segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7244: (Ex)citações (107): Ainda a questão dos netos do Alberto (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Novembro de 2010:

Não sei se faça disto um comentário ou um poste.
O que é que achas?
Um abraço
José Brás


AINDA A QUESTÃO DOS NETOS DO ALBERTO**

Deveria estar aqui exprimindo a perplexidade que a leitura do comentário de Carlos Filipe me soltou.
Esclareço que perplexidade não é porque salte do que lhe leio aqui, apenas, mas no contraste disso com o que lhe li antes no blogue, sobretudo o que escreveu como comentário a um poste do Luís sobre Turpin.

E começo a desconfiar que o motivo da estranheza não está nas diferenças do que escreveu então e agora, mas, talvez, na minha fraca capacidade de entender à primeira ou na de entender apenas o que desejo entender (esquizofrenia?).
É que da primeira vez gostei muito do seu desfio no sentido da não recusa de material mais elaborado no que se refere a acontecimentos e factos e nas interpretações que deles podemos tirar, ainda que para isso não se recuse alguma subjectividade. Aqui, neste seu comentário, desgosto porque me parece animado do contrário do que disse antes, parecendo ofendido com a carta de um hipotético cidadão exterior à nossa experiência de África e às nossas consequentes emoções, apenas porque atribui tal carta ao próprio Alberto e "o pecado original de toda a falácia e desonestidade mental" de meter tudo no mesmo saco.

Conheço Alberto Branquinho há muitos anos e dele tenho uma opinião muito positiva do ponto de vista do carácter e da inteligência, sem ter ele que ser o meu eco (ou eu o dele) em termos estéticos-ideológicos.
Do ponto de vista da capacidade criativa nem direi nada porque o que dele conhecemos todos no blogue é suficiente para me dispensar puxa-saquismo.

Não te conheço a ti do mesmo modo, apenas porque a vida não nos fez cruzar senão neste lugar em que estamos agora e, mesmo assim, de curto convívio, pelo que nem sei como te falar do pouco saber que tenho sobre a teoria da criação literária, temendo fazer aqui o papel de parvo armado a pretenso intelectual, no diálogo com alguém que, afinal sabe disto muito mais que eu, ou, ao contrário, esmiuçando demais argumentos e explicações, que poderei parecer que falo com crianças de escola primária.

Uma coisa eu sei e parece-me de certeza certa, agarrada na leitura de textos de gente grande, sobretudo no teatro, Stanilavski e os seus conceitos de preparação do actor e da construção do personagem, diferentes e quase opostos aos de Brecht e do seu teatro épico que organiza o actor para se conservar ele próprio como contador da história ao mesmo tempo que se afasta de si para viver o personagem da história que conta.

Um escritor de verdade (e também os que gostariam de o ser) é uma espécie de actor prévio que cria (bem ou mal) outra gente num palco que é o livro, com seus tempos e ritmos, seus códigos, seus ais e suspiros, ainda que tal gente exista mesmo mas conhecida apenas pela parte de fora, pelo acto acidental, pelo que diz com ou sem convicção, pelos gestos quotidianos, mas escondido no dentro das suas crenças mais fundas, dos seus medos, das suas certezas, dos seus amores e raivas.

Dir-se-á, então, que o que o escritor cria não passa de exploração especulativa na alma de outro que até pode ser exactamente o oposto da criação.
Pois pode!
Mas é na qualidade da aproximação ao que poderia ser, nessa capacidade de leitura do possível humano, que se separam grandes de pequenos criadores e, ainda mais, a ficção do relatório.

Imaginemos!

O relatório dirá sumariamente que "no regresso da emboscada montada no dia tantos de tal, entre as tantas e as tantas horas, no atravessamento da linha de água tal, foram as nossas tropas fortemente atacadas em emboscada montada pelo IN, resultando um M, dois F com gravidade e três ligeiros".

Da verdadeira identidade de maiques e foxtrotes, o relatório não dá nem daria nenhum sinal, ainda que lá escarrapachasse nomes, datas e locais de nascimento.
E a verdadeira identidade de cada um deles está muito longe de se fechar naquele laconismo convencional, porque cada um deles nasceu, cresceu, fez-se homem e soldado, ou primeiro soldado e depois homem, em circunstâncias cheias de influências morais, culturais e sociais e, portanto, com aspirações, sonhos e pesadelos próprios que lhe marcam o ânimo e o moldam por dentro e também por fora, no abraço ou no estalo.

Será o escritor que assistiu ao seu respirar prolongado, às suas raivas, às suas pragas, e que depois o viu no último suspiro, que especulará sobre tudo isso e lhe dará a face humana que o relatório roubou como se fosse apenas mais uma GMC estoirada numa mina.

E ainda que a tal emboscada do relatório não tivesse acontecido e, menos ainda mortes e feridos, o escritor pode muito bem criar o ambiente que corresponda à possibilidade de ter acontecido, apenas, como ferramenta para pôr nas páginas e na alma de quem ler depois, uma verdade não menos verdadeira só porque inventada.
E o pior é o que está ainda por dizer sobre a relação entre o criador e a criação, isto é, os personagens vivos criados dentro das páginas e ao longo da trama,

Não vou aqui trazer Flaubert com a sua Madame Bovary, demasiado citados por dá cá aquela palha, numa repetição que por exagerada pode tornar-se mentira, do mesmo modo que mentira de tão repetida se torna verdade.
Contudo, creio bem que na literatura que ambiciona alguma qualidade, é quase impossível que cada pessoa, homem, mulher, polícia ou malfeitor, bom carácter ou péssima gente, não tenha uma marca dos muitos seres que habitam o criador, porque cada um de nós, escritor ou pedreiro, uno, é também e sempre múltiplo.

E chegado aqui é tempo de perguntar porque diabo perdi eu tanto tempo e palavras para dizer o que afinal teria sido tão simples de falar e que não é outra coisa senão, Carlos, porque não te puseste a ti próprio a hipótese de que o que atribuis (e bem) a Alberto Branquinho, não ser mais que a construção de um personagem que circula por dentro de tantos portugueses que de facto põe a questão que o manguelas amigo do Alberto acabou por colocar.

Eu conheço muitos que o fazem, por vezes mesmo com pouca delicadeza, ignorando que heróis fomos naquele tempo, de verdade, mesmo quando sem alardes guerreiros e suportando apenas a dureza daquela vida e as péssimas condições e modo de viver, com mais credo na boca do que pão.

Por fim, não te abespinhes por te ter escolhido como objecto deste escrito porque não o faço sob qualquer acrimónia pessoal, mas talvez mesmo mais para mim do que para ti, nesta pecha que tenho de me questionar a mim próprio, ainda que através de outros, nas dúvidas que sem complexos confesso que continuo a ter, talhando pelo meio de outras tantas certezas.
Além disso, digo-te que gostei de todos os comentários que li (o do camarigo de Monte Real está um mimo), incluindo aqueles com que não me identifico, com a excepção do teu que me pareceu azedo em excesso.

Abraços para ti que hei-de gostar de encontrar um dia destes e para todos como é vontade minha.
José Brás
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7130: (Ex)citações (101): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Vasco da Gama / José Brás)

(**) Vd. poste de 4 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7225: Contraponto (Alberto Branquinho) (17): Vão cuidar dos netos

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7243: (Ex)citações (106): Netos ou peluches, tudo por uma boa saúde mental! (António Matos)

6 comentários:

Unknown disse...

Amigo José Bras

Poderia, solicitar aos editores do Blog a gentileza de publicar o que escrevo a seguir, como um Post, baseado no “direito de resposta” mas como não considero qualquer gravidade no que escreveste, fico-me por um coments.

Tens (desconhecendo-me pessoalmente) toda a razão e diga-se fundamentada, na tua apreciação sobre o que escrevi com relação à “carta aberta” do Branquinho.

Embora dispense (com o devido respeito) a tua abordagem cultural/artistica, porque não era necessária para suportar a tua apreciação, devo-te dizer, ou melhor, creio que devo dizer a ti e a Todos os Amigos da Tabanca Grande, que:

A minha postura no blogue é a mesma da que quando estou a ler um Livro; nas margens escrevo notas a lápis , assinalando outros elementos, contradições ou chamando para outras fontes. (1)
Tal como não conheço os autores dos livros, também não conheço os autores dos Posts, portanto em geral na esmagadora maioria dos casos não estou sensível à pessoa do autor. Poderá ser lamentável, mas é assim. Gostaria em alguns casos de ser amigo, conhecê-los, partilhar ideias, conhecimentos.

Tens razão. È de facto uma contradição.

Mas originada, pelo que senti por todos aqueles que aqui escrevem no blog, esteja eu de acordo ou não, duvide ou não duvide, aprecie ou não, estavam a ser amesquinhados pelo conteúdo do texto, que eu não compreendi o objectivo e/ou o contexto.

Contudo escrevi no Post 7230 o seguinte:

-“Talvez porque veja a vida como uma coisa séria em demasia, tenho que reconhecer que fui apanhado por esta 'carta aberta' ao blog.
Mas..., desculpem o meu mau feitio, podia (ou pode?)trazer alguns amargos, principalmente por quem não passa pelos coments deste Post. Ou para quem só se limita a passar uma vista de olhos, pelo conteúdo sem se debruçar muito sobre os assuntos. Pode ficar com uma ideia errada.
Creio que a consideração que muitas pessoas nos lêem, se deve aplicar, também aqui neste tipo (que não tem mal, mas pode ter consequências temporárias) de 'apanhada'.”

Reafirmo que não tomo em absoluta consideração se é A ou B que escreve.Não poderei, porque não conheço, limito-me ao que transmite nos seus escritos.
Porque posso muito bem elogiar, apreciar hoje o trabalho de um amigo, e amanhã partir a louça por outro trabalho do mesmo expressando-lhe e confrontando argumentos.
Isto não é quebra de amizade é lealdade.

Pronto, creio que disse o suficiente mas, tens de concordar que foi uma “iniciativa” que não tem de fato gravidade, mas ainda assim para os camaradas que não se conhecem tanto, pode provocar alguma intempérie.

(1) ver o que escrevi à poucos minutos no Post 7240

Com um abraço e desejando ter conseguido esclarecer

Abraço para todos e para cada um

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Anónimo disse...

O Post 7240 é do Corceiro e não encontro o teu.
Não necessitas da minha "abordagem cultural/artistica, porque não era necessária para suportar a tua apreciação" e estou seguro (e disse-o, se te lembras)que é verdade.
Contudo, também é verdade que:
1.º - não serás tu o único a ler isto no blogue e, sabes, da quantidade de camaradas que no blogue se opõem a incursões destas, legitimamente preferindo os relatos simplificados e (ditos) reais dos acontecimentos:
2.º - é tão legítima a opinião e postura desses camaradas como a minha que não contraria essa mas acha que há mais realidade para além da superfície e por isso teimo até que alguém diga para parar.
3.º - como te disse, é também um pouco para mim próprio que, de vez em quando, escrevo, não apenas por razões do umbiguismo que terei e temos todos, mas para me forçar na pesquisa do "mim mesmo", um certo tipo de espelho onde posso ver-me noutras caras e contrastar.
Como disse, havemos de conversar sobre isto se houver oportunidade
Um abraço
José Brás

Unknown disse...

José Brás

Expliquei mal, será:

(1) ver o que escrevi como comentário à poucos minutos no Post 7240

De resto tudo bem,como diz o sr. comendador.

Um abração Carlos Filipe
ex ccs bcaç3872 Galomaro

Anónimo disse...

Desculpa.
Fui em quem leu mal.
Vou ler agora
Abraço
José Brás

Anónimo disse...

Camaradas,
Quero tornar público o meu agradecimento ao Zé Brás, pela magnifica dialética com que emprenhou esta prosa.
Ele expressa capacidades e estados de alma, de quem se aventura por manifestações de escrita, e induz-nos sobre as diferentes receptividades do produto acabado, fazendo-o como escritor, categoria a que se alcandorou por mérito, e que eu reconheço como elemento valorativo do blogue.
Este tsxto é, também, para ser lido devagar, não só pela beleza que contém, mas também pela revelação impícita de uma escala valorativa da nossa posição perante a escrita e a leitura. De facto, se muito pouca gente consegue descrever conceitos, retratos, desenrolar uma estória, ou sistematizar a história, para além do relatório de um escriturário, muitos outros, também não revelam capacidade de interpretar para além do sentido literal que, ainda pode assumir o ar fastidioso e impeditivo de chegar ao fim.
E poe-se a questão: será que alguns estarão a um tal nível que não se fazem entender? E se atingiram esse patamar, quer dizer que outros não podem lá chegar?
E, sendo assim, deverão abdicar das capacidades para, em ambiente mais terreno, não passarem do linguajar comum? E a criatividade pode ou não exceder a realidade, ou realidades, que lhe deram corpo?E eu, que não gosto ou não entendo um texto, poderei ajuizar definitivamente sobre o conteúdo? Posso concerteza, e posso manifestar a minha discordância, ou apreciação estética diferente. Já não digo definitivamente, porque seria soberba considerar-me dono da verdade absoluta. E, além disso, acredito na minha evolução. Como dizia o outro, só os burros não mudam de opinião.
Pois bem, a sociedade é uma amálgama de pessoas com diferentes interesses, capacidades e formas de comunicação, e é dessa amálgama que o blogue se constitui.
Quero agora agradecer ao Carlos Filipe algumas das suas intervenções, que manifestam interesse e preocupação pelo rigor, apesar de também lhe ter notado marcas de oscilações do estado de espírito, mas, sobretudo, por ter inspirado o Zé ao discernimento sobre o tema.
Abraços
JD

Anónimo disse...

Baudelaire ou Joris-Karl Huysmans? Dependerá das leituras;ou,...como"épater les bourgeois"! Um abraco.