Carlos, Luís e restante camaradas da Tabanca Grande
No Natal é difícil deixar de pensar nos que passámos lá e nos amigos que fizemos para o resto das nossas vidas durante o tempo de tropa.
Nesses dias a troca de telefonemas e emails substituíram os cartões de Boas Festas, que se tinha o cuidado de enviar com antecedência pois os correios atrasavam por estas alturas com o excesso de correspondência.
É assim o progresso.
NATAL DIFERENTE OU UM CONTO DE NATAL
Na Lareira o lume crepita.
As labaredas dançam, transmitem calor, na pequena sala a minha filha brinca. Faz arremetidas contra a árvore de Natal onde as bolas, fios brilhante que ela já conseguiu enredar nos caracóis louros, são uma atracção para os seus olhos azuis e para as suas mãozitas.
Ela tinha sido o nosso menino Jesus no ano passado ao nascer em Dezembro. Agora com um ano e uns dias, é o nosso principal motivo de atenção. Também o foi nas compras e nas prendas, que ela já por diversas vezes tentou desfazer os respectivos embrulhos. Só de manhã irá ao sapatinho como é tradição na minha família.
Na cozinha a minha mulher ultima os acepipes próprios da data. A calma que se vive dentro de casa vive-se no exterior, pois toda a gente está recolhida e à pequena povoação ainda não tinham chegado os barulhos do progresso.
As noites são silenciosas, não há carros nem motorizadas, ouve-se por vezes um cão latir para saber se não está sozinho e logo outros lhe respondem. Depois volta o silêncio debaixo de um céu estrelado e frio ampliado pela escuridão que nos cerca.
A casa dos meus pais na vila de Alcobaça às Porta de Fora (1) era junto a uma das entradas da povoação, por onde havia um trânsito permanente de camionetas de carga, que após a recta reduziam de velocidade pela aproximação da curva, que havia após a habitação. Era pois um lugar bastante ruidoso.
Tive pois alguma dificuldade em me adaptar a este silêncio, mas ainda recordo os amanheceres quando se ouvia o lento chiar das rodas dos carros puxados por mansas vacas, que começam a suas fainas nos campos.
Anda Moreeena anda Mouriiisca - os nomes ditos de forma arrastada, era mais uma conversa do homem com os animais do que uma ordem. A luz do amanhecer começava a clarear e recortava no horizonte a serra dos Candeeiros, os pássaros matinais emprestam uma alegria ao nascer do dia e tudo isto era revigorante para quem se levantava para ir trabalhar.
Amanheceres gloriosos.
Mas voltando à noite de Natal, finalmente sentados à mesa comemos o bacalhau com couves. Os olhos já cobiçam as filhoses, as fatias douradas, o bolo-rei e também uma garrafa de um vinho especial que foi guardado para a ocasião.
O telefone toca e é o Caramba e a Rosa, o Ivo mais a Ângela, o Passos mais a Lena, o Silva e Glória, enfim alguns dos meus ex-camaradas de Galomaro e esposas. Trocamos votos de Boas Festas e muita Paz. Que bom seria tê-los ali, mas mesmo assim noite ficou mais rica.
Secretamente lembro os que perdi de vista e os que não regressaram.
Sete anos depois o passado volta, lembro os três Natais que passei na Guiné e dos camaradas que seria difícil enumerar, com os quais reparti uma garrafa de vinho do Porto depois também termos comido à vez o tradicional bacalhau, batatas e couves. Nunca esqueceremos esses Natais.
Ponho mais um cepo de oliveira no lume, a lareira ganha vida, pego na minha menino Jesus que está a cair de sono, depois de muito se ter revoltado contra ele e levou-a para o quarto.
Fico mais a minha mulher a saborear aquele momento mais um pouco, a seguir pomos os sapatos com as prendas simples junto à árvore, com que contamos surpreender um ao outro e já antevendo a alegria da nossa filha quando de manhã ali chegar, vamo-nos deitar finalmente.
Bom Natal a todos os camaradas e suas famílias.
Juvenal Amado
(1) - A Av. Bernardino Lopes de Oliveira era popularmente conhecida pelas Portas de Fora. Quem vinha das Caldas da Rainha entrava forçosamente em Alcobaça por essa rua.
TCoronel Castro e Lemos, Lopes, Estufa, Sacristão e Alf Mil Veigas
Médico, Narciso, Alf Mil Farinha, Sardeira, Catroga, Correia e André
2. Comentário de CV:
Uma das protagonistas deste Poste, a filha do nosso camarada Juvenal Amado, a Vanessa, faz hoje anos. Para a Vanessa e seus pais, os editores e a tertúlia desejam o melhor da vida.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu
Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9146: O meu Natal no mato (32): Uma Consoada diferente (José Carlos Gabriel)
5 comentários:
Meu Caro Juvenal!
Nem sempre as palavras são capazes de expressar o que sentimos mas, você deixa bem expressos os seus sentimentos, nessa data já um pouco longínqua.
A lembrança dos filhos crianças, do encantamento que em nós provocam, das lembranças que ficam das primeiras palavras, do primeiro sorriso...
Quero apenas enviar um abraço aos pais e à filha e desejar aos três, dias de ventura, recordando o passado e vivendo cada dia com alegria e paz.
Os meus parabéns, pelo que escreve, pelo que demonstra, pela filha que tem.
Um beijo da Felismina
Caro Juvenal,
É bom,sabe bem, revisitar esse passado de acalmia e de ambiente familiar,que me proporcionaste com o teu texto.
Obrigado
Abraço
manuelmaia
Caro Juvenal,é de uma beleza ímpar o teu texto,fizeste-me recuar uns anos,porque tambem já vivi tudo isso.Continua a deliciar-nos com as tuas historias.Bom Natal para ti e todos os teus
Abraçao Ze Manel Cancela
Camarigo Juvenal,
Gostei do texto e lembrei os dois Natais (1970/71) que passei onde tu passaste. Galomaro ficou a fazer parte da nossa vida.
À tua filha envio um beijo de parabéns, no dia do seu aniversário, com votos de muitas felicidades na companhia de quem lhe for mais querido.
António Tavares
Caro Juvenal
Foram efectivamente três os natais que passámos na Guiné. Três épocas de Natal, que nos retiraram das nossas famílias. Foi este o brinde que calhou ao nosso BCAÇ 3872. O primeiro foi passado no Cumeré, chegadinhos nesse dia 24 de Dezembro de 1971, depois o segundo já o passei no Dulombi, mas o terceiro,passei-o uma parte em Nova Lamego (onde o meu GC estava de intervenção)e depois da meia-noite no mato circundante daquela cidade, em emboscada nocturna.
A época de Natal foi sempre a altura que mais me custou na Guiné, muito em especial a primeira e a terceira (dado que pensávamos que a passaríamos já em família, pois o tempo da comissão tinha terminado em Outubro).
Se pudéssemos juntar todos os camaradas, as nossas famílias e envolvê-los no Natal que alegria seria.
Obrigado e parabéns pelo que escreveste, pela tua filha e pelo seu aniversário.
Um abraço.
Luís Dias
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