sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7861: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (71): Na Kontra Ka Kontra: 35.º episódio




1. Trigésimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


35º EPISÓDIO

O calor aperta e resolve tornar ao quartel. Não vai pela avenida principal, que a essa hora e a subir é penoso percorrê-la. Vai antes por um caminho totalmente arborizado e plano que conduz à mãe d’água de Bafata, zona muito aprazível onde até há mesas e bancos para piqueniques, local que é conhecido por Sintra de Bafata. Pelo caminho cruza-se com bandos de macacos-cão que estão sempre por ali à espera que se lhe dê qualquer coisa para comer. Da mãe d’água, onde também há um grande chafariz, até ao quartel só tem que subir um pequeno desnível, passando ao lado da casa do Comandante do Esquadrão. Não é raro neste local verem-se uns enormes “lagartos” com mais de um metro de comprimento mas perfeitamente inofensivos.

O Alferes Magalhães no caminho de Sintra de Bafata.

Chegado ao quartel vai deitar-se. O Comandante tinha-lhe atribuído três dias de descanso e portanto aproveita.

O nosso Alferes passa os três dias concedidos quase exclusivamente a descansar. Come dorme e sobretudo vai pensando o que fazer da sua vida. O dia-a-dia do quartel não o ajuda muito a resolver a situação.

Começa a pensar no fim da comissão que se aproxima e também nos seus familiares da metrópole. Pensa na namorada que lá deixou e com quem, nos últimos tempos não tem mantido correspondência. Talvez ela já tivesse arranjado outro namorado, ou talvez não… Mesmo assim resolve escrever-lhe. Se ela ainda lhe responder terá aí um grande apoio para continuar a aguentar o passar dos dias, das horas, dos minutos…

Com tempo de sobra e contrariamente ao que era habitual, escreve-lhe uma grande carta ocupando quatro aerogramas. Diz-lhe uma “pequena mentirinha”: Que esteve dois meses isolado numa tabanca no mato. Relata-lhe os “perigos” por que passou, repete, como suas, as palavras do Furriel de Madina Xaquili que demonstrou a intenção de levar para lá a esposa e aí viverem felizes para sempre. Refere-lhe que agora cada dia que passa se sente mais só, que ainda gosta muito dela, o que desta vez não é mentira.

Quando vai entregar a carta no SPM ainda hesita enviá-la, mas por fim, sem nada a perder, deixa-a cair na caixa do correio. Se houver resposta irá demorar alguns dias.

No primeiro fim de semana em que há cinema, não perde a oportunidade, acima de tudo para rever o seu amigo Ibraim. Está um calor sufocante mas porque há a ameaça de um tornado tem que levar no braço um impermeável da tropa, que vestido lhe chega aos pés, protegendo-o totalmente.

A rua onde se situa o Cinema.

Vai directo ao recinto, ao ar livre, onde se projecta o filme. Lá chegado vê logo o Ibraim. Está a vender os bilhetes e a controlar as entradas. Nem sequer repara no cartaz que anuncia o filme dessa noite. Deixa entrar as pessoas que estavam à porta e sem mais ninguém para o porteiro atender, dirige-se ao seu amigo:

- Ibraim, há tanto tempo que não nos vemos. Tenho muitas coisas para lhe contar. Estive dois meses numa tabanca…

O porteiro, sentado a uma pequena mesa onde tinha os bilhetes e o dinheiro das entradas, sem sequer levantar os olhos para o amigo, mantendo-se a olhar para o maço de bilhetes como se estivesse muito atarefado, responde:

- Senhor Alferes, agora tenho muito que fazer e não podemos conversar.

O Alferes ficou aparvalhado, sem saber o que dizer. Passava-se alguma coisa com o seu amigo. Antes de ir para Madina Xaquili davam-se como verdadeiros amigos e agora a reacção do Ibraim era perfeitamente incompreensível. Estendeu o dinheiro, recebeu o bilhete e entrou. Sentado à espera que o filme comece pensa em tudo o que podia ter provocado aquela reacção, não chegando a conclusão alguma. Decide que no fim do espectáculo irá tirar tudo a limpo, confrontando o amigo com a reacção que tinha tido.

Depois dos documentários, que desta vez foram sobre as Pousadas de Portugal, e começado o filme dessa noite é que o Alferes se apercebe que se trata do “Deserto Vermelho” de Antonioni. Óptimo filme, mas nestas circunstâncias talvez preferisse um tema menos pesado, quiçá uma “coboiada”.

O que é certo é que no intervalo metade da assistência já não voltou à sala. O filme era realmente difícil.

No fim o Alferes deixou sair todo o pessoal e só depois de dirigiu para a saída. O Ibraim não teria justificação para não falar com ele.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7854: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (70): Na Kontra Ka Kontra: 34.º episódio

1 comentário:

Carlos Silva disse...

Fernando Gouveia

Já agora que consegui descobrir, também com a tua ajuda, ao fundo vê-se o jardim em frente ao mercado árabe e à piscina onde está a estátua do 1º Ten Oliveira Musanty que foi Governador da Guine [1906 - 1909]
Com um abraço amigo
Carlos Silva