domingo, 2 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

Guiné > Região de Tombali > Cufar >  Horror, impotência e luto.  
Foto obtida de sides do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007)...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina.

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Armando Faria [ex-Fur Mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar1972/74]

Assunto: 2 de março de 1974

Camarigo amigo.
Que a saúde seja vossa companheira nestes DIAS que temos.

Por estes dias, ao "mexer" nas memórias, para escrever um resumo da história da minha companhia, a CCAÇ 4740, dos acontecimentos que então vivi na companhia de todos os que como eu passaram por Cufar- de Julho de 1972 a Julho de 1974, revivi o dia mais negro por lá passado.

Foi a 2 Março que em Cufar se viveu um dia trágico e só o acaso o não fez mais negro. Não queria deixar de partilhar, em memória dos que então ai deixaram a vida, o que então vivi. (*)

Um abraço solidário a quantos partilham esta espaço e a todos quantos o visitam,
Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA,
CCAÇ 4740, Cufar 72/74


2. Cufar, Guiné, 2 Março de 1974, 16H30 

Quarenta anos se passaram no calendário que governa o tempo…

Para quem, por desdita, fado ou má sorte estava lá nesse dia, foi Ontem que tudo isto se passou…

Hoje refaço a memória do tempo, em singela homenagem àqueles a quem coube o destino ou má sorte de ali entregar a alma ao Criador.

Aqueles que, como eu, assistiram a todo este cenário, que viveram e conviveram com esses homens, mantêm-nos presentes nas suas lembranças. Teremos para sempre esse dia a habitar-nos a alma e o coração. Será esquecido, apenas quando a "tumba" nos der repouso.

A 2 Março de 1974, pelas 16H30, o jipe do Pelotão de  Intendência 9288,  ao dirigir-se ao porto interior de Cufar, no rio Manterunga, acciona uma mina anticarro. O jipe voou, tal foi a violência da carga explosiva utilizada que o atingiu, a cratera aberta no solo, pelo seu diâmetro de cerca de 2 metros de largo por outros tantos de profundidade, assim podia testemunhar. (**)

Como especialista de MA [, Minas e Armadilhas,]  fiz o reconhecimento ao local nos minutos que se seguiram.

Os corpos dos cinco ocupantes ficaram espalhados em redor num senário dantesco.

Ali de imediato tinha sido ceifada a vida a 4 homens, o Soldado Caixeiro Rodrigo Oliveira Santos, mais 3 estivadores africanos e 1 ferido grave, o Fur Mil Carlos Alberto Pita da Silva que, em consequência da gravidade dos ferimentos sofridos, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau, a 17 Março.

Mas se esta tragédia é demasiado pesada e deixa já profundas marcas em todo o pessoal, o pior ainda estava à nossa espera, pelas 22H00 com o baixar da maré ocorreu um novo rebentamento de uma mina, agora accionada pelos barcos que estavam a ser descarregados no porto, tendo originado a morte de mais 3 civis estivadores e ferido 13, estes foram localizados nos momentos que se seguiram, havendo ainda a registar 18 civis considerados mortos, carbonizados ou desaparecidos.

A imagem que retenho daquilo que vi destes homens recolhidos no posto médico, escuso-me comentar, tal foi o cenário vivido nesse dia.

Honra e Glória aos amigos que vimos partir e, neles, a todos quantos um dia com seu sangue regaram esses espaços…

Pedroso, 2 Março 2014

Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA
CCAÇ 4740, Cufar 72/74

Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Cufar e do porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas do editor:


2 comentários:

antonio graça de abreu disse...


Muito bem meu caro Faria.
Estávamos lá.Honra aos mortos, portugueses e africanos.
Também dei testemunho vivo do que foi aquele dia de horror, já foi publicado aqui no blogue e está no meu Diário da Guiné, pags. 200 a 203.
com as minhas fotos. Para que ninguém esqueça. Vivemos uma guerra. E não há guerras limpas, tudo é desespero, e morte.
Parabéns pela feitura da história da tua/nossa companhia 4740.

Abraço,

António Graça de Abreu

Hélder Valério disse...

Caro Armando Faria

Esses momentos, as suas memórias, deixam sempre marcas.
Honrar os mortos é imperioso, Isso é o que nos distingue da barbárie.
Sabemos que não há 'guerras limpas' como diz o António, e por isso mesmo a lembrança dos que interromperam a sua vida por causa disso é também um dever.

Fizeste bem!
Abraço
Hélder S.