na formação do BCAÇ 2912, iniciada a 23-02-1970, - (faz hoje 40 anos!) - no CIM de Santa Margarida, tivemos um Soldado Básico… Licenciado em Medicina!
Soldado Básico por motivos políticos com o único mal de ter ideias diferentes daquele que nos mandava ir matar e morrer… a bem da riqueza de alguns!
Esteve no Presídio Militar de Penamacor onde passou dificuldades de vária ordem e até económicas.
Homem de fino trato sempre pronto a ajudar quem precisasse dos seus serviços médicos com a sua mala triangular, estetoscópio, antipiréticos, anti-inflamatórios, ligaduras, etc. … Um espírito João Semana!
Sentia-se útil ao auxiliar e os milicianos agradeciam a sua cooperação que era muito solicitada naquela frigidíssima terra do Campo de Instrução Militar.
O frio era tanto que os camaradas roubavam mantas uns aos outros para não dormirem gelados na caserna!
Eu fui uma das vítimas, mas confesso que também roubei uma!
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão… logo fui perdoado.
Se o não fui, a penitência foi cumprida no teatro de guerra: - Guiné.
No fim do IAO, em Santa Margarida, não faltou nenhuma manta!
Sem o conhecimento dos Comandos Militares o Soldado Básico - Médico - dormia na caserna dos cabos milicianos e comia na messe dos Sargentos!
O BCAÇ 2912 partiu, em 24-04-1970, da gare marítima de Alcântara, no T/T Carvalho de Araújo, rumo ao CTI da Guiné, com os Alf Mil Médicos Vítor Veloso; José Alberto Martins Faria e Eduardo Teixeira Sousa.
O Dr. Vítor Veloso, em 1971 foi para Bafatá - Delegado de Saúde - e substituído pelo Alf Mil Médico José Guedes, ex-Otorrino no Hospital Geral de Santo António do Porto.
O Médico, com Carteira Profissional, Soldado Básico - na tropa - continuou no CIM de Santa Margarida.
Em 1971 ou 1972 encontrei-o na Guiné, tenho a ideia como Alf Mil Médico.
Os seus bons serviços e competência técnica foram precisos naquela macabra guerra de guerrilha, onde se matava para não morrer!
Quarenta anos passados é o que recordo do Senhor Dr. ... Assim conhecido e tratado pelos milicianos!
Os ex-combatentes conhecem bem histórias de repressão política, com intervenções da PIDE, nos anos de 1961 a 1974 a vários cidadãos de pensamento contrário ao regime vigente de então.
A juventude do após 25 de Abril/74 por muito que leia, veja e ouça não tem felizmente a noção e a vivência de uma guerra de guerrilha que visava a conquista das populações nativas segundo a propaganda da época.
Com um abraço do,
António Tavares
Ex-Fur.Mil. SAM
Foz do Douro, 23-02-2010
__________
(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5234: Estórias avulsas (55): O ar assustado de uma prisioneira de guerra (António Tavares)
Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5732: Os nossos médicos (15): Professor Doutor Pereira Coelho (ex-Alf Mil Méd do BCAÇ 3872 e Director do Hospital Civil Bafatá, 71/74
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Camarada Tavares
Recordas aqui um homem, que foi uma vitima daqueles tempos em que pensar de maneira diferente era crime.
Também me recordas o frio que passei em Sta Margarida em Novembro de 1971.
Um abraço
Juvenal Amado
Caro Tavares.
Há estórias da guerra, que não entram na história da Guerra. Essa que tu contas, é uma delas.
Um abraço
Há tempos houve alguém também que recordou aqui uma história parecida: haveria um soldado, que julgo que seria básico, que esteve em Bambadinca, nos primeiros anos de guerra, e que era médico, ou estudante de medicina... Recordam-se ?
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