segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12418: O que é que a malta lia, nas horas vagas (13): No meu caso "O Alviela", de Alcanena, o "Popular" como era aqui o caso, a "República", o "Século" ou o "Diário de Noticias", "O Mundo Desportivo", o "Record" ou a "Bola", a "Plateia", o "Mundo de Aventuras", etc. (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2013:

Camarigo Luis Graça
Correspondendo ao teu desafio aqui vai a minha escrita sobre a minha leitura nos tempos da Guiné.

Um abraço
Carlos Pinheiro



O que é que a malta lia, nas horas vagas

… e onde, a certa altura, descreve, por exemplo, na noite de 28 de Fevereiro de 1969, estava eu numa dessas conversas, quando se deu o sismo em Lisboa que, sem ter causado vítimas, mesmo assim provocou estragos de monta. No BT chegaram a cair paredes. E o operador que estava a falar comigo ficou gago, tal foi o susto, ficámos sem falar alguns momentos e, por esse motivo, fui certamente a primeira pessoa a saber em Bissau que Lisboa estava a tremer

05 de Novembro de 2013

Depois do Post 12379 do Grande Chefe Luís Graça, não podia ficar insensível ao desafio e por isso aqui estou a dar nota do que lia, e não só, porque também se escrevia e até se telefonava, nos chamados momentos de ócio.

De facto, a vida passada dentro de quatro paredes não era propriamente agradável, porque muito monótona, entrecortada muitas vezes, vezes demais com as mensagens RELÂMPAGO/ZULO, a pedirem evacuações ou apoio aéreo, sinal de que camaradas nossos estavam em perigo, portanto, mesmo assim, em princípio, a nossa missão era nada, nem pouco mais ou menos, comparável com o que a maior parte dos camaradas passava no mato.

E disse em princípio, porque um dia também nos foram lá levar uma FBP, uma arma fantástica que até era capaz de disparar sem se dar ao gatilho – mas isso para aqui não interessa – porque “estava” previsto um ataque ao QG. E éramos nós, dentro das tais quatro paredes, com uma FBP na mão, que íamos defender aquilo. Mas, adiante, vamos em frente.

Ali lia-se tudo e mais alguma coisa, porque a nossa missão era ler e encaminhar as mensagens que nos mandavam pelo “buraco”, ou vinham do Posto de Rádio, mas nas tais horas mais descansadas também conseguíamos ler o que aparecesse e quando aparecesse e especialmente quando os nossos familiares nos mandavam um jornal da terra, no meu caso O Alviela, de Alcanena, o Popular como era aqui o caso, a República, o Século ou o Diário de Noticias, O Mundo Desportivo, o Record ou a Bola, a Plateia, o Mundo de Aventuras, etc.

Por exemplo, numa noite de Agosto de 1969, estava a ler o Diário Popular, já com algum tempo, como abaixo a foto exemplifica.



É certo que diariamente lia e relia Presse Lusitânia depois de ter interpretado os hieróglifos que o grande Radiot Irineu apanhava a uma velocidade estonteante, depois de passar as notícias de todo o mundo à máquina – Messa - a stencil e depois pelo duplicador AGestener a fim de a ir distribuir pelas Unidades de Bissau.

Tudo isto porque o Noticias da Guiné saía de vez em quando, quase sempre com notícias requentadas e as notícias da Presse, mesmo que passadas por vários crivos, eram notícias fresquinhas da costa.





Aqui estou eu, compenetradíssimo, a passar a stencil a Presse para depois fazer o resto.

Mas aqueles tempos também se passavam a ler o correio da família, porque “bate estradas” tinha sempre nos dias em que o Boeing da TAP chegava a Bissau, logo pela manhãzinha. E depois, como o S.P.M. era ali ao lado do S.T.M., até nisso éramos uns privilegiados na recepção do correio.

Mas os privilégios, se assim se pode dizer, não se ficavam pela recepção e leitura do correio mais em cima do acontecimento.



Também, de vez em quando se fazia uma exploração do rádio telefone com o B.T., a nossa Unidade mãe das Transmissões, na Graça em Lisboa, como se pode ver a seguir, aproveitava-se quando se apanhava um camarada porreiro e colaborante para se saberem novidades, como é que estava o tempo e tudo e mais alguma coisa. Por exemplo, na noite de 28 de Fevereiro de 1969, estava eu numa dessas conversas, quando se deu o sismo em Lisboa que, sem ter causado vitimas, mesmo assim provocou estragos de monta. No BT chegaram a cair paredes. E o operador que estava a falar comigo ficou gago, tal foi o susto, ficámos sem falar alguns momentos e, por esse motivo, fui certamente a primeira pessoa a saber em Bissau que Lisboa estava a tremer


Mas nas horas vagas não era só ler e escrever. Havia sempre momentos interessantes que a camaradagem sabia aproveitar. E Bissau não sendo uma cidade excepcional era o que de melhor por ali havia. E por isso todos os momentos livres eram aproveitados o melhor que se se sabia e se podia.

Por exemplo, na foto abaixo, lá estava este grupinho, numa feira do Sporting de Bissau a tirar a medida a esta “garrafita” de cerveja Sagres, depois de algumas “bazucas”, mais ou menos acompanhadas, já terem sido absorvidas com toda a calma da vida, mas sem se perder a oportunidade de se acompanharem os companheiros para que não ficassem registados nem vencidos nem vencedores.

Mas ainda sobre esta “garrafita”, devo dizer que mesma tinha cerca de dois metros e meio de altura e o diâmetro também era apreciável e proporcional à altura, mas estava vazia porque era de cartão, feita à mão no artesanato local e só servia de apelativo para as fresquinhas que por ali estavam à disposição de quem tinha “patacão”.


Os artistas desta foto, para além de mim próprio que estou de facto a tirar a medida ao objecto, à direita está o Eduardo, à esquerda está o Alves dos Santos e ao meio não me lembro já dos nomes. Mas à excepção do segundo a contar da esquerda, éramos todos do Centro de Mensagens.

Portanto, depois disto que dizer mais? A malta, sempre que podia, lia, escrevia, comia e bebia, para além de também resolver outros assuntos de carácter mais pessoal e sempre de acordo com a carteira de cada um.

A terminar, como já estamos em Dezembro, um Bom Natal para todos apesar da guerra anormal com que nos vão cercando nesta fase adiantada das nossas vidas quando no final de contas precisávamos de saúde e paz para os dias que nos restam, o que de todo em todo cada vez é mais difícil.

Bom Natal e que o 2014 não seja muito mais violento e nos deixe continuar a viver.
Carlos Pinheiro

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12414: O que é que a malta lia, ns horas vagas (12): O JN - Jornal de Notícias, que eu assinava... às vezes chegava-me à dúzias de cada vez Jorge Teixeira (ex-fur mil art, CART 2412, Bigene, Guidage e Barro, 1968/70)

5 comentários:

Manuel Dias disse...

Caro camarada Carlos Pinheiro

Sou Manuel Gomes ex 1º cabo radiotelegrafista do stm em Bissau que passei pelo posto de radio de agosto de 1971 a agosto de 1972 se considimos nas datas ainda te passei algumas mensagens pela janelita

Um abraço

Luís Graça disse...

Carlos Pinheiro:

Ainda não nos tinha falado desses teus talentos...nem da "Presse Lusitânia".

O vosso jornal interessa-nos... Não dá para fazer uma seleção ? E publicar alguns excertos que tenham escapado à fúria do tempo ? Era distribuído por quem ? Pelas unidades de Bissau ? Chegava a quem ? Qual era tiragem ? E o nº de páginas ? E o formato, A4 ? E a periodicidade ? Diária ? Qual a vossa fonte de notícias ? Havia censura e autocensura ? Há exemplares sobreviventes ?

Tens que me responder a estas perguntas... Um alfabravo. Luis


Na Guiné eu também escrevia à máquina (Messa), fazia "stencil" e tirava a duplicador (AGestener, já não me lembrava da marca)...

Carlos Pinheiro disse...

Para o Manuel Dias
Não nos encontrámos. Eu estive na Guiné de Outubro de 68 a Novembro de 70.

Para o Luís Graça
Dá para fazer uma selecção de facto, se bem que tudo aquilo era mais que seleccionado por quem controlava estas coisas.
Era distribuída pela malta do Centro de Mensagens na manhã do dia seguinte quando se iam entregar mensagens às várias unidades de Bissau. Claro que para o COMCHEFE iam logo que estavam prontas assim como para a Messe de Oficiais e para mais alguns locais de que agora não me recordo bem.
Tiragem? Era uma resma de papel.
O número de paginas era normalmente duas. Por vezes, quando havia visitas do PR ou do PCMinistros ao estrangeiro ou às colónias, lá chegava às 3 ou 4 páginas, em formato A4. Era assim. Nós escrevíamos o que nos mandavam.
A periodicidade era diária.
A fonte de noticias, não sei bem se era a Marconi, mas era algo ligado ao sistema, que difundia em Morse para todo o mundo.
A censura já estava feita na origem e por isso nós não podíamos inventar nada.
Como te disse ainda tenho alguns exemplares "sobreviventes".

Bispo1419 disse...

Meu caro Carlos Pinheiro:

É interessante verificar que nem uma contínua vigilância, sobre o que então se dizia e/ou publicava, impedia falhas nítidas.
Como ex. temos a última notícia deste "Presse Lusitânia" de 31/07/69 que, ao querer transcrever as afirmações do procurador dos USA, Jim Garrison, acusando a CIA e outras entidades americanas de organizarem o assassinato do presidente J. Kennedy, diz:
"O presidente Nixon foi morto por um golpe de estado".
Esta minha correção não terá grande interesse, tão nítida é a gafe que não levará ninguém ao engano. Só se for alguém tão distraído como o foi o redator da referida notícia.

Um abraço
Manuel Joaquim

Carlos Pinheiro disse...

Nãp faço ideia quem e porquê mandou propagar esta noticia falsa. Mas era o que recebiamos e publicávamos. Não tinhamos capacidade para alterar o que era transmitido. Estava errado? Ficava errado. Era assim. Um abraço.