sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12660: História da CCAÇ 2679 (66): "O Jagudi", o jornal de Bajocunda (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 29 de Janeiro de 2014:

Viva Carlos!
Hoje vou dar notícia do aparecimento de um jornal em Bajocunda.
Não farei a transcrição na íntegra, por motivos óbvios, talvez com excepção de uma ou outra peça, mas darei luz a assuntos ali tratados.

Um grande abraço que inclua o resto do tabancal
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

Aperitivo para o que inspira o texto:

A Era do Abutre (1)
(Filii Negrantum Infernaliium)

A era do abutre abre os seus portões
De gelo, tormenta, trovão... Eu chamo a noite, sombras... mil sombras violam
A puta virgem... A execução em gargalhadas de aço e
Sangue, abraça a noite negra
Opressão, Tirania... Triunfará o mais forte
E nós, demónios, chupamos sangue, Fome de carne, fome de dor! E feiticeiras em escarlate
Coroam-me senhor (princípio da dor) infernal
O mal avança, chicote do espírito
Matéria, carne, monarca
Tiamat: Faz tremer o todo, Marte... Deus da guerra total (sempre imperial), 
O voo do abutre

(1) - Retirado da Wikipédia, autor não identificado

************

66 - "O JAGUDI"

O abutre (Jagudi, sinónimo guineense), é uma ave de rapina necrófaga, voraz, pesada, de asas compridas, que se alimenta de restos de quaisquer animais mortos (o político abutre nunca se contenta com os ganhos).
Pode dizer-se que tem a função ecológica de limpar os locais onde existam cadáveres, ou moribundos. É frequente no continente africano, mas também aparece em Portugal, nas regiões fronteiriças do leste, desde Trás-os-Montes, até ao Algarve, com predominância nas regiões Marvão a Mértola.
Parece, mas não é o grifo. Trata-se do abutre-preto, ou abutre-egípcio, a maior ave planadora dos nossos céus, que chega a ter a envergadura três metros.

Em Junho de 1971, na localidade de Bajocunda, que fica no nordeste da Guiné, então província ultramarina portuguesa, soprada pelas brisas quentes oriundas do deserto, nasceu, novinho, esperançoso e prometedor, um orgão da comunicação social baptizado de "O JAGUDI, Jornal da C.Caç.2679".


Magnifico pela satisfação que transmitia depois de produzido no stencil e de agrafado num corpo mais ou menos coerente, que lhe conferia o pretensioso epíteto de jornal, com tiragens que se prometiam regulares, posso dizer que se tornou um elo de ligação entre a juventude que agregada sob aquela unidade militar, costumava deambular naquela terra, e uma vez por mês tinha acesso às fresquinhas ali publicadas.
Mesmo que não o lessem, era o jornal dos madeirenses.

Não era rigoroso, nem coerente, nem de combate, mas era conforme as ocasiões, naif e experimental, chegou a merecer especial atenção de S. Ex.ª o Comandante-Chefe, bem como do Jornal do Exército que destacou, publicando um artigo de opinião sobre a emigração e a relação com as sociedades que se desenvolviam na África portuguesa; para além da simpática leitura no Pifas de alguns dos textos publicados.

Não era, ao contrário do que pode inferir-se da nota aperitiva, um jornal inspirador de guerras e guerreiros, com carnes a sangrar alarvemente em festas inspiradas por Ares, Marte e Odin, tal como as mitologias grega, romana e nórdica, visíveis com luzes arrelampadas, que projectavam sombras em festins bárbaros, com música de rajadas em substituição das tubas.
Pelo contrário, era o panegírico da "amizade e expressão de camaradagem", e "um mensageiro da Paz", que o editorial do primeiro número garantia transmitir "a certeza de que a integridade da Nação é um facto irrefutável", conforme o atestava o Comandante da Companhia, sem qualquer pressão ou inibição da liberdade de expressão - que eu saiba.

O JAGUDI não nasceu em maternidade, mas carecia dos meios que só a Companhia podia garantir, a utilização do stencil e o uso de químicos e papel, do resto eu prestava-me a fazer, num esforço para aprender a escrever à máquina com dois dedos, muito mais fantástico do que os dactilógrafos profissionais, que o faziam com os cinco dedos de cada mão. Essa ocasião foi aproveitada pelos xicos, que pensaram tirar o melhor partido da iniciativa, tanto que o 1.º sargento, em carta aberta, fazia votos para que não fosse de "carácter puramente belicoso, mas que se torne motivo de distração e humorista". "Fartos de guerra andamos nós", perorava em tom de aviso, e imaginava-se o homem do lápis azul, enquanto prosseguia com determinação "procuraremos imprimir ao nosso jornal aquilo que já dissemos, sem descurar um instante o porquê da nossa estadia aqui".

E passava pelo lombo o discurso da admiração em termos de falsa admiração: "Pais, regozijai-vos... Podeis estar certos que eles perpetuarão... este Portugal quase milenar", cimentados em "laços de sangue ideológico".

E depois de se dirigir às mães e aos pais, não se esqueceu das noivas, e prognosticou que os desejados laços se fundirão para sempre perante Deus e a sua Igreja. Finalmente, dirigiu-se às esposas, garantindo que os pais dos filhos bem merecem "este encargo", para além "da sua integridade e fidelidade conjugais".

Portanto, e para que conste, não houve cenas voluptuosas durante a nossa permanência em Bajocunda, e quando ao fim da tarde, com o cigarro pendurado ao canto da boca, e umas coisitas debaixo do braço, o 1.º Sargento rumava à tabanca, infere-se que lá ia imbuído de espírito religioso apenas para ajudar a minorar a pobreza local.

Sob a designação de "Tema" também foi publicado um texto do Furmil Dinis, que equacionava a continuidade do jornalinho, dependendo do interesse dos leitores, quanto mais não fosse, "para um dia mais tarde ir ao fundo da arca buscar uns papéis amarelos, que de algum modo nos façam pensar no que somos, no que seremos (tínhamos 20 aninhos) e no correr do tempo e da vida", e adiantava que "F. não é mais diferente daquele outro, e através de uma página do jornal está a querer conversar com todos, a expor as suas convicções ou o que aprendeu, está a ser um amigo", no que parecia um convite à participação.

Além disto só houve lugar a distracções e uma página com publicidade, mediante um contrato firmado com a principal empresa de águas naquele território.

O jornal foi enviado para o ComChefe e para o Pifas que desde então passou a ler extractos da publicação.

Voltarei para dar notícia do n.º 2.

O abutre rima com Futre, nutre-se de cadáveres, tira proveito da desgraça alheia, mas o JAGUDI, sem conseguir evitar a lei dos abutres, tinha propósitos mais generosos, que porventura não terá atingido, em virtude da ambição condicionada.

JMMD
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12448: História da CCAÇ 2679 (65): Dia da Raça (José Manuel Matos Dinis)

3 comentários:

Anónimo disse...

Ah ganda JD que até li tudo e espero que mandes mais. Talvez até seja altura de fazeres outro jornal, mas da Tabanca. Penso que material não te faltará e até me candidato a escrevinhar qualquer coisa que te deite abaixo, assim pagues a minha colaboração. Um abraço do
Veríssimo Ferreira
Ex SENHOR FUR.MIL.
CCAÇ 1422 K3 65/67

Omis Syrev Ferreira disse...

Ainda me esqueci, mas a bestial ideia que tive para a criação do Jornal da Tabanca da Linha, só se apensares também umas pernocas como fizeste aqui.

JD disse...

Meu Caro,
Fazer um jornal propriedade da Magnífica, com liberdade para dar bicadas nas outras Tabancas, na tropa, na política, no Benfica, etc, parece uma pretensão excessiva, principalmente pelos recursos exigiveis.
O Manel Resende já propôs um blogues, à semelhança deste que nos serve, mas também achàmos que este deve ser o lugar para expormos as nossas inspirações.
Ainda assim, as vossas sugestões merecem o carinho de encerrarem uma grande amizade e camaradagem.
...
Quanto às pernocas que constam do retrato, andam no meu dossier da Guiné desde lá, e devem significar o desejo que tínhamos de, ao chegar do mato, imaginarmos a diferença de chegarmos do emprego.
Um grande abraço
JD