Caros Camaradas e Amigos.
Nas Festas que se aproximam, junto aos nossos familiares e amigos num calor de profundos sentimentos feito, há sempre algum doloroso minuto em que, involuntariamente, o nosso pensamento voa em recordações de camaradas que, como nós partiram, mas... não voltaram.
Ao olhar a fotografia tirada por Mário Beja Santos (publicada no blogue) da sepultura de um Soldado de Portugal, veio à memória o poema: "O menino de sua Mãe".
Jovem de vinte anos, usado e abusado em guerras não suas, decididas pelos que, com criminosa soberba subestimaram os maremotos da História.
Quem seria este jovem? Mas, e principalmente... QUEM PODERIA TER VINDO A SER? Para nós, os que sobrevivendo voltámos... a família, os amigos, o futuro....a vida!
Este jovem camarada, nem morto teve possibilidade(económica?!) de voltar. Esquecido num miserável canto de tabanca perdida é uma ferida aberta que nos deverá fazer parar e meditar.
A tão repetida frase "Do Minho a Timor" que tanto nos enche de orgulhos vários, marca uma rota semeada em todo o seu tão longo percurso por campas de soldados e marinheiros de Portugal... algures...
A participação Nacional na primeira Guerra Mundial não foi aceite por todos os grupos políticos de então. As divisões foram longas e profundas. Mas um Soldado desconhecido caído na Flandres, e outro em África, estão hoje sepultados no Mosteiro da Batalha.
Quando haverá coragem política, (ou não será antes PATRIOTISMO sem mais adjectivos), para, no mesmo Mosteiro, lado a lado com os Camaradas de então, dar sepultura a um Soldado Desconhecido das últimas guerras de África?
Controversial para alguns vivos? Mas não será antes honrar os mortos do que se trata?
Um abraço amigo.
J.Belo
Kíruna/Dez.2010.
O Menino de Sua Mãe
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe
Fernando Pessoa
__________
Notas do Editor:
(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7465: (Ex)citações (121): A política dos povos é algo demasiadamente importante para ser entregue a militares (José Belo)
Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7362: Blogoterapia (168): Por que somos Camarigos, isto é, camaradas + amigos (Joaquim Mexia Alves)
6 comentários:
Muito bem pensado Sr. José BELO!
Porque razão não esta ser honrado o soldado desconhecido das últimas Guerras de África?
Tal como em todas as guerras, ele foi a carne para canhão, que a prepotência e a ignorância transformaram na vítima ignorada e só chorada pelos seus.
É mais que justa esta homenagem ao soldado desconhecido, que por terras Africanas, tombou ignorado, ao serviço dos interesses do seu País.
Bem-haja pela ideia que deve ser prontamente posta em prática.
Cumprimentos da
Felismina Costa
... e que tal um soldado desconhecido mas vivo, Sra D Felismina, simbolicamente pensado vivo, em vez dos chorados mortos que não existem senão num imaginário um tanto inútil e frequentemente acabrunhado?
SNogueira
Tendo em vista perguntas certas de geracöes em futuro distante sempre será melhor que um...supostamente envergonhado...nada!
Caro SNogueira
Tem muita razão.
Mas, saiba que para mim, todos os militares envolvidos numa guerra, involuntariamente, são pessoas que respeito e admiro, pelo seu sofrimento e cumprimento obrigatório, mas pudemos sempre honrá-los, enquanto os que tombam desconhecidos, serão sempre ignorados para além do seu círculo familiar, e , honrar um, é honrar todos os que dessa forma, deixam sobre terras desconhecidas, o seu sangue e os seus sonhos.
Falta é capacidade aos "Estados", para valorizarem os seus homens de que só se lembram, quando lhes são precisos.
Cumprimentos da
Felismina Costa
Caro e longínquo amigo José Belo
Este blog tem postagens a mais ou sou eu que tenho tempo a menos...
O assunto da Postagem 7503 merece(u)-me o maior interesse e bem gostaria de o ver concretizado no terreno. E porque não no Mosteiro da Batalha?
É um tema que há muito tempo me fascina.Tenho nos meus arquivos pessoais um texto que se adaptaria ao "Soldado Desconhecido".
Vou tentar incluí-lo seguidamente:
«UM EPISÓDIO DE GUERRA NA GUINÉ PORTUGUESA
Na parede de adobe, mal caiada, e onde esverdeadas manchas de humidade alastravam, o calendário marcava uma data: 24 de Dezembro.
Com a janela aberta, por onde apenas entrava, na abafada, sufocante noite tropical, uma suspeita de frescura, o jovem oficial miliciano, à luz de uma vela, escrevia:
«…Minha Querida Mãe, são 21 horas e 40…
À luz de uma vela, porque a chama do petromax é alvo demasiado visível para qualquer atirador especial terrorista, alcandorado , ao longe, no cimo de alguma árvore. Mas ouve-se um estampido. Podia bem ser a rolha de uma garrafa de champanhe a saltar…Ao estampido segue-se, porém o assobio quase imperceptível de uma bala que vai cravar-se na húmida parede de adobe, coisa de um metro acima da cabeça do oficial. Este apaga logo a vela. Depois, às apalpadelas , no escuro, procura o capacete e a pistola. Quando finalmente sai já o duelo – a tiros de espingarda e rajadas de metralhadora - está a travar-se entre os terroristas (ocultos na floresta) e os seus soldados abrigados por detrás da muralha – só aparentemente frágil – de velhos bidões de gasolina cheios de areia. Entre uns e outros , a cerca de arame farpado.
Está isolada a pequena força do destacamento de Caçadores.
O posto mais próximo é a muitos quilómetros de distância. Antes que amanheça, nenhum auxílio podem esperar estes homens. Mas será que os terroristas se aprestam para um ataque frontal? Horas iguais de uma noite abafada e húmida.
Aos soldados e ao oficial também, o que sobretudo os irrita é que aquele inoportuno tiroteio aconteça em noite de Natal, já com a mesa posta para a consoada.
(continua)
continuação do comentário anterior(JERO)
E havia broas, uma galinha assada, algumas garrafas de bom vinho.
A noite, entretanto, povoa-se de clarões – as armas de fogo que disparam incessantemente, assinalando cada segundo com um tiro. E as horas passam.
Mas o jovem oficial nem tempo tem para ver as horas no pequeno mostrador luminoso do seu relógio de pulso. E nem sequer pensa no perigo – ali entrincheirado e tendo pela frente um inimigo bem armado, que a palmos conhece o terreno e vê de noite, como o jaguar.
Agora só pensa naquela carta que teve de interromper:
«…são 21 horas e 40…».
Mas quando é que isso foi?
Era noite de Natal. Ele escreveu à luz discreta de uma vela de estearina, algures no mundo , nesse mundo onde não há clarões de armas de fogo, nem assobios de balas, ardiam círios nos altares, centenas de círios, milhares de círios, que não era preciso apagar à pressa no princípio de uma carta…
E agora? Sim. A meia noite deve estar próxima. Talvez o padre, algures, já esteja a encaminhar-se para o altar. Mas o jovem oficial não o sabe de certeza – e não pode ter um olhar para o mostrador luminoso do seu relógio de pulso. A pistola-metralhadora palpita-lhe nas mãos como se fosse dotada de vida própria e chispas de fogo, desdobradas em leque, correm, segundo a segundo, em direcção à negra cortina de arvoredo.
No mundo em que não há guerra já decerto agora o sacerdote acabou de celebrar a Missa do Galo.
Aqui, o fogo começa, enfim, a esmorecer.
Naturalmente, os terroristas principiam a retirar, para que os aviões ao amanhecer, se viessem bombardear a floresta, já não os encontrem…
Uma a uma, calam-se as armas automáticas do inimigo. Uma a uma, a intervalos certos, como se houvesse, algures no mato, a batuta de um maestro.
Mas será de facto a retirada? Não será antes o silêncio de mau agoiro que sempre antecede a gritaria de um assalto frontal?
Não. É efectivamente a retirada. E devagar, como se lhe custasse a acordar de um pesadelo, o jovem oficial recolhe ao seu quarto, risca um fósforo, acende a vela, atira par um canto o capacete, que está a queimar-lhe a testa, e suado, exausto, com os nervos num feixe, senta-se ,de novo, à mesa para escrever:
«… pois agora, minha querida mãe, são 3 horas e 20.Eu e os meus soldados tivemos uma noite de Natal muito divertida .Nem imagina… As broas que nos mandou souberam a pouco. E das garrafas mandadas pelo pai diga-lhe que não ficou nem uma gota».
21 horas e 40. 3 horas e 20.
Menos de seis horas na vida de um homem. Mas deitado numa padiola, com uma bala na cabeça, o Manuel, o seu impedido, é um corpo que rapidamente arrefece, como no verso de Fernando Pessoa.
_________
Agora, no hotel, em Bissau, sentado ao meu lado, almoça. Está no porto o barco que o vai levar de regresso a Lisboa. Trouxe este barco 800 homens. Vai partir com outros tantos, aproximadamente. Os que chegam passam, em camiões, a cantar. Também cantam os que partem. Entretanto, o jovem oficial diz-me, com simplicidade:
- À minha mãe é que nunca hei-de contar o que foi aquela noite…
Mas logo acrescentando:
- «Agora uns meses à boa vida e depois a África outra vez, como empregado em qualquer empresa de Angola ou de Moçambique: este veneno de África entrou-me para sempre no sangue».
__________
Artigo não assinado.
Publicado em «O ALCOA» em 8 de Fevereiro de 1964 (Ano XVII-Nº.876)
-----------------------------------
Caro José Belo
Para terminar sou eu peço um comentário a este texto.
De\Alcobaça com particular estima e apreço, JERO
Enviar um comentário