segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12644: Notas de leitura (557): "Rosas da Liberdade", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Temos tudo a ganhar em ler Manuel da Costa.
Na prefácio do livro de poesia “Rosas da Liberdade”, o escritor guineense Félix Sigá contextualiza perfeitamente o heroísmo e a pungência deste lírico que não esconde o orgulho de escrever em português, é artista confessado em várias partidas do mundo, sempre com saudades em regressar.
Este livrinho precioso é uma apologia a favor da reconciliação e do desembaraço de preconceitos tribais. Que os incrédulos tomem nota: a literatura luso-guineense está desperta e carece da nossa atenção.

Um abraço do
Mário


Rosas da liberdade, a poesia luso-guineense está viva

Beja Santos

Se “Maré Branca em Bulínia” foi uma agradável revelação do escritor guineense Manuel da Costa (Editorial Minerva, 2013) que deixou exarado, com esmero e talento, uma denúncia poderosa do narcotráfico e dos seus executantes, “Rosas da Liberdade” é uma poesia de exultação, de apelo à reconciliação entre guineenses e de amor indómito à terra-mãe. Tudo num iniludível contexto luso-guineense, urdido num português claro e vibrante em estreita associação com o caldo de cultura do crioulo guineense. É heroico, contemplativo, religioso, um inconfessável residente entre a saudade de estar e partir. Orgulha-se de comunicar em português, define os termos em que se abre à reconciliação:

Não me procures
Para a reconciliação
Com o ódio no coração.

Confessa a sua impotência perante os fautores do golpe de Estado de 2012:

Vi a monstruosidade humana
Vi armas
Vi defuntos de cães
Vi casas destruídas
Vi bens saqueados
Vi correrias e debandadas
Vi prisioneiros
Vi o medo no rosto da gente
Eu vi
Vi tudo
Vi e ouvi tudo
Eu vi
E nada pude fazer.

Poesia de tom confessional, desdobra-se entre o amor dos seus e o amor pátrio, atravessa com elegância e firmeza aquela fronteira ténue que separa o panfleto da exaltação patriótica, é um lirismo empolgante e sincero:

Havemos de lutar e vencer
Na vida com a verdade
E de enxadas nas mãos, camaradas
Havemos de lutar, havemos de lutar
Contra a pobreza e contra a fome
Com a escola e com o trabalho
Pela nossa afirmação pela felicidade

Havemos de lutar e morrer
Por amor pela paz
Pelo desenvolvimento e pela liberdade.

A Guiné é desfraldada como um hino, canta a plenos pulmões:

Enquanto lavramos pantanais e lugares de mpam-pam
Enquanto fazemos campanha de caju, mangas e laranjas
Enquanto pescamos bicuda, tainha, bagre e esquilons
Enquanto comemos kaldu di tchaben, mancarra e siga
Enquanto bebemos vinho palmo, ataia e cana bordão
Enquanto nos sentamos na tripeça, na esteira e nos canapés
Podemos acreditar que não morremos de fome

Enquanto tocamos bombolons, tambores e nhanheros
Enquanto dançamos e cantamos melodioso gumbé, tina e sicó
Enquanto vestimos saias Bijajós e nos mascaramos no Carnaval
Enquanto escrevemos, dizendo poemas e cantando histórias
Podemos acreditar, nô kultura ten balur.

Manuel da Costa tem saudades da terra e da sua gente espalhada por várias partidas, alimenta sonhos de uma Guiné convivente e próspera, não enjeita a simplicidade de dizer que vai plantar rosas e de caminhar levando a paz para o mundo, com rosas irá semear nos corações amor profundo. Exalta os homens grandes, o trabalho hercúleo nas lides da tabanca. Vemo-lo triste falando de Maria Preta, a prostituta:

Rosa fértil da nossa flora
Vive e anda na rua
Por magros mil-réis
Vende-se na rua
Do Intendente
Do Bairro Alto
Do Cais do Sodré
Da Avenida

Minha irmã da terra mãe
Mulher de limpeza
Noiva de um negro
Amante de um branco
Vende-se na rua
O corpo
As insígnias da sua raça.

Festivamente, ergue a voz para assinalar a diferença da poesia africana:

Por que razão os poetas africanos
Não perdem tempo em escrever sonetos?
Porque são demasiado ágeis e inquietos
Movendo-se velozes sobre a terra e oceanos

Por que razão os poetas africanos
Não se preocupam em rimar a poesia?
Porque, ávidos pela liberdade, desafiam os tiranos
E menosprezam a beleza e a cortesia.

Manuel da Costa é um poeta que merece a nossa atenção. Este seu livro de poesia, “Rosas da Liberdade”, foi publicado pela Editorial Minerva, em Fevereiro deste ano. E traz glossário, muito útil para os mais esquecidos: mpam-pam é arroz de sequeiro, nô kultura ten balur – a nossa cultura é importante; sicó é o estilo de música tradicional usado na música e gumbe é o ritmo moderno da música guineense. Estejamos atentos a estes gritos de liberdade de Manuel da Costa, um delicioso fio de música que se impõe na literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12629: Notas de leitura (556): "Soldadó", por Carlos Vale Ferraz (Mário Beja Santos)

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