segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7241: Notas de leitura (167): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
A saga está quase a findar.
Aprecie-se ou não as memórias de Luís Cabral, elas fazem parte dos códices essenciais para estudos futuros. Há certamente omissões, excessos de apreciação, episódios deliberadamente truncados, para trazer benefício à imagem da direcção do PAIGC. Mas é um relato que tem princípio, meio e fim. Resta saber se Luís Cabral deixou outras memórias referentes a este período ou subsequente à sua deposição.

Um abraço do
Mário


“Crónica da Libertação” (4), por Luís Cabral

Beja Santos

A consolidação do PAIGC ao nível interno e internacional

Em 1965, o PAIGC ganhara indiscutivelmente prestígio: vinham jornalistas visitas às chamadas zonas libertadas, foram reduzidas as dificuldades na fronteira senegalesa, a coordenação da acção das organizações nacionalistas das colónias portuguesas eram um facto. 

É nesse contexto que Amílcar Cabral se deslocou a Cuba onde foi participar na Conferência Tricontinental e onde se encontrou com Fidel Castro que trouxe novos apoios para a luta armada. A intervenção de Cabral em Havana, como muito observadores disseram, trouxe a sua consagração como teórico, ao introduzir elementos inovadores no que toca ao proletariado rural e à liderança revolucionária da pequena burguesia. Fidel anunciou vários apoios: preparar combatentes para o desembarque em Cabo Verde, enviar pessoal e material sanitário bem como instrutores para a República da Guiné e zonas libertadas.

Em 1966, estava Amílcar Cabral no Boé, foi descoberta a preparação de um criminoso atentado, tal como escreve Luís Cabral:

 “Os elementos descontentes tinham já aliciado alguns combatentes dos quais um atirador de bazuca seria o autor do miserável atentado quando o Secretário-Geral do partido se tivesse recolhido à sua barraca, para ali passar a noite. Denunciado o atentado por um dos camaradas contactados, o grupo foi preso. Os responsáveis da justiça agiram prontamente, o processo foi organizado, a tentativa de crime comprovada durante o julgamento. Os chefes da monstruosa conspiração foram condenados à pena capital e executados”. 

Porque havia descontentamento, porque era necessário liquidar Amílcar Cabral, o autor não adianta as razões, o que é lastimável se acaso por detrás da tentativa de atentado estavam motivos semelhantes aos de 20 de Janeiro de 1973. Não deixa de ser curioso verificar, segundo Luís Cabral, que Amílcar terá convocado uma reunião de dirigentes em que lera uma declaração segundo a qual se tornasse necessária a tomada de decisões extremas em relação a companheiros, repetindo-se nova tentativa de atentado, ele se retiraria completamente da luta.

Também nesse ano se tomou a importante decisão de incrementar a luta na frente Norte. É nessa altura que Luís Cabral é transferido para Ziguinchor, no sentido de se imprimir uma nova dinâmica na região senegalesa. Mais tarde, Amílcar visitou o Norte e fez um grande comício na tabanca de Djagali, na margem esquerda do rio Farim. No Norte, foram criadas sete regiões autónomas e um órgão de direcção e coordenação. Na frente Leste, a vida tornara-se insuportável em Madina do Boé e Beli. Domingos Ramos que fora transferido do Xitoli para ali acabou por morrer depois de ter sido gravemente ferido, no ataque a Madina do Boé.

Quanto à preparação para um desembarque em Cabo Verde, Amílcar Cabral recuou quanto à oportunidade de tal operação. Luís Cabral e Chico Mendes reformularam a vida política e militar da frente Norte, resolvendo dois problemas: fazer chegar mais material e atravessar zonas perto de aquartelamentos portugueses e fazer chegar esse mesmo material a todas as regiões. Se é verdade que tudo melhorou, continuaram as carências de infra-estruturas de acolhimento para os combatentes evacuados.

Por esse tempo, deu-se a visita de uma delegação militar da Organização da Unidade Africana que visitou a frente Norte. A delegação constatou que era necessário que as forças do PAIGC dispusessem de um armamento mais potente. Mas o facto que Luís Cabral destaca foi a oportunidade de os oficiais do Senegal e da Guiné Conacri terem forjado excelentes relações, isto quanto a diplomacia entre os dois países era de grande tensão. 

A mudança táctica das autoridades senegalesas quanto à passagem de homens e armas trouxe um grande reforço à luta. Luís Cabral regista outros acontecimentos que reputa como fundamentais para o crescimento do PAIGC: a propaganda, sobretudo a radiofónica, com a inauguração da Rádio Libertação; a criação de cursos de enfermagem; a melhoria do abastecimento, o bom funcionamento das escolas. Em 1967, as populações sobre o controlo do PAIGC passaram a receber armas.

As forças portuguesas estavam agora a receber helicópteros que semeavam o pânico quando largavam ou recolhiam as tropas especiais que atacavam as bases. A resposta foi a criação do Corpo de Comando e a utilização de melhores peças de artilharia. Segundo ele, as bazucas T-21 constituíram um importante elemento dissuasor.

Em 1968, em Fevereiro, um grupo de combatentes fez uma incursão durante a noite até Bissalanca de onde lançou fogo de morteiro sobre as instalações militares do aeroporto. Aumentou a pressão sobre os aquartelamentos portugueses, nomeadamente no Sul e no Leste. É neste contexto que Schultz termina a sua comissão e é substituído por Spínola. 

Luís Cabral enumera as diversas reuniões internacionais em que participou Cabral e o seu crescente prestígio. Quando, no início de 1969, desapareceu Madina do Boé, a pressão intensificou-se em todo o Gabu. As forças portuguesas concentravam-se, o PAIGC tinha que responder da mesma maneira. Mas Spínola não trazia só uma nova lógica para a manobra militar, pretendia captar as populações. A libertação de Rafael Barbosa que anunciou o seu arrependimento, foi um grande choque para o PAIGC. Ele escreve: 

“O antigo presidente do partido tinha sido, afinal, mobilizado pelos nossos inimigos e prontificara-se a trair o nosso povo e o PAIGC em troca da liberdade. Vários outros antigos militantes seguiram o mesmo caminho. Uns pondo-se abertamente ao serviço dos colonialistas, outros procurando anonimamente a sua segurança e bem-estar nas fileiras da Acção Nacional Popular… Os outros camaradas que participaram connosco na fundação do PAIGC tinham já sido libertados anteriormente. Eram eles Elisée Turpin e Júlio Almeida. Um e outro voltaram à sua vida, este como técnico agrícola, aquele dedicando-se a actividades comerciais e industriais de pequena envergadura, aproveitando-se das facilidades que a nova política do governador lhe facilitava”. 

Para Luís Cabral, Rafael Barbosa estava completamente desprestigiado e muito provavelmente estaria a denunciar militantes que actuavam em Bissau. Spínola procurou acções ofensivas, atacando quartéis do PAIGC dentro do Senegal. É neste contexto que chegou uma nova arma de grande potência, o GRAD-P. Os foguetões iam fazer a sua entrada na guerra de guerrilhas.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7237: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (4): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (2) 31 de Outubro

Vd. último poste da série de 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7232: Notas de leitura (166): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

: “Os elementos descontentes tinham já aliciado alguns combatentes dos quais um atirador de bazuca seria o autor do miserável atentado quando o Secretário-Geral do partido se tivesse recolhido à sua barraca, para ali passar a noite. Denunciado o atentado por um dos camaradas contactados, o grupo foi preso. Os responsáveis da justiça agiram prontamente, o processo foi organizado, a tentativa de crime comprovada durante o julgamento. Os chefes da monstruosa conspiração foram condenados à pena capital e executados".

Intrigante no historial do PAIGC, é o facto de com julgamentos e condenações algumas vezes referidos por antigos dirigentes, nunca mencionam nomes dos Juizes nem o nome e quantidade de gente executada.

Estas execuções referidas, que se deduz que foram repetidas mais que uma vez, e uma (im)provável e sempre anunciada intervenção dentro do arquipélago de Caboverde, que nunca se realizou, se nunca forem sinceramente explicadas ao povo da Guiné e ficarem sempre como uma incógnita, tarde vai haver confiança entre os comandantes tanto antigos como novos, do PAIGC.

Porque o que Luis retrata daquele tempo. é o que tem acontecido até agora:não há confiança entre as chefias, desde o princípio.

Cumprimentos para todos.