1. Comentários ao poste P5580 (*), feitos em 7, 8 e 10 do corrente, pelo nosso leitor Rui Ferrão, que depreendemos ter estado na Marinha, possivelmente, num Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE), entre 1967 e 1969, sendo portanto contemporâneo dos tristes acontecimentos de Bissau, em 3 de Junho de 1968:
(i) Queria fazer um pequeno reparo àquilo que foi dito em relação aos confrontos entre Páras-Fuzos. Os Fuzos não emboscaram os Páras como aqui é referido no texto do sr. coronel Mira Vaz e noutros que já li.
O que aconteceu foi que o oficial de dia ao quartel Fuzo, nesse mesmo dia, já sobre a madrugada, mandou sair a ronda para verificar se as coisas já estavam mais calmas. A dita ronda ao passar junto aos edíficios em obras teria ouvido uma voz gritar Estes lerpam já todos!, e vai daí um dos elementos da ronda dirige a arma para aquela zona e dispara para o escuro, não se apercebendo de qualquer vulto... Só depois se aperceberam do lamentável acidente.
A outra morte teria sido horas antes à porta do Estádio, também em circunstâncias identicas; há um Fuzo que, ao descer do jipe da ronda, cai e deixa cair a arma, entretanto está ali por perto um Pára e pega na arma, o cabo da ronda naquela confusão (só quem lá estava é que consegue avaliar) vê o individuo com a arma nas mãos, não sei o que lhe passou pela cabeça e atirou segundo informações, para o chão, só que o tiro ressaltou e foi atingir o Pára.
Eu estava lá no início do confronto, mas depois encontrei um filho da minha terra, olhámos um para o outro e interrogámo-nos:
- O que é que nós estamos aqui a fazer? - e saímos para fora.
Foi assim que os acontecimentos me foram relatados por companheiros Fuzos, visto naquela altura estar já na companhia do filho da terra a beber uma cerveja com mais alguns Páras. Estou de acordo que houve negligência dos superiores dos dois lados, julgo que teriam evitado a morte destes dois jovens,camaradas de armas.
Também não estou a ver os Fuzos a montar uma emboscada daquela maneira tão cruel com já foi escrito nalguns locais do blogue. Como disse, essa parte não falo por aquilo que me contaram, logo após os acontecimentos. Foi lamentável e vergonhoso para as nossas tropas.
Um abraço. Sou Rui Ferrão
(ii) Ainda os confrontos entre Pára-Fuzos. Alguém comentou algures no blogue que, havia uma grande rivalidade entre Páras-Fuzos, mas não é verdade. Enquanto eu estive na Guiné (1967-69), para além dos acontecimentos que todos conhecemos, sanados que eles foram, voltou tudo á normalidade, embora tivesse havido um período em que não havia qualquer convívio entre eles, mas depois tudo voltou ao normal como já tinha citado.
Quem passou pela Guiné e teve a oportunidade de privar com a malta da Marinha, estou convicto de que deles tem uma boa impressão. Senão vejamos: Quem nunca foi a bordo de uma lancha, ou de um navio, ou do quartel Fuzo comer um ou dois jantaritos desenrascado por um filho da terra Fuzo?
Eu próprio dispensei a minha cama por diversas vezes a camaradas Páras. Caldeiradas de cabritos "comprados" aos nativos pelos Fuzos e caldeirados e comidos (no quartel Fuzo) entre Pára-Fuzos, isto tudo depois dos confrontos, será isto será rivalidade?
O pessoal da Marinha nunca teve rivalidades com ninguém, inclusive, aconteceu por vezes safar militares do exército com problemas com a PM.
Um abraço, cordialmente sou Rui Ferrão. Voltarei ao assunto.
(iii) Voltando ainda ao incidente Páras-Fusos, quereria dizer ainda o seguinte: O acontecimento criou grande consternação no seio Fuso, nas horas que se sucederam todos se interrogavam:
- Como é que foi possível acontecer uma tragédia desta dimensão?
Todos nós lamentamos. Avançamos: um certo dia andando com alguns colegas Fuzos a passear em Bissau na zona do Pilão já depois da meia noite,(era perigoso andar naquela zona aquela hora da noite) encontrámos um grupo de Páras já com uns copos a mais, onde vinha um com um golpe profundo na cabeça e a sangrar bastante, não sei o que se tinha passado, sei apenas que estava a precisar de ajuda, pedimos aos militares da PM que o levassem ao Hospital, responderam que o jipe não era nenhuma ambulância, entretanto passa a ronda dos Fuzos, apercebendo-se da situação pegaram no ferido e nos restantes camaradas e levaram-nos a Bissalanca, visto que aquela hora já não tinham transporte para lá e ainda eram cerca de 12 Km.
Como estão a ver, meus amigos, não havia rivalidade entre estas duas Forças. Sobre a quantidade de companhias e destacamentos a prestar serviço na Guiné, citadas pelo camarada Jorge Santos, também não está correcta a quantidade nem os seus números. Havia apenas duas companhias e quatro destacamentos.
Um abraço Rui Ferrão
2. Comentário de L.G.:
Obrigado ao Rui pelos esclarecimentos. Fica convidado a ingressar na nossa Tabanca Grande. A representação da Marinha continua a ser escassa. Para não falar dos fuzileiros (**).
_____________
Notas de L.G.:
(*) 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)
(**) Encontrei, na preciosa página do nosso camarada Jorge Santos, a indicação de uma Associação de Fuzileiros:
Rua Miguel Paes, nº 25 - 2830-356 Barreiro
Tel.: +351 212 060 079 / Fax : +351 210 884 752
Email: afuzileiros@netvisao.pt
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
São de facto comentários importantes sobre um assunto não só incómodo como intrigante...
Mas lá que havia rivalidade, isso havia, pelo menos era o que transparecia para a 'tropa comum'.
Hélder S.
Camarada Hélder, em relação ao comentário do meu amigo, quero esclarecer que as minhas palavras em relação aos acontecimentos Páras-Fusos, refiro-me apenas ao período 67-69,antes ou depois, não me posso pronunciar porque não estava lá. Mas o que transparecia quando cheguei há Guiné é que o ambiente era bom, salvo os acontecimentos que todos conhecemos cuja causa principal foi um torneio de futebol de salão. Numa outra ocasião falarei sobre outras histórias de convívios entre Fusos-Páras inclusivé com a participação do célebre cabo 80. Abraço, Rui Ferrão
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