EPISÓDIOS DA GUERRA NA GUINÉ 1973/1974 (4)
NÃO CHEGUEM TARDE COMO EU
Volvidos alguns dias após a descrição dos factos que acabaram de ver, proponho-me a produzir mais este pequeno texto, sem o qual aquele trabalho ficaria incompleto.
Entre os dois episódios de guerra que vivi e que relatei naquele trabalho, abri um parêntese com um texto a que, estranhamente, dei o nome de “afinal os anjos acompanham-nos”.
Utilizei esta imagem para ilustrar o facto de eu referir que no meio daquele ambiente adverso de guerra, entre tiros e bombas, havia lugar a actos de solidariedade e generosidade humanas.
Soldado Orlando Augusto Pires
Referi-me concretamente aos gestos que o soldado Pires teve em relação a mim e ao nosso reencontro em Casal de Cambra, emocionando-me de tal modo que, estranhamente, não consegui conter as lágrimas.
Depois desse reencontro em Casal de Cambra, ali vivemos como vizinhos durante o ano de 1977 até meados do ano de 1978, altura em que fomos transferidos, a nosso pedido, aqui para o norte, tendo ele sido colocado no Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de Torre D. Chama, próximo de Mirandela, e eu no Posto Territorial de Vila do Conde, onde fiz toda a minha carreira, com uma pequena passagem pelos Carvalhos e por Matosinhos, até a minha reforma.
Absorvido pelas lides do dia-a-dia, que nem sempre é justificação, fui adiando sucessivamente o contacto com aquele meu amigo.
Provavelmente com ele aconteceu o mesmo, a ponto de nunca mais nos contactarmos até hoje.
Terminado este trabalho, já publicado no blog “Guerra na Guiné 63/74”, e já enviado a alguns camaradas de guerra, quis fazer uma surpresa, em especial, ao meu amigo soldado Pires de lho enviar, para lhe relembrar aquelas peripécias de guerra que vivemos em comum e, principalmente, aqueles gestos de solidariedade que ele teve comigo, restabelecendo assim novamente o contacto entre ambos.
A surpresa foi minha e foi dura!
Apercebi-me de quão tarde já era.
Um dos anjos que me acompanhava na terra, já me acompanha a partir de outro lado, seja de onde for e, provavelmente, aquando do ataque de choro a que acima me referi, seria ele a dizer-me através do meu subconsciente que já me acompanha a partir de outra dimensão.
Do outro lado do telefone, do Posto de Torre de D. Chama, foi-me dito friamente que o meu amigo Pires, de seu nome completo Orlando Augusto Pires, já não faz parte do número dos vivos. Faleceu há cerca de quatro anos!
Sobre o que senti naquele momento…, poupem-me descrevê-lo!
Continuei na minha investigação, fui encontrar a esposa, D. Clarinda, na aldeia de Martin, próximo de Bragança, onde ele vivia também.
Localizei um dos filhos, o Jorge, a criança loura de 4 ou 5 anos que nos encantava com as suas traquinices quando vivíamos em Casal de Cambra, hoje com idade próxima dos 40 anos, também soldado da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço no Posto de Izeda, Bragança.
O mínimo que posso fazer em homenagem àquele meu amigo, é enviar todo este trabalho aos familiares, bem sabendo da chaga que irá reabrir no coração daquela família com derramamento de mais lágrimas.
Mas queria com isso deixar o meu testemunho da simplicidade, generosidade, solidariedade, em suma, da nobreza de carácter daquele meu amigo, de quem os familiares muito se devem orgulhar de o terem tido como marido e como pai.
Este recorte da vida, lição de vida, o que lhe quiserem chamar que convosco quis partilhar, visa essencialmente sensibilizar-vos para que não deixem correr o tempo como eu, adiando ir ao encontro de um familiar, de um amigo. NÃO CHEGUEM TARDE COMO EU.
Um abraço para todos.
Manuel Sousa
Fevereiro de 2011
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8056: Episódios da Guerra na Guiné (Manuel Sousa) (3): Minas entre Jumbembem e Lamel
1 comentário:
Caro Manuel Sousa
A sua "História Alegre" que me comoveu pela alegria e agradecimento que demonstrou ao escrevê-la, transformou-se numa amarga desilusão ao constatar a morte do seu amigo Pires.
Realmente, adiamos muitas vezes, momentos que jamais voltarão a acontecer.
Breve, muito breve, é tempo que nos é concedido para permanecermos "aqui" (saibamos aproveitá-lo).
Sinto o seu desapontamento.
Um abraço fraterno
Felismina Costa
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