sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7862: (Ex)citações (133): Obrigadinho, Jorge, salvaste-me a vida!... (David Guimarães, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 2716, Xitole, 1970/72)


Guiné-Bissau > Zona Leste > Saltinho > 2001 > O David Guimarães junto à ponte sobre o Rio Corubal, no Saltinho, um dos sítios paradisíacos da Guiné, onde havia, durante a guerra colonial, um aquartelamento que ficava a 20 Km de Xitole na estrada Bambadinca-Aldeia Formosa (hoje, Quebo). Esta ponte, no nosso tempo (1969/71), chamava-se Craveiro Lopes, e estava interdita...


Foto:  © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados




Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > "No Saltinho, as bajudas continuam lindas, ontem, como hoje", escreveu o José Teixeira, quando lá voltou em Abril de 2005... (E já lá voltou depois mais vezes, e vai voltar em Abril de 2011, desta vez levando os filhos, um deles médico)...  Mas esta é (ou era, no nosso tempo) também uma região... palúdica, devido à existência de rios e charcos de água, acrescenta o nosso David Guimarães, que fez do Xitole, tabanca também ribeirinha do Corubal mas mais a norte, a sua tabanca da Guiné...


Muita malta não sabe que o David Guimarães, filho de de um herói da 1ª Guerra Mundial (!), também foi vítima... do paludismo, como quase todos nós, tanto ou mais do que dos encantos das bajudas fulas... Além de mestre da viola, foi um exímio manipulador de minas e armadilhas... Brincou muitas vezes com o fogo, mas felizmente para ele (e para nós, seus camarigos) teve a sorte do seu lado (o mesmo não se  pode dizer dos infelizes Quaresma, decapitado, e Leones, que ficou cego e sem dedos) (LG) (*) 


Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados




1. Mensagem do  David Guimarães (nosso camarigo, tabanqueiro da primeira hora, Maio de 2005), com comentários ao Poste P7857 (**):

Luis, e restantes camaradas... JORGE:

Esta entrada de Jorge Silva (**) , com seus escritos de memória (na tabanca), se a todos será de boa e interessante leitura,  a mim não me poderá passar ao lado naturalmente. Não tenho comentado muito as situações vividas por todos os companheiros e eu mesmo ali pelas Tabancas de Matosinhos e dos Melros. Enfim,  assinalo pelo menos a minha presença... Nque os escritos valem o que valem e será o ponto que mais nos poderá unir uns aos outros...

Um dia alguém disse (creio que o Mexia Alves)  que todos acabamos por ter uma terra na Guiné, que foi aquela onde estivemos aquartelados... Uns tiveram mais que uma,  caso dele e caso do Jorge...



E então vamos, eu dar os parabéns a um combatente que a esta distância descreve uma operação sem a ajuda de nenhum escrito, sem nenhum apontamento (ontem mesmo o Jorge me confirmou) e com aqueles pormenores, a nível de ser um dilagrama lançado da G3 do nosso camarada de que o Silva fala e que vive para aí em Vila de Azeitão, o Rei, (então,  sim,  é memória de elefante), a parar uma emboscada...

Ao Jorge, num comentário que fiz logo ao Silva,  só lhe corrigi isto: não foi uma avioneta mas sim um helicópetero quem nos guiou... Logo ele corrigiu em documento final,  sendo que eu,  então já documentado,  informei o nome da Operação [...

Nessa operação, que o Jorge tão bem conta, na cena do dilagrama estava eu junto do Rei, assim se chama o nosso ex-camarada e querido amigo... Trocava eu e ele cigarro e lume e eis que as costureirinhas começaram a funcionar... Imediatamente nos deitamos atrás de uma árvore bem fina para abrigar um e eu disparei três tiros de G3,  ainda hoje me pergunto porquê... A tensão era maior claro, e ele disse:

- Calma,  Guimarães ... - E lá foi o bendito engenho que os calou...

Nunca vi um documento tão bem escrito como este do Jorge quanto a precisões e detalhes do que nesse dia se passou, em que não conseguimos entrar em Satecuta porque eles não deixaram...  Que coisa esquisita,  tudo aos tiros e as granadas de morteiro deles a caírem bem entre a nossa companhia, foi o dia em que senti terra a cair por cima de mim, manga de cu pequenino mas, no fim,  disse eu no comentário ao texto dele:

- Que sorte tivemos,  Jorge!...


Nunca mais daríamos com o caminho de volta... e a operação acabou,  como ele disse claro... PONTE DOS FULAS,  XITOLE, com  todos a receber-nos eufóricos de alegria, uma companhia de indivíduos que tinham saído de camuflados muito limpos e regressavam todos sujos, cansados,  mas se a missão não tinha sido cumprida, pelos motivos mais que  evidentes de não termos entrado no aquartelamento/tabanca deles, vínhamos no entanto todos com os dedos a mexer... Aquela água dos bidões limpou-nos por fora e as bazucas  [, cerveja,] como Jorge diz e bem, limpou-nos por dentro e serviu de calmante...´


Assim tenho que evidentemente render homenagem ao Jorge que começou a escrever e bem - e já está a falar da minha terra da Guiné, XITOLE...

Estou á espera - ontem falámos nisso - , de como ele um dia me salvou a vida... Diz-me o Jorge, andávamos nós a desmontar as minas, na sobreposição...

- Olha aí entre os teus pés... - Eram as três hastes da espoleta de uma mina antipessoal m/966 que eu tinha montado no início da Comissão junto ao aquartelamento mas com capim...


Quando fomos levantar,  estávamos no tempo seco, levei o detector de minas para não correr riscos e só aí vi que o risco foi maior ainda: aquele local tinha sido antes uma antiga serração e o chão estava juncado de matéria metálica das serras... Lá se fora o préstimo do detector de minas pois apitava em todo o lado... Como eu tinha a certeza que tinha sido ali, pronto,  foi fácil detectá-la,  olhando só,  que eu quase a calcava... Assim se morre no fim da guerra, mas  ainda bem que o Jorge estava lá pela beira....


OBRIGADINHO, Jorge,  salvaste-me a vida ou partes do corpo...


Colando o Blogue que o Jorge fez dentro do mesmo espírito que o nosso - acho muito giro que seja aproveitado tudo o que ele conta da ponte dos Fulas (e daquele ponto de tiro que ele engendrou em cima do Fortim junto à ponte onde se meteu uma metralhadora - creio... e tantas peripécias que ele sabe tão bem quanto eu durante o tempo que lá andou - antes de ir para "empresário de festas" no BENG em Bissau - após a nossa vinda para a Metrópole, assim era na altura)...

Parabéns,  Jorge,  e agora escreve e vai ler o que digo e é do teu tempo - para ver se pomos ordem na nossa Companhia....

Um abraço,

David Guimarães
Furr Mil 173545368
At Art Minas e Armadilhas

CART 2716,
Xitole,  1970/1972


PS - Continua, Jorge Silva,  conta aquela vez em que eles apontaram pela primeira vez os canhões em recuo para o Xitole e parece que dispararam em rajada - e tu a tomares banho ... Contaste-me ontem... Não contes quando um dia andavam à minha procura e não me encontravam, e,  pronto,  estava eu e o Martins metidos na vala junto ao nosso abrigo, tínhamos bebido um pouquinho a mais só,  e aquele metro e meio de vala era muito alto e a cerveja era pesada para caramba...



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Notas de L.G.:


(*) Vd.  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série, poste de 10 Julho 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: Com minas e armadilhas, só te enganas um vez (David Guimarães)


(**) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7857: (Ex)citações (132): O glorioso dia zero, 25 de Março de 1972, o mais feliz da vida dos jovens da CART 2716, o da véspera do regresso a casa (Jorge Silva)

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