1. Em mensagem do dia 16 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos a descrição de um episódio estranho, vivido na primeira pessoa.
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (47)
UM BRIGADEIRO DE VISITA A BAJOCUNDA
Corria a manhã a meu favor: estava deitado entregue a uma qualquer leitura, interrompida aqui ou ali por algum voo do pensamento, que atravessava fronteiras e punha-me em contacto com as recordações da metrópole.
Este "dolce fare nienta" foi subitamente interrompido com uma aproximação em corrida, e uma frase gritada para alguém: procura tu aí na enfermaria. Entrou então um militar que se me dirigiu com a voz estorvada pelo cansaço:
- Furriel, chegou agora um Brigadeiro, e não está cá ninguém para o receber.
Surpreendido ainda retorqui:
- E que tenho eu a ver com isso?
- É que não está cá ninguém, nem o nosso Capitão, nem os alferes, nem os sargentos.
Percebi imediatamente que tinha que ir fazer as honras da casa, e receber sua excelência. Estranhei, no entanto, o insólito da situação: naquele momento eu seria o Comandante de Bajocunda. Vesti uma roupinha, tão depressa quanto a tropa me treinara, e saí preparado para enfrentar as responsabilidades. Dobrei uma vedação e dirigi-me para a pista. O Brigadeiro, mais dois ou três militares da Companhia que o acompanhavam, já vinha por alturas da casa do Silva. Dei uns passos, perfilei-me e bati a palada da ordem, ao que o Oficial-General me correspondeu com um cumprimento militar, um aperto de mão e um sorriso de bons dias. A primeira etapa estava ganha, a seguir era aguentar-lhe a simpatia.
Com mais ou menos lata adiantei, pelo que entretanto ouvira, que o nosso Capitão saíra para Pirada, que se assim o entendesse mandaria uma mensagem para o COT-1, e que estava ao dispor para lhe mostrar e dar alguma informação sobre o que entendesse, na medida em que também eu estava surpreendido naquela condição. O senhor Brigadeiro mostrou-se muito cordial, e a seu pedido, dirigi-me para o celeiro, que funcionava como Depósito de Géneros. Entrámos, e com o choque das diferenças de luz, levámos um bocadinho a localizar a origem do som da viola e de um cantar engasgadote. Logo reconheci a figura do Calvo, Vaguemestre, que indiferente, ensaiava com a viola notas e canções da beatlemania.
O meu camarada deu um pinote quando se apercebeu da ilustre visita. Saiu de cima do saco de batatas, perfilou-se, e bateu a correspondente pala, mas com a cabeça descoberta. O Brigadeiro mostrava-se muito bem disposto com a atrapalhação. Protegidos da torreira do sol, e confortados pela frescura do ambiente, ficámos ali uns momentos numa conversa informal e irrelevante.
Quando saímos do Depósito de Géneros, perguntei ao senhor Brigadiero se pretendia visitar a área de aquartelamento, as instalações, o que me ocorreu, mas não manifestou essa vontade. Também não me recordo se lhe ofereci de beber. Sei que o acompanhei à pista, e que abalou, sempre afável e bem disposto.
Do Capitão, alferes e sargentos, não me lembro que notícias vim a ter, se as tive. Porém, o meu Capitão Trapinhos era um maricas de primeira, não saía do aquartelamento, senão por motivo imperativo. O mesmo se diga em relação aos sargentos. E terem saído todos em conjunto, cheira-me a que tiveram conhecimento prévio da chegada do Brigadeiro, e que não quiseram correr riscos sobre a acção de enriquecimento ilegítimo que ali desenvolviam. Já os alferes teriam as suas actividades de mato, e um deles teria que acompanhar e escoltar a ladroagem. Naquele dia, se eu estava no aquartelamento, os outros alinhavam. Por isso, tenho que focar a atenção naqueles três. Também ninguém me perguntou sobre a motivação do visitante.
Vem isto a propósito de competências, e incompetências. Não posso fazer ideia da razão para a visita do Brigadeiro. Para mais desacompanhado e a viajar de DO. Se viesse em missão de ordem estritamente militar, nada mais natural que fazer-se acompanhar, pelo menos, do Major Comandante do COT-1 de Pirada. Se viesse em missão de inspecção, deveria ser acompanhado de um ou mais oficiais de Intendência. Também não houve notícias que resultassem daquela visita.
Mas posso fazer deduções: se a viajem foi anunciada, os responsáveis bajocundenses fugiram ao visitante; se receberam aviso prévio, também fugiram ao visitante. É (era) absolutamente inimaginável, que o Capitão e os sargentos saíssem em conjunto. Também não estou seguro que fossem a Pirada. Podem ter ficado em Tabassai por um qualquer pretexto. E, nesse caso, porquê aquela seita em conjunto? E, também não estou seguro que tivessem saído em conjunto - embora tenha sido essa a informação - mas, nesse caso, algum sargento ficou acoitado em algum abrigo, e concominado com o pessoal.
Por último, resta-me acusar de incompetência o simpático Brigadeiro: de facto, fosse qual fosse o motivo da deslocação, devia ter tirado ilações sobre a óbvia ausência daqueles profissionais da tropa. Se algum estivesse de férias, ou doentes, ou em trânsito em Bissau, enfim, mas nada disso acontecia, e eu próprio manifestei a minha surpresa pela situação. Ora, um aquartelamento não pode ficar entregue a um Furriel Miliciano que não tinha conhecimento dessa condição. Assim, também o senhor Brigadeiro terá mostrado incompetência, se não soube, ou não quii, tirar as devidas conclusões, e proceder como a situação aconselhava.
Como diz o povo: não há maior cegueira, como a de não querer ver.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)
Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Caro camarada J.Dinis
Representas-te muito bem o teu aquartelamento..devias ser graduado em capitão.
Se o teu capitão e restantes graduados se piraram para Pirada..Sexa devia indagar porquê..seria que estava interessado..humm..duvido.
Um alfa bravo
C.Martins
Parafraseando um dito célebre, a História repete-se duas vezes: primeiro como tragédia, e depois como farsa... Criámos, na Guiné, uma, duas, três, muitas Bajocundas...Um abração. Luís
"Mas posso fazer deduções: se a viajem foi anunciada, os responsáveis bajocundenses fugiram ao visitante; se receberam aviso prévio, também fugiram ao visitante. É (era) absolutamente inimaginável, que o Capitão e os sargentos saíssem em conjunto. Também não estou seguro que fossem a Pirada. Podem ter ficado em Tabassai por um qualquer pretexto. E, nesse caso, porquê aquela seita em conjunto? E, também não estou seguro que tivessem saído em conjunto - embora tenha sido essa a informação - mas, nesse caso, algum sargento ficou acoitado em algum abrigo, e concominado com o pessoal."
Deduzes... Não estás seguro de coisa nenhuma...Porquê a posta?!
V. Carvalho
Caro Zé,
Provávelmente os oficiais de Bajocunda tinham-lhe um amor à moda de Ponte de Lima...
abraço
manuelmaia
Amigo José Dinis
O improviso era e continua a ser uma nossa arte maior!E não é que nos saíamos e continuamos a sair bem?!
Como ao que parece morrias de amores pelo teu "Trapinhos " e companhia "sorja",não será de pensar que te tentaram armar uma "molhada"???
Abraço
Luis Faria
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