1. Mensagem do nosso camarada Nelson Henriques Cerveira*, ex-Fur Mil
Enf.º da CCS/BCAV 8320/73, Bissorã e Bissau, 1974, com data de 23 de
Maio de 2012:
Boa tarde caro amigo Carlos Vinhal
Fico muito honrado com o teu convite para pertencer ao blogue, podes
contar comigo para falar sobre a curta experiência que tive na antiga
província da Guiné.
Quanto às perguntas que me fazes apenas te posso esclarecer um pouco
no que diz respeito à da nossa desmobilização.
Quanto ao facto de o Comandante nomeado ter sido um Major e depois ter assumido o Comando
um Capitão, nada mais te posso acrescentar.
No que diz respeito à nossa desmobilização posso-te narrar os fatos
acontecidos no dia 24 de Abril.
Nesse dia, a meio da tarde, aterrou numa parada do Campo Militar de
Santa Margarida, em frente aos alojamentos dos oficiais e sargentos do
nosso Batalhão e em frente, do outro lado da avenida principal do
campo, ao quartel General do Campo Militar, um helicóptero, saindo do
mesmo dois oficiais generais e dois oficiais superiores, que se
dirigiram ao quartel general do acampamento, onde permaneceram em
conversação com o comandante do Campo Militar por cerca de hora e
meia, tendo-se depois retirado no mesmo helicóptero.
Cerca das 8 horas
e 30 minutos, desse mesmo dia, foi-nos dado ordem para formar todo o Batalhão na parada do Quartel-General. Aí foi-nos informado pelo
comandante do campo militar que tínhamos sido desmobilizados, tínhamos
de entregar até à meia-noite todo o armamento que nos tinha sido
distribuído e que íamos de licença no dia seguinte, tendo que nos
apresentar no dia 1 de Maio para recebermos novas instruções.
Posso ainda informar que no dia seguinte, 25 de Abril, tivemos
conhecimento que um Batalhão que estava a tirar IAO e estava
mobilizado para Angola, teve o seu regresso da semana de campo adiado
do dia 24 de Abril para dois dias mais tarde.
Como deves saber, saíram do Campo Militar de Santa Margarida duas
companhias de caçadores comandadas respectivamente pelo Capitão
Miliciano Luís Pessoa e pelo Tenente Andersen, que depois de terem
forçado o oficial de dia do aquartelamento de Cavalaria, aliás sem
qualquer oposição da parte deste, a entregar-lhes as chaves de várias Chaimites, foram ocupar as antenas do Rádio Clube Português em Porto Salvo e defender a
ponte Marechal Carmona em Vila Franca de Xira.
Tudo leva a crer que a intenção era desarmar e imobilizar os Batalhões
do campo militar mobilizados para as ex-províncias ultramarinas, para
assim impedir a sua participação no golpe militar de 25 de Abril.
Agora deixo a pergunta no ar. Será que havia conhecimento por parte de
algumas instâncias superiores do golpe militar de 25 de Abril?
Com um abraço e saudações me despeço.
P.S. Não tenho nenhuma fotografia minha do tempo da Guiné, como já
referi anteriormente perdi toda a documentação incluindo fotografias
da minha estadia nessa província ultramarina.
Assim que me for
possível envio-te uma fotografia minha atual.
Saudações amigas.
Nelson Cerveira
2. Comentário de CV:
Caro camarada Nelson Cerveira, sê, mesmo sem as fotos da praxe, bem vindo à Tabanca Grande, Caserna virtual onde se podem alojar os ex-combatentes da Guiné que querem deixar aqui registadas as suas memórias, tanto em texto como em fotos.
Como aconteceu com outros camaradas, tiveste a boa sorte de ir para a Guiné com a missão de fazer o espólio de uma guerra há muitos anos mantida à custa de muitas mortes e muito sangue derramado pela juventude de Portugal e dos naturais de um lado e do outro da barricada.
Gostávamos que sem hesitações nos contasses como tu e os teus camaradas viveram aqueles tempos coincidentes com o fim do império. A descrição da retirada de Bissau e embarque das derradeiras forças portuguesas estacionadas na Guiné é de facto clarificadora do ambiente que se viveu naquela hora de tensão. Ainda bem que correu tudo bem.
Tens aqui audiência garantida, pelo que podes começar desde já a escrever.
Feita a tua apresentação, resta-me deixar-te um abraço em nome da tertúlia e dos editores. A partir de hoje contas com mais 561 amigos e camaradas que compõem a tertúlia deste Blogue.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9962: O Nosso Livro de Visitas (137): Nelson Cerveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAV 8320/73 (Bissorã e Bissau, 1974)
Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9981: Tabanca Grande (342): Manuel Joaquim Santos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2366/BCAÇ 2845 (Jolmete, 1968/70)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Camarada Nelson Cerveira,
Um abraço de boas-vindas de um "bissoranense" dos primeiros anos de guerra para outro que fechou as portas dessa guerra.
Permite-me uma observação alheia a isto tudo e até mesmo a ti. Escreves: "Quanto ao "fato de o comandante nomeado ter sido um major ..." e "fatos acontecidos no dia 24 de abril". Não me vou referir aos "fatos" de cariz militar mas lá que foram estranhos foram. Refiro-me, sim, à grafia da palavra "facto" segundo o novo Acordo Ortográfico (AO) que sigo sem qualquer preconceito mas já estou a ver os seus adversários a salivar de gozo com estes "fatos".
Segundo este AO desaparecem, na generalidade, as consoantes mudas ( ex. afe(c)to, ba(p)tismo, exa(c)to ) mas continuam as que se pronunciam ( ex. facto, opção, adepto ). Ficam com dupla grafia algumas onde a sua pronúncia oscila de pessoa para pessoa ( ex. infecto/infeto, espectador/espetador ). Além disso existem palavras que portugueses e brasileiros não pronunciam da mesma maneira, por isso têm formas diferentes que conservam em cada um dos países, Portugal e Brasil (ex, facto/fato, indemnizar/indenizar, adoção/adopção ).
Desculpa, Nelson, esta minha intromissão num tema que deve estar alheio a este blogue (não é local para ser discutido) mas ... olha, são vícios que não perdi depois de 40 anos de ensino. E, ao mesmo tempo, uma forma de me expressar contra os que, conhecendo muito bem o AO, usam formas menos próprias de informação enganosa para tentarem arranjar adeptos. Discussão, sim, mas usando métodos e informação correta.
Um abraço
Caro Manuel Joaquim
A tua profissão foi, é, das mais nobres que se pode exercer, professor. Mesmo depois na aposentação, professor é professor, como médico é médico. Muito obrigado pela tua informação relativa ao facto. De facto, confesso que sou muito crítico ao NAO porque acho que se foi muito além da chamada evolução natural da grafia. Estamos perante uma capitulação ao brasileirês. Sabes de longe melhor do que eu que os americanos e os ingleses mantêm sensíveis diferenças na sua forma de falar e escrever o inglês e não é por isso que o mundo não se entende.
Enquanto editor respeito aqueles que aderiram ao NAO, mas por vezes fico na dúvida se quem escreve de determinada maneira o faz ao abrigo do NAO ou porque não sabe mais.
Carlos Vinhal
Co-Editor
Meu caro Carlos Vinhal
Não vou aqui discutir os prós e os contras do Acordo Ortográfico. A minha intervenção acima só se deveu ao «facto» de alguns adversários do AO serem useiros e vezeiros no uso pré-concebido da palavra «fato» no lugar de «facto», induzindo as pessoas em erro quanto à ortografia segundo o novo AO, o que imagino ter sido o que aconteceu ao camarada Nelson Cerveira.
Quanto à bondade ou perversidade do Acordo, não me meto na discussão aqui por "todas as razões e mais algumas". A minha atitude "professoral" (coitado de mim, quem sou eu para ...)) só teve a ver com o método e o modo como alguns usam a comunicação para atacarem o AO e não com as razões que apresentam para a ele se oporem. Lá as terão e devem lutar por elas.
E muito obrigado pelas tuas palavras sobre os professores. Era bom era que se pudessem aplicar a todos eles mas, infelizmente, tal não é possível (ainda).
Um grande abraço, amigo.
Meus caros,
Acidentalmente, quando procurava os brasões, do BCAV8320/73, vim dar com este blogue, e aproveito para confirmar as declarações do Nelson Cerveira, na sua narrativa, sobre o 25 de Abril de 74 e o nosso embarque no Niassa, de regresso. Tenho algumas fotos desse embarque das lanchas para o navio, que se me ensinarem como se faz terei todo o gosto em enviar. Eu era operador rádio telegrafista na 2ª companhia que esteve estacionada no Olossato. Saudações para todos e disponham sempre.
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