1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2013:
Queridos amigos,
O publicista, escritor e jornalista Vasco Callixto é um caso singular nas letras portuguesas, infatigável nos temas do turismo, desporto automóvel e história da aviação. Viajou por tudo quanto é mundo, tem uma bibliografia impressionante.
Em 1990, com múltiplos apoios, lançou-se numa viagem que abarcou a Guiné-Bissau, o Senegal e a Gâmbia. Encontrou potencialidades extraordinárias para o turismo, viu edifícios que já não existem, entristeceu-se com o descaminho dado ao património histórico luso-guineense. Regressou convicto que a Guiné iria conhecer um surto na procura turística, veio deslumbrado.
Aqui fica o seu registo.
Um abraço do
Mário
Viagem à Guiné de Vasco Callixto, em 1990
Beja Santos
Publicista com largas dezenas de obras publicadas, escritor de turismo, investigador nas áreas do automobilismo e da história da aviação, Vasco Callixto (1925) tem uma impressionante colaboração na imprensa desde a década de 40. É um viajante insaciável, não há continente ou recanto da terra que ele não procure. Tem um modo muito seu de organizar as suas expedições e a publicação dos seus textos. Por exemplo, de Setembro a Dezembro de 1990, publicou em vários jornais a sua "Viagem à África Ocidental" (concretamente à Guiné-Bissau, Senegal e Gâmbia). Procura apoios de toda a índole, é encarado como o embaixador do turismo e não esconde o prazer pelas edições de autor. Vamos ver o que ele viu e comentou nesta viagem à Guiné-Bissau em 1990, de que resultou o livro editado em 1991. O único senão ao longo da viagem da Guiné foi o troar dos canhões que ele bem ouviu em Cacheu, tratava-se de um momento de elevada tensão nas relações entre a Guiné-Bissau e o Senegal, incidente que custou 20 vidas, felizmente que tudo acabou rapidamente em bem, tratava-se de contenda fronteiriça, sabe-se lá se de movimentação impune de guerrilheiros do Casamansa no Norte da Guiné-Bissau.
Chega a Bissau no final de Abril de 1990, o seu carro de estimação, um Opel Kadett modelo Califórnia já fora despachado por barco num porta-contentores. Explica a história da Air Bissau e da Transinsular, a empresa que facilitou o transporte do Opoel Kadett. Faz uma breve apresentação da Guiné-Bissau, a seguir entra no Hotel 24 de Setembro, ao tempo dispunha de 14 quartos singles, 65 quartos twins e 24 suites, para além de salão-restaurante, grill-jardim, bar americano e uma sala de congressos e banquetes. Referencia os preços de tudo, fica-se com a convicção de que o livro também funciona como um guia para o potencial turista. Sente encanto por Bissau, vai a pé do hotel pela Estrada de Santa Luzia e Avenida Pansau Na Isna, há por ali várias embaixadas, chega à antiga Praça do Império e desce a Avenida Amílcar Cabral, anota os edifícios de todo o estilo, chama a atenção para a Pensão Central ou Pensão da D. Berta, “que continua a fornecer refeições bem à antiga portuguesa, composta por sopa, dois pratos, pão e fruta pela módica quantia de 390 escudos. E a sala está sempre cheia”. Estupefacto vai vendo que as estátuas foram apeadas, os pedestais não. Não entende porque é que não se pode visitar a Fortaleza da Amura. Ao tempo ainda existia o Grande Hotel e um pouco mais abaixo o Centro de Medicina Tropical, inaugurado em 1989 e brutalmente danificado no conflito político-militar 1998-1999. Apreciou o cemitério, com campas bem cuidadas, não houve por ali vandalização, guardam-se as placas e as memórias do passado. Impressionou-se com as instalações do “Pão de Açucar” e visitou o mercado de Bissau, anotou a atividade “bancária” ali desenvolvida com os cambistas a trabalhar com máquinas de calcular.
Bijagós ainda hoje é uma grande consigna que recorda o turismo, era uma visita inescapável a Vasco Callixto. Ficou surpreendido com Bubaque e a sua espetacular beleza, uma joia longe da civilização. Em todas as etapas desta viagem, em minucioso: “O Hotel Bijagós, na ilha de Bubaque, de que é proprietário o argelino Azzi Abdelaziz, está situado num palmeiral, frente ao mar, com o restaurante debruçado sobre a falésia”. Descreve toda a unidade hoteleira e não esquece a referência ao centro de pesca desportiva, ali bem perto. E na manhã seguinte parte para Bolama, novo resumo sobre a história da infausta cidade, agora reduzida a sombras, foi ponto de escala dos Clippers da Pan America, em Bolama aterraram os primeiros aviões portugueses que voaram para terras de África, entre outras páginas de glória. Passeia-se pelas ruínas, é impressionante o grau de destruição, interessa-se pelos monumentos que estão de pé, nomeadamente aquele que Mussolini ofereceu à cidade para perpetuar a morte de aviadores e tripulantes de dois aviões italianos que ali se acidentaram.
De Bolama foram até Farim, passam por Mansoa e Mansabá. Deixam uma nota histórica sobre Farim, com surpresa encontro ali um padrão evocativo das viagens henriquinas. E escreve: “Neste padrão de Farim faltam algarismos de duas datas e uma palavra. Mas toda a ornamentação superior, incluindo o escudo português, estava intacta. Os que pensaram as novas gerações que este monumento significa?” Regresso a Bissau, segue-se a viagem à Gâmbia e ao Senegal, saem por S. Domingos.
Voltam a entrar na Guiné pela região do Gabu, não encontram onde comer nem dormir. Indigna-se com a estátua caída por terra do antigo governador Oliveira Muzanty, um oficial português que conduziu algumas guerras de pacificação e que contribuiu para delimitar fronteiras. Também não havia onde comer e dormir em Bafatá, um padre italiano lá desenrascou uma sala de catequese, ali dormiram em placas de espuma. Em Bafatá teve uma agradável surpresa, encontrou gente da Amadora, terra natal e residência de Vasco Callixto. E partiram para o Cacheu, de Bafatá foram até Bambadinca, daqui a Mansoa, depois Bissorã, pelo caminho visitaram Bula. Nova explicação histórica, desta feita sobre Cacheu, seguem-se referências aos equipamentos turísticos. É aqui que começa a troar a artilharia, havia contenda fronteiriça, Nino Vieira voou para Paris e pediu a intervenção do presidente Mitterrand, foi bem-sucedido. Impressionou-se com as estátuas escaqueiradas dentro da fortaleza, Nuno Tristão, Diogo Gomes, Honório Pereira Barreto e Teixeira Pinto aos pedaços. E comenta: “É preciso dar um destino condigno a estas estátuas. Se o presidente Nino Vieira declarou que iriam ser colocadas de onde foram retiradas, assim se deverá fazer quanto antes, pois a História não pode apagar-se. Em último caso, deverão ficar naquela Fortaleza, mas recuperadas e colocadas com dignidade”.
Considera Cacheu uma cidade de beleza admirável, um filão para o turismo. Regresso a Bissau, chegou a hora de preparar o reembarque do Opel Kadett. No Centro Cultural Português prefere uma conferência sobre “As primeiras viagens aéreas entre Portugal e a Guiné”. A primeira viagem aérea Portugal-Guiné realizou-se em 1925 no avião Santa Filomena. A segunda viagem constitui a 1.ª Travessia Aérea Noturna do Atlântico Sul, em 1927, quando o hidroavião Argos, com o major Sarmento de Beires, o capitão Jorge de Castilho e o alferes Manuel Gouveia, efetuou a ligação Bubaque-Brasil. E mencionou outras viagens com destino a Angola e Moçambique e o denominado “Cruzeiro Aéreo às Colónias”, a viagem que encerrou o ciclo das grandes viagens aéreas da época do pioneirismo aéreo português.
No Hotel 24 de Setembro encontrou-se com o Eng.º Macário Correia, secretário de Estado do Ambiente (simples curiosidade, ia negociar a participação da Guiné na Cimeira da Terra e assinou um protocolo que me custou quatro meses passados na Guiné, em 1991, de saudosa e triste memória). E assim acabou a viagem à África Ocidental de Vasco Callixto.
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Nota do editor
Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12917: Notas de leitura (577): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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