domingo, 20 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12179: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (23): Duas referências ao Marcelino da Mata



Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata,  mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado.

Na foto de baixo, os dois leem uma das passagens do livro.  O Marcelino da Mata, ten cor ref, é um participante frequente dos convívios da Tabanca da Linha. Para quem deve ter 75 ou 76 anos de idade (, segundo os dados que, em 2006, nos deu a sua filha Irene Rodrigues da Mata, então a estudar em Londres), achei-o em boa forma.

Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

1. No seu Diário da Guiné, o António Graça de Abreu tem duas referências ao Marcelino da Mata... Aqui ficam os respetivos excertos, com a devida cortesia... (Os negritos e os realces a amarelo são da nossa responsabilidade) (LG):


Mansoa, 23 de Maio de 1973


O jornal Primeiro de Janeiro traz uma notícia sobre o 1º. Congresso de Combatentes do Ultramar[1], a acontecer no Porto entre 1 e 3 de Junho. No texto dos promotores do Congresso, lêem-se as seguintes palavras:

Patrioticamente, com total independência e acima de qualquer ideologia ou facções políticas, um grupo de Combatentes do Ultramar decidiu organizar o 1º. Congresso de Combatentes do Ultramar que se realizará no Porto de 1 a 3 de Junho de 1973, com um sentimento, uma mística, uma determinação.

Um sentimento: Reencontro e confraternização de camaradas.

Uma mística: O orgulho da honrosa missão cumprida e a consciência do seu valor na história nacional.

Uma determinação: Unidos na retaguarda contra tudo o que ameaça a integridade de Portugal.

Estiveste no Ultramar em missão de Soberania? Simples soldado ou oficial, missão cumprida? VEM.


O Pancada, capitão miliciano e meu companheiro de armas neste CAOP 1, traz-me um aerograma escrito à máquina, tipo circular clandestina, que recebeu de Bissau dos seus colegas do curso de capitães milicianos, José Manuel Barroso e Ferreira. Transcrevo integralmente o conteúdo da carta:

Aqui te enviamos o texto que lerás. Como a tarefa é urgente (é preciso que cada um faça o trabalho no mais curto espaço de tempo), eis a explicação sintética dos porquês de tudo isto.

1. Vai realizar-se no Porto uma coisa chamada “Congresso dos Combatentes”. O objectivo declarado dos combatentes (nas entrevistas dadas pelos mesmos à imprensa) é sancionar a política de manutenção de tudo isto, tal como está. O objectivo, de facto é – recorrendo aos aspectos sentimentais do rever dos companheiros de África, -- juntar gente para criar uma organização de extrema-direita (tipos como o Franco Nogueira, estão por detrás da manobra) com base no cimento aglutinador da solidariedade entre combatentes. Obs. Os tipos dizem falar em nome de toda a malta que está no ultramar.

2. O próprio governo reagiu não concedendo subsídios e recusando a presença de membros seus. Grande número de oficiais do Quadro Permanente reagiram também através de um abaixo-assinado semelhante ao nosso.[2] Repara, isto é muito importante, pois pela primeira vez os oficiais do QP dessolidarizam-se em massa e publicamente da teoria de continuar isto até ao suicídio. (Outro aspecto importante, a situação na Guiné detiora-se de dia para dia).

3. Resolveu, pois, um grande grupo de malta fazer também um abaixo-assinado para dar força à posição dos tipos do QP (o deles corre, como pretendemos com o nosso, no Continente, Angola e Moçambique) e reafirma a nossa. Pontos do texto, não solidariedade com os tipos que lá vão (ao Congresso) e deixar claro que não estamos dispostos a nos deixar servir de carne para canhão, em suma: a servir a teoria do suicídio.

4. O abaixo-assinado do QP tem tido um êxito assinalável (assinaturas de coronéis, um brigadeiro, etc. – só aqui na Guiné). O nosso marcha muito bem e já temos muitas dezenas de assinaturas. E muitas mais virão. (Serão ambos – o do QP e o do QC – para enviar ao Congresso e à imprensa).

5. Terás apenas de recolher assinatura de oficiais, sargentos e das praças que o quiserem. Processo a seguir: copiar o texto junto para um aerograma e apôr, a seguir, as assinaturas, posto e nº mecanográfico. E enviar-nos isso para o remetente na volta do correio. E passa à malta tua conhecida de outras companhias.

6. Confiamos na tua coragem e na compreensão de como isto é importante para todos. (Repara, centenas de tipos do QP e QC a marcar uma posição). Não queremos que se repitam os Guileges e os Guidages e outros casos dos últimos dias, com o seu cortejo de mortos e feridos. A nossa acção, desta forma cautelosa embora, é fundamental para os dias que hão-de vir.

Um abraço do

Barroso

Ferreira


O aerograma traz, em anexo, o texto em papel vegetal que diz:

Os abaixo-assinados, oficiais e sargentos do Quadro de Complemento, em prestação de serviço no ultramar, manifestam a sua discordância com a realização do Congresso dos Combatentes, não reconhecendo qualquer representatividade aos elementos presentes no mesmo, não se identificando com as conclusões dele emanadas. É ao povo português, em clima de absoluta liberdade, que cabe o direito de discutir e decidir sobre os problemas levantados à nação pela questão ultramarina. 
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[1] São extensas em diversas obras as referências a este Congresso. Para uma síntese da problemática que o envolveu, com o texto do telegrama enviado da Guiné aos órgãos de informação onde não se reconhece qualquer legitimidade e representatividade ao Congresso, assinado pelo capitão-tenente Rebordão de Brito e pelo alferes Marcelino da Mata em representação de quatro centenas de militares do QP, ver João Medina, História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Ed. Multilar, 1990, pp 256-257.


[2] Entre os signatários do QP, em Bissau e em Lisboa, encontravam-se homens como Ramalho Eanes, Firmino Miguel, Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Fabião. 

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Cufar, 26 de Dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de “Estrela Telúrica”. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a “Estrela Telúrica” prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª., fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a “embrulhar”, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata,[1] com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.” Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.
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[1] Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora,1995, pp. 195-213

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12132: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (22): Referência a jornais e jornalistas no CTIG

5 comentários:

Anónimo disse...

2017 = gralha que pousou no p12174...
Cpts,
JCAS

Luís Graça disse...

Obrigado, já corrigi. LG

Anónimo disse...

A sessão de lançamento no Museu da Fundação Oriente ocorreu esta tarde, com a sala cheia. Lá estiveram tb o Piloto Miguel Pessoa e a sua mulher, Enf.ª Pára Gizela.
Parabéns ao Graça e Abreu por mais este livro, bastante elogiado pelo embaixador (apresentador), que já o conhecia desde os anos 70, em Pequim. Ficamos à espera do 2.º volume... Ab
Manuel Bernardo (Cor. ref.)

Anónimo disse...

A sessão de lançamento no Museu da Fundação Oriente ocorreu esta tarde, com a sala cheia. Lá estiveram tb o Piloto Miguel Pessoa e a sua mulher, Enf.ª Pára Gizela.
Parabéns ao Graça e Abreu por mais este livro, bastante elogiado pelo embaixador (apresentador), que já o conhecia desde os anos 70, em Pequim. Ficamos à espera do 2.º volume... Ab
Manuel Bernardo (Cor. ref.)

Anónimo disse...

A sessão de lançamento no Museu da Fundação Oriente ocorreu esta tarde, com a sala cheia. Lá estiveram tb o Piloto Miguel Pessoa e a sua mulher, Enf.ª Pára Gizela.
Parabéns ao Graça e Abreu por mais este livro, bastante elogiado pelo embaixador (apresentador), que já o conhecia desde os anos 70, em Pequim. Ficamos à espera do 2.º volume... Ab
Manuel Bernardo (Cor. ref.)