Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos > Meados de 1965 > Embarque, no T/T Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné. Ao fundo, o tabuleiro da ponte sobre o Rio Tejo ainda em construção. Compare-se, entretanto, esta foto com as cenas dos dois primeiros minutos do vídeo feito pelo Henrique Cardoso com a história da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69): embarque do pessoal, no N/M Ana Mafalda, em 14 de janeiro de 1968.
Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.
O meu país megalítico > Penafiel > Oldrões - Galegos > 25 de agosto de 2012 > Castro de Monte Mozinho > Povoação castreja, da época da romanização ( Sec. I d.C. e seguintes). A acrópole (o "terreiro do povo") ao centro, assinalado a tracejado.
Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.
Uma estranha maneira de dizer adeus
por Luís Graça (*)
uma estranha maneira de dizer adeus.
um estranho povo este
que vem ajoelhar-se
no cais da partida,
não em oração,
para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão
de Estado.
a tentacular força centrífuga
que de há séculos
te leva os filhos teus,
para fora.
paridos e expulsos da mátria,
para longe.
bem para longe.
muito para lá do mar.
uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos em fundo preto.
todas as despedidas são breves e tristes,
uma estranha maneira de dizer adeus.
um estranho povo este
que vem ajoelhar-se
no cais da partida,
não em oração,
para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão
de Estado.
a tentacular força centrífuga
que de há séculos
te leva os filhos teus,
para fora.
paridos e expulsos da mátria,
para longe.
bem para longe.
muito para lá do mar.
uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos em fundo preto.
todas as despedidas são breves e tristes,
o momento
em que o niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
nunca se poderia eternizar:
diz o capitão de mar e guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a vate 69,
fotocine,
cinéfilo,
garboso,
charmoso,
pronto para a acção.
há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
depois do bugio,
no mar alto português,
anuncia o capitão,
pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo,
pequeno-burguês.
vai na segunda comissão,
o oficial provinciano,
que nunca ouviu falar
da batalha de dien bien phu
nem da operação tridente
na ilha do como.
e o filme da noite é
uma comédia,
do cinema mudo,
acrescenta o nosso primeiro,
a servir de porteiro
do cais do sodré.
um gajo bacano,
num país de bacanos,
de soldados rasos,
primeiros cabos,
furriéis
e segundos sargentos.
uma tragicomédia,
escreverás tu
no teu diário
a que mais tarde chamarás
o diário de um tuga.
cadé os oficiais ?
cadé a elite da nação ?
os filhos-família,
os primeiros,
a fina flor,
os morgados,
os primogénitos,
os fidalgos,
a casta,
a raça,
o sangue azul,
o pedigree,
os melhores de todos nós ?
morreram todos
em alcácer quibir.
lisboa revista
em filme de oito milímetros.
a preto e branco.
ou a preto e negro.
uma só nação,
valente mas mortal,
ironiza alguém.
o niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir parar à sucata.
inglória a sucata da história
que eu perdi
aos dezoitos anos,
quando dei o meu nome para as sortes.
estranha palavra esta,
das sortes,
que rima com desnortes
e com mortes.
a despedida breve e triste
do niassa
e ainda mais triste é o filme.
sem som.
sem palavras desnecessárias.
a preto e branco
que alguém terá feito
no cais das sete partidas.
talvez a noiva
que ia vestida de branco
com xaile preto.
a ponte de salazar,
ainda reluzente.
o velho abutre
que alisa as suas penas,
dirás tu, sophia, pitonisa,
quase morto mas não enterrado.
os últimos golfinhos do tejo.
a última fragata de vela erguida,
a última caravela,
o último império.
o cristo rei em terra que outrora foi de infiéis,
o terreiro que continua do paço, não do povo,
lisboa e o seu casario,
branco.
o filme a preto e branco.
um gato preto à janela.
lisboa e as suas ruínas
pré-pombalinas.
o poço dos mouros.
o poço dos negros.
o lundum.
a umbigada.
a procissão
da nossa senhora da saúde.
a santa inquisição,
zelando pela pureza do sangue,
o cemitério dos prazeres
ao alto,
com os seus altos ciprestes negros.
os mastros dos navios
da carreira colonial.
o império por um fio.
a vida que se recapitula,
de fio a pavio,
no último comboio da noite
que veio do campo militar
de santa margarida.
ah!, e as santas das nossas mães
que ficaram em casa,
a acender a vela à santa das santas.
um fado que tu ouviste no bairro alto
e que já não era batido
nem dançado
nem cantado.
um fado apenas gemido.
ordeiros os soldados
como os cordeiros da matança da páscoa.
anhos, dizem no norte.
alinhados
no cais da rocha conde de óbidos,
como os eléctricos amarelos
que vão para a cruz quebrada.
empilhados.
aboletados.
requisitados
às mães para servir
a pátria,
o pai-patrão
que lhe cobra o dízimo
em sangue, suor e lágrimas.
mudos, agrilhoados, os básicos,
uns refractários,
outros desertores,
cozinheiros,
magarefes,
corneteiros,
apontadores de dilagrama,
municiadores de metralhadora,
atiradores,
sacristães,
coveiros.
coitadas das mães que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho.
subindo o portaló,
o cadafalso,
com um nó na garganta
bem disfarçado.
os lenços brancos
como em fátima no 13 de maio.
algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos não são
de exaltação
patriótica.
o hino
canta-se com voz rachada,
em disco riscado
por senhoras
do movimento nacional feminino.
a mesma atitude
admirável
de patética resignação
perante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem e podem,
diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que este é um povo religioso
porque tem o sentido do pathos.
leia-se: da tragédia inelutável.
senhora minha, protege-me,
das minas e armadilhas,
dos fornilhos
e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas,
dos estillaços
e dos tiros de costureirinha.
protege-me do IN,
dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas
e das formigas carnívoras.
mas também do cone de fogo
das nossas bazucas e canhões sem recuo.
das piçadas e dos louvores dos meus comandantes.
e sobretudo de mim mesmo,
soldado malgré moi
soldado à força
arrebanhado, arregimentado, aboletado,
requisitado, condenado, ameaçado,
camuflado.
livra-me, senhora minha,
da fome, da peste e da guerra,
e do inimigo da minha terra
que me manda para tão longe.
lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
puseste o combate do possível
na tua agenda
de expedicionário da guiné.
puseste o fio com a medalha de ouro
ao peito.
que te deu a namorada,
coitada.
não, não uso a cruz.
o crucifixo.
não vou para a guerra santa,
senhor capelão.
alguém há-de rezar por mim
para que eu volte
são e salvo.
do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico
13151468
e o picotado ao meio.
para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos
tudo isto face ao risco,
bem real e concreto,
de eu morrer longe.
bem longe
da pátria,
para lá do mar,
em terra que não me viu nascer.
descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio.
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos
e engraxará as tuas botas.
se não morreres de morte súbita.
levarei comigo a pedra-chave
que me liga ao além.
uma chapa de zinco,
picotada ao meio.
outrora era de xisto ou de grés,
entre o meu antepassado
calcolítico,
castrejo,
romanizado.
camaradas
(que colegas é só nas putas):
se eu morrer, que me enterrem,
numa anta do meu país megalítico. (**)
luís graça
lisboa-bissau / niassa, 24-30 de maio de 1969 /
revisto e aumentado: lisboa, março de 2007 / abril 2021
em que o niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
nunca se poderia eternizar:
diz o capitão de mar e guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a vate 69,
fotocine,
cinéfilo,
garboso,
charmoso,
pronto para a acção.
há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
depois do bugio,
no mar alto português,
anuncia o capitão,
pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo,
pequeno-burguês.
vai na segunda comissão,
o oficial provinciano,
que nunca ouviu falar
da batalha de dien bien phu
nem da operação tridente
na ilha do como.
e o filme da noite é
uma comédia,
do cinema mudo,
acrescenta o nosso primeiro,
a servir de porteiro
do cais do sodré.
um gajo bacano,
num país de bacanos,
de soldados rasos,
primeiros cabos,
furriéis
e segundos sargentos.
uma tragicomédia,
escreverás tu
no teu diário
a que mais tarde chamarás
o diário de um tuga.
cadé os oficiais ?
cadé a elite da nação ?
os filhos-família,
os primeiros,
a fina flor,
os morgados,
os primogénitos,
os fidalgos,
a casta,
a raça,
o sangue azul,
o pedigree,
os melhores de todos nós ?
morreram todos
em alcácer quibir.
lisboa revista
em filme de oito milímetros.
a preto e branco.
ou a preto e negro.
uma só nação,
valente mas mortal,
ironiza alguém.
o niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir parar à sucata.
inglória a sucata da história
que eu perdi
aos dezoitos anos,
quando dei o meu nome para as sortes.
estranha palavra esta,
das sortes,
que rima com desnortes
e com mortes.
a despedida breve e triste
do niassa
e ainda mais triste é o filme.
sem som.
sem palavras desnecessárias.
a preto e branco
que alguém terá feito
no cais das sete partidas.
talvez a noiva
que ia vestida de branco
com xaile preto.
a ponte de salazar,
ainda reluzente.
o velho abutre
que alisa as suas penas,
dirás tu, sophia, pitonisa,
quase morto mas não enterrado.
os últimos golfinhos do tejo.
a última fragata de vela erguida,
a última caravela,
o último império.
o cristo rei em terra que outrora foi de infiéis,
o terreiro que continua do paço, não do povo,
lisboa e o seu casario,
branco.
o filme a preto e branco.
um gato preto à janela.
lisboa e as suas ruínas
pré-pombalinas.
o poço dos mouros.
o poço dos negros.
o lundum.
a umbigada.
a procissão
da nossa senhora da saúde.
a santa inquisição,
zelando pela pureza do sangue,
o cemitério dos prazeres
ao alto,
com os seus altos ciprestes negros.
os mastros dos navios
da carreira colonial.
o império por um fio.
a vida que se recapitula,
de fio a pavio,
no último comboio da noite
que veio do campo militar
de santa margarida.
ah!, e as santas das nossas mães
que ficaram em casa,
a acender a vela à santa das santas.
um fado que tu ouviste no bairro alto
e que já não era batido
nem dançado
nem cantado.
um fado apenas gemido.
ordeiros os soldados
como os cordeiros da matança da páscoa.
anhos, dizem no norte.
alinhados
no cais da rocha conde de óbidos,
como os eléctricos amarelos
que vão para a cruz quebrada.
empilhados.
aboletados.
requisitados
às mães para servir
a pátria,
o pai-patrão
que lhe cobra o dízimo
em sangue, suor e lágrimas.
mudos, agrilhoados, os básicos,
uns refractários,
outros desertores,
cozinheiros,
magarefes,
corneteiros,
apontadores de dilagrama,
municiadores de metralhadora,
atiradores,
sacristães,
coveiros.
coitadas das mães que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho.
subindo o portaló,
o cadafalso,
com um nó na garganta
bem disfarçado.
os lenços brancos
como em fátima no 13 de maio.
algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos não são
de exaltação
patriótica.
o hino
canta-se com voz rachada,
em disco riscado
por senhoras
do movimento nacional feminino.
a mesma atitude
admirável
de patética resignação
perante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem e podem,
diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que este é um povo religioso
porque tem o sentido do pathos.
leia-se: da tragédia inelutável.
senhora minha, protege-me,
das minas e armadilhas,
dos fornilhos
e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas,
dos estillaços
e dos tiros de costureirinha.
protege-me do IN,
dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas
e das formigas carnívoras.
mas também do cone de fogo
das nossas bazucas e canhões sem recuo.
das piçadas e dos louvores dos meus comandantes.
e sobretudo de mim mesmo,
soldado malgré moi
soldado à força
arrebanhado, arregimentado, aboletado,
requisitado, condenado, ameaçado,
camuflado.
livra-me, senhora minha,
da fome, da peste e da guerra,
e do inimigo da minha terra
que me manda para tão longe.
lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
puseste o combate do possível
na tua agenda
de expedicionário da guiné.
puseste o fio com a medalha de ouro
ao peito.
que te deu a namorada,
coitada.
não, não uso a cruz.
o crucifixo.
não vou para a guerra santa,
senhor capelão.
alguém há-de rezar por mim
para que eu volte
são e salvo.
do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico
13151468
e o picotado ao meio.
para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos
tudo isto face ao risco,
bem real e concreto,
de eu morrer longe.
bem longe
da pátria,
para lá do mar,
em terra que não me viu nascer.
descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio.
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos
e engraxará as tuas botas.
se não morreres de morte súbita.
levarei comigo a pedra-chave
que me liga ao além.
uma chapa de zinco,
picotada ao meio.
outrora era de xisto ou de grés,
entre o meu antepassado
calcolítico,
castrejo,
romanizado.
camaradas
(que colegas é só nas putas):
se eu morrer, que me enterrem,
numa anta do meu país megalítico. (**)
luís graça
lisboa-bissau / niassa, 24-30 de maio de 1969 /
revisto e aumentado: lisboa, março de 2007 / abril 2021
________________
Notas do editor:
(*) Uma primeira versão foi publicada na I Série do blogue > 16 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXL: o meu país megalítico
(**) Último poste da série > 24 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10297: Blogpoesia (197): O trabalho, por António Peres, poeta popular (José Colaço)
12 comentários:
Todas estas palavras estão no tempo. Podiam ser pronunciadas em 1964, 1967, 1969 ou qualquer data, antes do fim da guerra, que todos nós vivemos. Parabéns. Eu já fiz o "printing", e vou guardá-las. Tony Borie.
"um estranha maneira de dizer adeus.
um estranho povo este
que vem ajoelhar-se
no cais da partida".
Grande retrato Luís!
Retrato do povo, retrato da construção arqueológica, e retrato da construçao da réplica americana da Ponde de São Francisco.
Dá muito trabalho manter um blog.
Muito obrigado Luís Graça por este texto/poema. Ele figurará seguramente no meu espólio sobre a guerra em que participei. Nele está a imagem de um momento, borbulham as emoções, explode a revolta e a como que estranha (mas não é, é bem real) resignação dos seus figurantes.
Acresce a imagem do Cais da Rocha (18/08/1965). Temporal e visualmente podia ser uma imagem da minha saída, no mesmo barco e do mesmo local, poucos dias antes (31/07/1965). Por isso olho a foto e, emocionado, imagino (vejo!)
nela muitas mães, entre elas a minha, debruçadas sobre a balaustrada do edifício, aos gritos e de braços lançados para o "Niassa" em
"uma despedida breve, / com lágrimas salgadas no rosto / e lenços brancos em fundo preto".
Meu caro Luís, como acima diz o A. Rosinha, grande retrato!
Mais uma coisa:
"ordeiros os soldados como cordeiros / ..." "mudos, agrilhoados, os básicos / ..."
Leio isto e salta-me logo à memória a minha descida ao porão do navio para falar com alguém que me disseram estar doente. Foi-me muito mais difícil lá entrar do que entrar no curral dos porcos para lhes encher o comedouro, coisa que muita vez tinha feito. Levei como que um murro no estômago que, ao 1º impacto olfativo, me fez vómitos a muito custo reprimidos por respeito a quem lá "vivia". Nunca poderia imaginar tal! Oficiais e sargentos com ar condicionado nos alojamentos e os nossos praças naquela situação! Nem um sistema, mesmo que primário, de arejamento! Deixava-se à "física" natural do planeta o serviço: ar aquecido sobe,ar frio desce!
Miserável sociedade castrense que assim tratava os seus soldados!
Meu caro Luís, um grande e afetuoso abraço
p.s.: Julgo que, no texto, "diligrama" e "cadafaldo" queriam ser "dilagrama" e "cadafalso"
Eu chamaria a este poema Odisseia do soldado português.
Nada nos foi poupado e tudo nos exigido naqueles anos, mas talvez tenha sido a falta de respeito como seres humanos o que mais nos custou.
Sabe quem viajou no fundo dos porões envolto numa humidade e cheiro nausebundo, sem se despir e sem tirar as botas, quem tentou tomar o pequeno almoço onde ele era servido à proa do Niassa e quem teve que trazer camaradas às costas para o convés, desviando-se o vomitado que cobria o chão, as escadas e enchia os lavatórios.
Os sargentos e oficiais alguns desceram lá abaixo, mas nós os praças, não tinhamos outro sítio para dormir durante os dias da viagem.
Quando chegamos à Madeira ficamos trancados no navio e fecharam a portinhola que vendia cerveja e batatas fritas, cigarros aos soldados no dia anterior.Eramos animais irracionais?
Dirão alguns bem instalados :-paciência é a vida...
Este poema trouxe muito mais ao de cima do que era de esperar.
Olá Luís Graça,
Li e depois fui ao contrário de baixo para cima.
Quando escreveste isto? Na partida, lá ou cá? Penso ser intemporal e não interessa a data.
Li os comentários e mais amarrotado fiquei. Que porca de vida e eu recordo ter cheirado o porão e ter-me sentido revoltado, eu lembro-me dos ais, dos gritos ,dos lamentos da abalada dos ultimos guerreiros do luso império. Eu lembro e agora escrevo amarrotado, revoltado,lixado e pergunto-me tanto e nada consigo ouvir em resposta. Estás ainda confuso, estás ainda em lamento, em revolta e sentes o que eu e outros sentem. Leio os comentários e já não o poema mas, como o Manel diz é texto de álbum, de ficar para esfregar em cara de héroi valente sem tiros ouvir.
BNem eu me calo, assim tenho andado mas de quando em vez solto grito ou lamento e paro...envio ou delete e recordo aquele cais da rocha de conde de óbidos e arrepio-me ainda hoje...eu galões e camuflado virgens a ordenar a ordem na desordem e lá tudo se aquietou e mar dentro fomos. Horas depois a terra a perder-se e uma voz ao lado a dizer: veremos o nosso Algarve???? e eu a dizer imperativo: sim! Muitos meses depois com ele ás costas, sangue a escorrer dizia-lhe: vá porra que temos que voltar ao algarve ..fod...AB T
Sim, Torcato, é um poema intemporal. È pura emoção, não quis ser panfletário... Estamos lá todos, os de "abriram" a guerra, e os que "fecharam" a guerra, mesmo que estes tenham partido e regressado de avião... Comecei a escrevê-lo no Niassa, na viagem de que nos levou a Bissau (24-30 de maio de 1969)...
Obrigado pelos comentários "doridos" mas "solidários"... Aconselho-te a rever o vídeo do teu camarada Henrique Cardoso... Revê uma a uma as imagens da vossa partida, a da CART 2339... Chiça, é como se fosse hoje!...
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/07/guine-6374-p10124-videos-da-guerra-9.html
Obrigado, Manuel Joaquim- tens olho de lince, já emendei, trata-se de facto de "dilagrama" e de "cadafalso"...
.... E, no entanto, para muito de nós foi "o cruzeiro das nossas vidas"... Nunca mais voltámos a andar num navio transatlântico... LG
De ANTOLOGIA...Devia figurar nos manuais escolares!
Abraço.
J.Cabral
Está na altura de reler alguns dos postes que publicámos na série "O Cruzeiro das nossas vidas".... Só este material dava para fazer uma antologia... Recorde-se aqui os 13 primeiros postes:
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
11 de Janeiro de 2007> Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
3 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)
13 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2044: O cruzeiro das nossas vidas (8): Porto de Lisboa, Cais de Alcântara (Luís Graça)
15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2050: Cruzeiro das nossas vidas (9): Do Funchal para Bissau no Ana Mafalda (Carlos Vinhal)
13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)
21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3338: O cruzeiro das nossas vidas (11): Viagem para a Guiné em época de Carnaval (Jorge Picado)
23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3345: O cruzeiro das nossas vidas (12): Uíge, 5 de Fevereiro de 1969, destino Guiné (António Varela)
15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3894: O cruzeiro das nossas vidas (13): S.O.S., fogo a bordo do Carvalho Araújo (Luís F. Moreira)
Mais postes da série "O cruzeiro das nossas vidas"... Julgo que são os três últimos:
10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)
24 de janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5703: O cruzeiro das nossas vidas (15): O dia do embarque (José Marques Ferreira)
29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6274: O cruzeiro das nossas vidas (16): Uma viagem calma no Carvalho Araújo a caminho da Guiné (António Tavares)
No meu poste de 13 de dezembro de 2006 (já lá vão una aninhos!) > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça), escrevi o seguinte (a propósito da minha/nossa viagem no Niassa, de 24-30 de maio de 1969:
(...) A bordo comia-se e bebia-se o dia todo para matar o tédio, para suportar a angústia da viagem, para fazer lastro e sobretudo para não dar parte de fraco e andar a chamar pelo Gregório pelos cantos do navio. Não há gajas, queixava-se o Videira, 2º sargento do quadro, que à última hora ainda desafiou a malta para ir fazer a despedida ao Bairro Alto.
Era a velha tradição das rotas da navegação colonial. Havia os viciados da lerpa e do king. Como haveria depois, no teatro de operações da Guiné (no TO da Guiné, para utilizar a nossa linguagem de código), os viciados do álcool, da comida, do sexo, da caça, da guerra, da escrita diária de aerogramas às madrinhas de guerra…
Os oficiais superiores, esses, divertiam-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escrevia cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imaginava já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades.
As praças, essas, vomitavam nos porões. Um riacho de água verde-escura escorria pelo convés. Todo o navio fedia, tresandava a merda, e no meio do cheiro nauseabundo havia um desgraçado de um desertor que ia a ferros, qual gado levado para feira. Diziam que fora apanhado pela Pide na fronteira de Vilar Formoso, e recambiado para Santa Margarida, ainda a tempo de apanhar o comboio-fantasma até ao Cais da Rocha Conde de Óbidos onde o esperava o Niassa.
- De mal o menos, ia como básico, para a Guiné. Melhor do que ser atirador ou ficar a apodrecer no presídio militar…- pensava eu.
O pobre do desertor era alvo da chacota da maralha: alguém insinuara que o gajo era maricas e que não teve tomates para ir para a guerra… Era um velho truque da velha instituição militar que das tripas sabia fazer coração, que da merda fazia nervos de aço... Só para manter o moral das tropas, só para aguentar a guerra…
- Até quando ? - interrogava-me eu, em silêncio.
- Lembrem-se, seus cabrões, que vocês são a fina flor da nação! – massacrava-nos o tenente Esteves, na parada em Tavira, no Curso de Sargentos Milicianos… (...)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2006/11/guin-6374-p1266-estrias-de-bissau-2-do.html
Eu também Juvenal, também intitularia este descritivo poema do Luís, como a "Odisseia do Soldado Português"...
E quem melhor para a descrever, que quem a viveu?
Parabéns aos sobreviventes, aos que ficaram para contar do sofrimento,do medo e da coragem...dos que foram e dos que ficaram esperando o regresso, sempre incerto.
Parabéns Luís, pela descrição, que mau grado o tema, gostei de ler, pela clareza e amplitude, pela abrangência que nos coloca presentes no contexto da situação descrita. Perfeitamente visionada!
Um abraço fraterno
Felismina
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