Viagem à volta das minhas memórias (49)
Bula – um acto de Coragem
Desde sempre tive e continuo a ter para mim que a situação e o momento podem fazer o herói, o covarde, o assassino.
Por Bula andávamos, tentando enganar o tempo da melhor forma que conseguíssemos, resguardando-nos o melhor possível numa tentativa de evitar ou pelo menos minimizar quaisquer atribulações que pudessem vir a inviabilizar um regresso a casa escorreito e em tempo.
Mobilizados para a guerra, no meu conceito sempre considerei negativo correrem-se riscos escusados, que pudessem colocar a integridade física ou psicológica em causa por meros momentos de usufruto mal pensados ou impensados, nascidos de muitas e diversas razões. Por inerência, não poucos riscos faziam já parte do nosso trabalho quotidiano.
É facto que não podíamos nem seria possível vivermos como reféns dum princípio desses, enclausurados numa redoma anti-risco a ver a vida passar do lado de fora. Claro que não, não era possível.
A vida devia seguir a sua normalidade - dentro da anormalidade imposta ou não - com os seus condimentos, os seus sabores, as suas cores… os seus dislates e extravasamentos… em salvaguarda da sanidade mental, mas com conta peso e medida, o que de todo nem sempre era conseguido.
Éramos à mesma animais sociais, só que parte integrante de um grupo a que foram acometidos deveres acrescidos diferentes que, bem ou mal, aceitamos e juramos cumprir o melhor possível, pese à custa de quaisquer sacrifícios. A Sociedade envolvente por quem devíamos zelar, isso esperava de nós.
Melhor ou pior tínhamos sido minimamente preparados física e psicologicamente para assumir esse papel do grupo e individual e colectivamente íamo-lo assimilando, mais ou menos natural e enraizadamente com maior ou menor intensidade, acabando por se tornar de certo modo instintivo em momentos de tensão e risco.
Na rua principal e frente à porta de armas em Bula, havia a bomba de combustível onde os veículos militares se abasteciam sempre que necessário. Um Unimog 404 (grande) estava a ser abastecido por um condutor da “Força”.
Empunhando a mangueira de abastecimento, se a memória me não falha, o Lamas abastecia o veículo com a gasolina e a dada altura - julgou-se que devido a uma descarga de electricidade estática - chamas irrompem do bocal da mangueira. O liquido vertido incendiado pega fogo ao pneu traseiro da viatura e avivando-se começa a alastrar sem controlo, por ela e pelo chão.
Apercebendo-se da iminência de um possível desastre causado pela eventual explosão dos depósitos, o pessoal nas proximidades não está de modas e dá às pernas para local mais “confortável”.
O Lamas, ao perceber o perigo iminente e alheando-se duma provável explosão, monta-se na viatura e arranca o mais velozmente possível com o rodado a arder, conseguindo fazer com que a deslocação do ar não permitisse que o fogo alastrasse ao depósito e acabasse por se extinguir.
Tudo bem quando acaba bem!
Os meus olhos tinham presenciado um momento que a meu ver fez um Herói, ainda que e ao que sei, sem o reconhecimento merecido, como tantos! Ficou isso sim, na memória de muitos o acto de altruísmo e coragem que aqui descrevo o mais fielmente que recordo, lamentando verdadeiramente a não certeza do nome do actor.
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9354: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (48): Bula - estória de uma foto
2 comentários:
Bem vindo, bom amigo.Parece uma ironia eu dizer isto, pois eu próprio ando mais arredado dos postes e as Estórias do Jorge Fontinha, ainda estão no tinteiro.Desconhecia esse acontecimento, teria acontecido quando estive em Mato Dingal ou ainda antes quando em Teixeira Pinto.Mas o que ressalta aqui, é sem dúvida, o descernimento do Lamas, de quem me lembro muito bém e se me não engano, entegrava a coluna que foi de Bula a João Landim, conduzindo a viatura que transportava a equipa do Chaves.Comigo, o motorista, cujo acident provocou a morte do Celestino, era o Carqueijó.Nunca ninguém refere, nos seus postes, os motoristas.Foram personagens importantes, em todas as vezes que nos transportavam, os primeiros a serem abatidos ou a passarem sobre minas, como quem se desvia de ovos para não os partir.Bem hajas por lembrar também esses bravos condutores da 2791 Força, brilhantemente comandados Pelo Furriel Miliciano Mealha.Ao Lamas, ao Meadlha e a todos os «rodinhas», o meu abraço
Para ti, aquele abraço de sempre.
JORGE FONTINHA
Amigo Vinhal
Obrigado pela correcção.Referia-me realmente ao 404.
Um abraço
Luis Faria
Amigo Fontinha
Vá lá...um esforçozito...!
Abra
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