sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 – P7373: Estórias do Zé Teixeira (39): O medo do terrífico telegrama (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2010:

Caríssimos editores
Junto mais um pequeno artigo com uma história verdadeira

Abraço
Zé Teixeira




Estórias do Zé Teixeira (39)

O medo do terrífico telegrama

Naquele dia 8 de Fevereiro de 1970, uma mãe esquecida do quadragésimo oitavo aniversário, preparava o almoço para os três filhos. Um quarto estava ausente na Guiné. Este, tinha feito 23 anos dois dias antes.

Era comum juntar-se a família no dia oito e cantarem-se os parabéns em duplicado. Apenas se mudavam as velas no bolo que aquela mãe, analfabeta, cozinhava com todo o carinho.

Seriam umas onze da manhã, quando o carteiro bateu à porta. Trazia um pequeno papel rectangular dobrado em quatro e tinha como destinatário o nome daquela mulher.

- D. Rita assine aqui em como recebeu.

- Mas… eu não sei assinar - retorquiu aquela mãe, com o coração já em sobressalto.

Uma vizinha prontificou-se a assinar a rogo. O carteiro foi-se embora e aquela mãe tremia de medo, com a mensagem que supunha vir dentro do malfadado papel.

- Ai que o meu filho morreu. Foi o seu primeiro pensamento.

Largou os chinelos. Com o papel junto ao coração desata a correr descalça, rua acima até ao emprego da filha, a cerca de dois quilómetros.

Chega ao destino esbaforida e sem forças, as lágrimas correm-lhe pela face.

Pede para lhe chamarem a filha. Queria ser ela a primeira a saber da sorte do seu filho.

Ao ver a filha ao longe grita:

- Ai Lai que o teu irmão morreu!

- Morreu nada, minha mãe.

- Morreu, morreu. Chegou agora o telegrama.

A filha abre o terrífico papel.

PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO
Assina - Armanda

- Oh minha mãe, então você não se lembra que faz hoje anos?! É um telegrama da Armanda (a namorada do filho) a dar-lhe os parabéns.

- É isso que diz aí?

- É minha mãe. É o que está aqui escrito.

- GRAÇAS A DEUS.

Aquela mãe, era a minha mãe.

E eu dou Graças a Deus por poder contar, hoje, esta pequena, mas verdadeira história.

Zé Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7287: Ser solidário (95): Com a abertura do poço em Amindara, todos ficam a ganhar (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 14 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 – P4819: Estórias do Zé Teixeira (38): Mataram o futuro (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Zé Teixeira

O que as nossas Mães sofreram com a ausência e o temor que a guerra ceifasse a vida dos seus dilectos filhos…só elas como mães o viveram… ditosos os filhos que carinhosamente o lembram e reconhecem…

Na impossibilidade física, de poder acariciar com um beijo de ternura a face da minha mãe, que se despediu há três anos, envio, em sinal de respeito e admiração, um beijo para todas as Mães, que sofreram e acalentaram a esperança de um dia poderem abraçar os seus filhos ao regressar da guerra.

Um abraço para todos, boa saúde e bom fim-de-semana.

José Corceiro

Anónimo disse...

Caro Zé Teixeira,
Lembro-me muito bem (era pequena) do efeito causado aquando da chegada de um telegrama à aldeia. Normalmente eram más notícias.
O primeiro telegrama que eu recebi, vinha de Luanda, mas felizmente, era o meu tio a dar-me os parabéns pelo meu aniversário.
Com amizade
Filomena

Anónimo disse...

Camarigo Zé Teixeira

Naqueles tempos, as Mães, as Esposas, as Noivas...enfim os Entes Queridos que tinham "visto" partir para as Terras de Além Mar, onde havia uma Guerra que a maioria nem sabia muito bem explicar para que servia, sofriam diariamente com a ausência dos "seus" militares e sempre com aquela ansiedade do recebimento desse terrífico telegrama.

Felizes daquelas que não os receberam e tiveram a suprema alegria de voltar a apertar novamente nos seus braços esses Entes Queridos.

Abraço ao "fermero"

Jorge Picado

Juvenal Amado disse...

Uma pequena grande estória Zé.

O sofrimento das mães e mulheres de uma maneira geral foi intolerável, como bem demonstra este teu texto.
Felizmente cá estás para contares e quantas vezes essa estória não foi contada pela tua mãe, mas infelizmente nem todas tiveram essa sorte.

Um abraço

Juvenal Amado

Cesar Dias disse...

Bonita Estória Zé Teixeira

Também eu conheci uma Mãe que em 7-5-69 viu embarcar um filho nos TAMS para Bissau e no dia seguinte o outro filho no cais da Rocha para Luanda.
Foram tempos dificeis passados também pelas nossas Mães, mas voltámos, privilégio que infelizmente nem todas as Mães sentiram.
Para elas, as Mães dos ex-combatentes do Ultramar a minha homenagem.

Um abraço a todos
César Dias

Anónimo disse...

Caro Camarada e amigo Zé Teixeira.

A tua querida mãe, sofreu por ti em todo o tempo que estiveste na guerra da Guiné.

Qualquer sinal era sentimento de sobressalto e da dúvida do acontecimento.

A minha mãe era deficiente visual, muito sofreu pelo seu filho e pelos outros filhos não mais vistos.

Daqui vai uma singela homenagem a todas as mães, porque sofreram por nós e felizes as que tornaram a abraçar os seus filhos.


Com um forte Abraço deste Irmão Maioral
Arménio Estorninho

Luis Faria disse...

Zé Teixeira

Bonita lembrança de uma linda e intensa estória, com fim feliz.

Que dizer de Mãe e Pai que durante cerca de sete anos e meio consecutivos da sua vida tiveram em permanencia um filho na guerra do Ultramar,cruzando-se no Atlantico o que regressava com o que partia!A Esperança e a Fé foram a sua força.

Felizmente tambem com fim feliz,sem os malditos telegramas que infelizmente tantos e tantos Pais amputaram e destroçaram ...para nada!!

Bem hajam

Luis Faria

Anónimo disse...

Caro Zé Teixeira

Ninguém queria nesse tempo, receber um telegrama...
Parece que estou sentindo a aflição da sua mãe a subir a rua, para ter a confirmação do que pensava ser a notícia...
Felizmente era a felicitação!
Mas...quantas mães a receberam?
Quão grande foi a dor chorada por quem criou filhos,(quanta vez com tanta dificuldade)para depois os ver partir e não mais voltar, na flor da idade, quando os sonhos alimentavam a vida e se queria ir mais além!?
Felizes os que foram e voltaram bem.
Dou GRAÇAS por todos!

Um abraço para todos da

Felismina Costa

Anónimo disse...

Ola zé, nem todas as maes tiuveram a mesma sorte, nem todos os filhos e irmaos, pois comigo foi o contrario no dia seguinte ao meu casamento, 19Março1973, comigo o maldito telegrama era mesmo mau, o meu Irmao Arnaldo faleceu ,es,o em moçambique vitima de ataque ao unimog que o transportava para mais uma tarefa de guerra que eu em Abril,1970, tinha deixado na guine, e ele que nao esteve no meu casamento veio a falecer no dia seguinte...antonio rodrigues