1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2011:
Grande amigo Carlos Vinhal
Primeiramente quero agradecer-te o trabalho que tiveste em colocar todo aquele meu trabalho, e da maneiracomo o fizeste, especialmente onde colocaste fotos, que de certo modo deu mais interesse aos leitores.
Terminado esse trabalho aqui te envio o "Papa Ratos" tal e qual como foi passado, e da forma como o descrevo, pois aconteceu tudo isso em Teixeira Pinto.
Albino silva
O PAPARRATOS
Memórias de Guerra
Livro de José Pardete Ferreira
1969 - 1971
Anualmente era realizado um Convívio a nível nacional, de ex-combatentes da Guiné que tinha como data o dia 5 de Outubro. Agora não sei se ainda se realiza, mas talvez sim pois a organização era excelente.
Foi exactamente num desses encontros que eu participei, pois julgava que iria encontrar camaradas do meu Batalhão, já para não falar de Companhias, mas, apenas encontrei o Couto, um camarada da CCaç 2368, Feras, no meio de centenas de outros camaradas que pela Guiné tinham passado como eu.
Estávamos nos na conversa, falando no passado, quando mais longe do local onde me encontrava, fixei um individuo com um livro na mão. De imediato disse ao Couto que conhecia o tal camarada, ao mesmo tempo em que ele não tirava os olhos de mim. Como ele, eu também tinha um livro na mão, o meu que é a História da Unidade do BCaç 2845.
O titulo que eu consegui ler no livro dele foi O Paparratos.
Aproximamos e eis as primeiras palavras dele:
- Eu conheço-te de algum lado.
De imediato a minha resposta foi, eu também o conheço pois estivemos juntos em Teixeira Pinto na Guiné, e fizemos serviços em conjunto na Enfermaria, mas não me recordo de seu nome nem da Companhia onde prestou serviço.
Alias era normal já que cada Companhia ou quase todas tinham Enfermeiro como por exemplo os Comandos Páras e até Fusas.
Na Enfermaria de Teixeira Pinto tínhamos o nosso médico, o Dr. Maymon Martins, embora houvesse o Dr. Maximino Vaz no Batalhão e ainda outro médico, capitão, que por lá apareceu para substituir o Dr. Maymon Martins, quando este ao fim de 12 meses foi de férias.
Foi nessa altura que se apresentou o tal camarada, ou seja o Dr. Pardete Ferreira, autor deste livro, que era médico na altura do CAOP que tinha ido para Teixeira Pinto, na altura comandado pelo Major Passos Ramos, assassinado em 20 de Abril de 1970 na estrada de Pelundo ao Jol juntamente com os Majores Pereira da Silva e Magalhães Osório que eu bem conhecia.
Como médico, o Dr. Pardete Ferreira só lá esteve quinze dias porque depois seguiu para Bissau onde viria a cumprir serviço no Hospital Militar.
Fizemos troca dos livros, ou seja, eu fiquei com o dele e ele com o meu. Perguntei-lhe se tinha dado o nome de Paparratos ao seu livro, baseado num acontecimento que eu conhecia passado em Teixeira Pinto.
Pardete Ferreira afirmou que o seu livro não tinha nada a ver com esse caso, mas que tinha ouvido falar dele. Se eu soubesse, para lhe contar. Assim fiz.
Em Teixeira Pinto, nessa altura, havia uma Secção de Comandos entre outra tropa como Páras e Fuzileiros, e todos alinhavam constantemente em saídas para o mato.
Num belo Domingo, na hora de almoço, entrou refeitório dentro o Capitão dos Comandos, e dirigindo-se aos seus rapazes, disse-lhes:
- Rapazes comam e depois descansem bem, pois amanhã às seis horas temos uma saída para o mato que vai ser muito arriscada. Irá durar bastante tempo, por isso descansem bem para que estejam todos operacionais.
Enquanto o Capitão dirigia estas palavras, um rato correndo chão foi-se esconder debaixo de um bidão que fazia de protecção, mas deixou parte do rabo de fora.
Ao ver o rato, um militar, na brincadeira, levantou-se e virou-se para o Capitão dizendo:
- Meu Capitão, se eu comer um rato vivo que está debaixo daquele bidão, dispensa-me de ir para o mato?
Resposta do Capitão:
- Se conseguires apanhar o rato vivo e o comeres, ficas dispensado de ir para o mato amanhã.
Dito isto, o militar que não quero nomear, dirigiu-se ao bidão, apanhou o tal rato pelo rabo e de imediato o meteu vivo na boca e o comeu, deixando toda a malta pasmada, incluindo o Capitão que o dispensou da pela atitude e coragem. A partir daquele momento ficou conhecido pelo Papa Ratos.
Esta foi a realidade que julguei ter dado origem ao livro que o Dr. Pardete Ferreira tinha escrito, mas só conheceu esta história agora que lha contei.
Lembro que o Dr. Pardete Ferreira é médico Cirurgião, em Lisboa, Especialista em Medicina Desportiva e autor de vários livros, alguns deles das campanhas em África.
Normalmente é uma pessoa bem humorada.
O Papa Ratos continuou nos Comandos e em Teixeira Pinto acabaria mesmo por falecer estupidamente.
Era excelente pessoa como camarada e era amigo de praticar o bem, fazendo os outros alegres mesmo quando ele próprio andava triste, e dar coragem aos outros quando ele mesmo não a tinha.
O único defeito, se é que era defeito, era de ser um pouco teimoso.
A sua caserna era junto do arame farpado, próximo da saída que havia para o cais de Teixeira Pinto, onde havia um posto de vigilância, guardado durante o dia por um elemento, juntando-se à noite mais dois para o reforço, como era normal naquele Quartel.
Era quase meia-noite, dois militares descansavam, porque um deles entraria dali a pouco e o outro às 3 horas. O que estava quase a deixar o serviço, um militar africano, ia estando atento a tudo para além do arame farpado, normalmente nada poderia dali vir, porque a escassos metros do arame de vedação havia o rio, local por onde era certo que ninguém tentaria atacar ou entrar no Quartel.
Naquele momento, o Papa Ratos aproximou-se do arame farpado para sair para o exterior, mesmo ao lado do africano que estava de serviço, que o que tentou impedir de sair mas, o Papa Ratos teimoso, não
obedeceu às ordens transmitidas e saiu na mesma.
Claro que a quem vinha de fora para dentro era fornecida um senha por quem estivesse de serviço que teria como resposta a contracenha.
Isso não aconteceu pois o Papa Ratos não ligou à ordem de paragem pelo militar de serviço. Com a sua teimosia, continuou a avançar para o arame, tendo o sentinela apenas um só tiro atingido o Papa Ratos na cabeça, que teve logo morte imediata.
Após isto, o africano fugiu e foi para junto da Prisão, e lá ficou durante o resto da noite enquanto por fora os Comandos o procuravam para ajuste de contas.
Manhã cedo todos correram para a Prisão, mas o africano já lá não estava.
Foi assim a história do Papa Ratos, camarada que tantas vezes atendi na Enfermaria e com quem bebia umas boas bazucas em paga da assistência que lhe prestava.
Nunca mais os Comandos em Teixeira Pinto tiveram bons olhos para os africanos. Não havia justificação para aquela morte, tanto mais que se conheciam, e o luar que fazia naquela noite era tal que até as águas do Mansoa se viam ao longe.
Foi assim o triste fim de um camarada que vendia saúde, e que quando já pensava em regressar teve este fim trágico e cobarde.
Esta é uma história real, pois eu mesmo a presenciei.
Albino Silva
Sold Maq 01100467
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8036: Blogpoesia (138): Ai Guiné, Guiné (10) (Albino Silva)
Vd. último poste da série de 4 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7894: Estórias avulsas (105): Encontro com o nosso Camarada Liberal Correia (Mário Fitas)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Camarigo Albino Silva.
O Comando Paparatos,não estava a precisar de apoio,pesquiátrico?
Como o camarada descreve o comportamento e a morte deste comando;acho que houve negligên-cia, dos comandante de secção e
pelotão,não subindo mais na hierarquia.A não acatação da ordem da sentinela, põe em risco a sua integridade assim como os restantes elementos entregues à sua
guarda.
Só houve um tiro?
Ouviram alguma vez a versão do
soldado Africano?
Cumprimentos.
Fernando Almeida
Meu caro camarada de armas.
Obrigado por se ter lembrado de algumas coisas, mas não de todas:
1 - Ainda bem que confirma a real existência do Paparratos.
2 - Fica-lhe bem não querer nomear o graduado em questão.
O que eu conto é a "morte do Paparratos e não outro episódio passado antes da minha chegada ao aquartelamento que, como bem descreve, ficava ao pé do arame farpado.
3 - Está enganado: estive em Teixeira Pinto ao mesmo tempo que o meu colega e amigo Prof. Maymone Martins e fui enviado à pressa para o CAOP porque o Dr. Bessa deu baixa ao Hospital.
4 - Nunca fui Capitão, limitei-me a ser Alferes enquanto estive na Guiné e em T. Pinto não setive só 15 dias... esqueceu-se dos outros até aos seis meses!!!
5 - Obrigado pelas boas referências que fez de mim.
6 - Li o seu livro.
Desejo-lhe boa saúde e trabalho... nestes tempos de crise são coisas importantes a desejar aos amigos.
J. Pardete Ferreira
Enviar um comentário