segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6887: Recortes de imprensa (27): Repressão da PIDE/DGS, em Cabo Verde, na sequência do assalto, feito por militantes do PAIGC, ao barco de cabotagem Pérola do Oceano, Ilha de Santiago, 19 de Agosto de 1970 (Nelson Herbert)

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1.  Eis uma notícia que passou na imprensa de Cabo-Verde, em 19 do corrente, com a publicação de um comunicado ou nota de imprensa da Associação Defesa da Memória, ONG cabo verdiana (ainda pouco conhecida), assinalando uma efeméride, considerada importante para a história recente daquele antigo território português, o 40º Aniversário do maior número de prisões feita pela PIDE em Cabo Verde, num só dia... O recorte de imprensa foi-nos enviados pelo membro da nossa Tabanca Grande, Nelson Herbert (jornalista, Voz da América, EUA, foto à esquerda), natural da Guiné, filho do famoso, no seu tempo, jogador de futebol Búfalo Bill, o Armando Lopes, que celebra justamente hoje 90 anos, e a quem reiteramos os votos de parabéns (LG).


"Efeméride: 40º Aniversário de maior Prisão feita pela PIDE em Cabo Verde

"Há precisamente 40 anos, em 19 de Agosto de 1970 a PIDE, Polícia Internacional de Defesa do Estado Português, realizou a sua mais extensiva captura e aprisionamento políticos de militantes da resistência interna do PAIGC (Partido Africano para Independência da Guiné e cabo Verde) em Cabo Verde"!, diz a nota de imprensa distribuída pela Associação de Defesa da Memória.


"Essa acção da PIDE foi realizada na sequência do assalto ao navio Pérola do Oceano em Agosto de 1970, por um grupo de militantes do PAIGC de Santa Catarina, infiltrados por um informante da PIDE, José Borges, como sendo coronel do PAIGC, com intuito de irem buscar arma(s) na Guiné Conacry para a Libertação de Cabo Verde. Nesse ambiente repressivo e de movimentação da PIDE e das forças armadas portuguesas em toda a ilha de Santiago, mais de quarenta suspeitos foram aprisionados. Entre eles destacava-se Pedro Martins, responsável do PAIGC, estudante do 7º ano dos liceus, preso com grande aparato militar.

"Pelas informações arrancadas em outros detidos, particularmente no grupo dos assaltantes do Pérola de Oceano, a PIDE convencera-se que tinha capturado uma das cabeças mais importantes do PAIGC em Cabo Verde.


"Sujeito a uma tortura impiedosa de quase seis meses, Pedro Martins, de facto,  resistiu à PIDE, proeza a que poucos se podem gabar, considerando a impunidade e a barbárie dessa polícia colonial fascista. Nenhum segredo do PAIGC e nenhum nome de militante foram-lhe arrancados pela PIDE. Esse comportamento só poderá ser atribuído à sua firme convicção e dedicação à Luta para Independência de Cabo Verde.


"No então concelho de Santa Catarina viveu-se momentos de muita repressão e tensão políticas. “O ar tornou-se irrespirável",  como afirmaria um militante do Partido. Entretanto, os companheiros de Pedro Martins não desistiram e prosseguiram com a militância política em prol da Independência de Cabo Verde.


"Quarenta anos depois desse acontecimento histórico, do comportamento patriótico de militantes do PAIGC, como o do Pedro Martins, sentimo-nos na obrigação de assinalar a data histórica de 19 de Agosto de 1970 e de saudar a Luta pela Independência Nacional e particularmente dos que estiveram na resistência interna e enfrentaram o poder repressivo colonial".


A referida Associação exorta, por fim, os s professores de história para "que ensinem aos alunos o significado que foi essa data para o triunfo da Independência Nacional no dia 5 de Julho de 1975".

(Nota de imprensa publicado, pelo menos em: Expresso das Ilhas, Vision News, de Cabo Verde; mas também no Correio da Manhã. Reproduzida no nosso blogue com a devida vénia...)

2. Comentário de L.G.:

A Semana tem uma outra versão deste episódio, e aponta a data de 20 de Agosto de 1970, como eféméride, em artigo de opinião assinado por Emanuel C. D’Oliveira

(...) "Nesse dia ou melhor noite, do ano 1970, o barco recebeu carga e passageiros para S. Filipe e Furna, como habitual e rotineiramente fazia. Ninguém desconfiou, nem podia desconfiar, que entre os embarcados encontrava-se um grupo de assaltantes que, disfarçados de passageiros, iam com a intenção de sequestrar e apoderar-se do barco. O grupo ia protagonizar um feito inédito na história do arquipélago.



"!Os planos, porém, não correram como esse grupo, sob disfarce, tinha previsto. Afinal tratava-se de uma manobra da polícia política para desmantelar e capturar elementos afectos ao PAIGC que actuavam na clandestinidade, na ilha de Santiago, mais precisamente em Santa Catarina e Assomada. Veio-se a saber mais tarde que um elemento do grupo tinha montado uma armadilha aos restantes que, na sua boa-fé, pretendiam ir combater o regime português a partir do continente. A desventura do grupo, que acabou preso, é contada ao pormenor em duas obras literárias da nossa praça (Testemunhos de um Combatente,  de Pedro Martins e Tarrafal, Memórias e Verdades,  de José V. Lopes). (...)

(...) "Os assaltantes acabaram presos pela PIDE com a ajuda de militares e da Polícia de Segurança Pública. Nem todos foram encontrados no mesmo dia. Primeiro estiveram detidos na extinta Cadeia Civil que se localizava onde hoje se encontra o Hotel Trópico. Mais tarde transferiram-nos para Tarrafal, tendo sido libertados quatro anos depois, após a revolução portuguesa de 25 de Abril, em 1974". (...)


De qualquer modo, este episódio é pouco conhecido entre nós, e até mesmo entre os guineenses e os cabo verdianos. O nosso blogue é um ponto de (re)encontro de gentes e memórias. Faz por isso sentido evocar aqui esta efeméride. Em Maio passado foi estreado o filme "O Sonho de Liberdade", do cineasta Júlio Silvão Tavares,  baseado nestes factos históricos.

Ficha técnica > Realizador: Júlio Silvão Tavares;  Produtora: Silvão – Produção, Filmes;  Equipa artístico: Assaltantes do navio Pérola do Oceano, familiares e outros testemunhos;  Local de Rodagem: Cabo Verde – Ilhas de Santiago;  Data de início e tempo de rodagem: Abril / Maio de 2007, 25 dias Duração: 52 minutos. Estreia: Cidade da Praia, 9 de Maio de 2010.

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Nota de L.G.:
 
(*) Último poste desta série > 15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6743: Recortes de imprensa (26): A morte do africanista Basil Davidson (1914-2010), amigo e admirador de Amílcar Cabral (Nelson Herbert / Luís Graça)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Segundo notícia do correspondente da agência Lusa na Cidade da Praia, com data de 19 de Agosto, o Pedro Martins, hoje com 59 anos, publicou em 1990 o livro “Testemunhos de um Combatente".

O barco de cabotagem, que foi tomado de assalto, o “Pérola do Oceano”, fazia a ligação entre a Cidade da Praia e as ilhas do Fogo e da Brava. os assaltantes era um grupo de militantes do PAIGC de Santa Catarina, no interior da ilha de Santiago. O seu objectivo era juntarem-se ao movimento de libertação, sediado em Conacri.

A movimentação da PIDE e das forças armadas portuguesas em toda a ilha de Santiago resultou na prisão de mais 40 suspeitos, depois de o ataque ter sido frustrado por o navio de passageiros não dispor de combustível suficiente para chegar a Dacar (Senegal), de onde seguiriam para Conacri.

A Lusa cita outra fonte, onde se relata detalhadamente este episódio, e que é o livro “Tarrafal - Chão Bom: Memórias e Verdades”, do jornalista, escritor e historiador cabo-verdiano José Vicente Lopes, editado em Cabo Verde em Junho.

A embarcação "acabou por acostar em Porto Rincão, no concelho de Santa Catarina, a poucos quilómetros do porto da Cidade da Praia, a partir de onde a PIDE começou a caça aos 'terroristas'.

"A detenção foi uma espécie de cilada montada por um suposto coronel do PAIGC, José dos Reis Borges, que chegara pouco antes a Cabo Verde, vindo aparentemente de Lisboa, a mando da PIDE, para 'controlar' as 'atividades subversivas' do movimento de libertação na Assomada, capital de Santa Catarina" (...).

"A maioria dos detidos acabaria libertada após um processo sumário na Cadeia Civil da Praia, mas cerca de 15 foram transferidos para o Campo de Trabalho de Chão Bom, o célebre campo de concentração no Tarrafal (ilha de Santiago) (...)".

"No Tarrafal, o grupo juntou-se aos primeiros quatro anticolonialistas cabo-verdianos que aí se encontravam desde 26 de março de 1970 – Lineu Miranda, Carlos Dantas Tavares, Jaime Schofield e Luís Fonseca (ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP)"...

Nelson Herbert / Luís Graça

Antº Rosinha disse...

O povo caboverdeano da geração de Amilcar Cabral, era o grupo de falantes de português do Minho a Timor, no início das independências africanas, mais culto, onde a campanha de alfabetização mais resultados deu, e que, geração essa já servia com o maior dos "portuguesismos", sem aspas, na administração colonial em Angola e na Guiné.

Álem de que os caboverdeanos eram muito viajados devido tambem a habitualmente comporem as tripulações de barcos de cabotegem tipo "Amélia de Melo", que em circuito permanente percorriam desde o porto da Beira em Moçambique, passando por toda a costa africana por Cape Town, até Lisboa, Vigo, Roterdão e Hamburgo, e volta novamente, indefenidamente até ao 25 de Abrl.

Isto, alem de transportarem o coconote de Bissau, dava uma vivência e cultura e uma visão internacional aos Caboverdeanos, que "a nus cuitado" das nossas berças tugas, nem os embaixadores atingiam.

Só não arranjo explicação para mim, como é que o Salazar, sem nunca passar da Madeira para sul, conhecia tão bem esse povo.

E entendiam-se maravilhosamente.

Só não entendo porque os dirigentes do PAIGC/PAICV, tenham tão pouca coisa escrita sobre a luta diplomática internacional excepcional que desenvolveram, e sobre a estratégia comum com o MPLA, que existiu efectivamente, ao ponto de o MPLA acabar com um mínimo de gente armada de Kalaschs, e na Guiné foi aquele massacre.

Foram os caboverdeanos os estrategas?, foram os Russos e cubanos? Qual foi o apoio que o PAIGC deu ao movimento pró independência canarinho? Porque os Caboverdeanos deixaram o governo de Luis Cabral a lutar sozinho pela União Guiné-Caboverde? "E se tramou" a ele e à Guiné!

É que tirando os discursos e palestras e declarações em livro de Amilcar Cabral, pouco se consegue ler do tempo da luta e o que se seguiu.

Este "Testemunhos de um Combatente" será uma das excepções.

Claro que falo de portugueses que votavam em Humberto Delgado em 1958

Nelson, os Caboverdeanos são "todos combatentes" e são sempre vencedores.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Boa Rosinha.
Francamente gostei e é necessário intervires mais. Não te esqueças que Cabo Verde ou para lá ia muita gente de cultura que "incomodava cá"...

O Tarrafal está geminado com o Fundão e aqui estudam jovens cabo-verdianos.

Um abraço para ti e para todos,
Torcato

Anónimo disse...

Caro "Mais Velho" Rosinha

Pontualmente , em debates, entrevistas, livro- infelizmente alguns apenas com edicao e circulacao em Cabo Verde- alguma luz..ainda que pouca...tem-se dado a historia da actividade clandestina do PAIGC nas ilhas caboverdianas..

Obras que retratam em parte, a organizacao clandestina do PAIGC naquelas ilhas atlanticas.

E esse "Testemunhos de um Combatente", de Pedro Martins um amigo pessoal e ex "tarrafalista" , das celulas do PAIGC em Cabo Verde eh por sinal um dos incontornoveis livros ao entendimento do entao "fosso", existente entre as accoes do PAIGC de Amilcar Cabral, em "Conacri",nas matas e nos centros urbanos da Guine...e nas ilhas de Cabo Verde...

Uma outra obra recomendavel e a do engenheiro , Jorge Querido (Subsidios Para a Historia Da Nossa Luta De Libertacao. Jorge Querido foi por sinal o responsavel pelas actividades e accoes clandestinas do PAIGC em Cabo Verde.

Da leitura de um conjunto de testemunhos/livros-alguns pouco conhecidos fora do arquipelago-provavelmente os dois casos aqui referenciados, fica-se com a ideia da entao "desfasagem" de engajamento do PAIGC, na Guine e em Cabo Verde.

Alias, sabe-se das criticas de que Cabral era alvo, quando e sempre em causa estivesse em discussao...o peso do partido...num e outro territorio entao sob dominio colonial.

Terao as balas disparadas na Guine (tal como defendia Amilcar Cabral) tido o seu "quinhao" de impacto no processo emancipador e de libertacao de Cabo Verde ?

Sera essa porventura a percepcao dos nacionalistas das celulas clandestinas do PAIGC naquele arquipelago ?

Dai a minha sugestao "bibliografica" !

Mantenhas

Nelson Herbert
USA

Anónimo disse...

Nelson, o PAICV/PAIGC, tem obrigação de deixar escrita a história tim por tim, das linhas com que se cozeu.

Até porque a memória de Amilcar Cabral e do partido pode deixar pontos escuros sujeito a muitas interpretações.

Até sobre a sua morte. Sabes que "Fausto" da lenda vendeu a alma ao diabo.

A mim pessoalmente e a uns amigos de São Vicente e de São Nic'lau não nos deu geito aquele 25 de Abril tão abrupto, provocado pelo PAIGC.

É que estavamos a fazer uma colonização tão porreira e tão tranquila na Ilha de Luanda, Samba e Corimba que ficámos chateados sermos substituidos por Cubanos e Sulafricanos.

O Hino nacional e a bandeira de Caboverde vieram repôr um pouco de verdade e de beleza do que é Caboverde.

Um abraço

Antº Rosinha