19. Os Últimos Dias da Companhia ZORBA
Preparei‑me para tirar umas fotos, tendo sido acompanhado por alguns Furriéis Milicianos. Tirei uma foto a Gadamael Porto. Que diferença!
Quando estávamos prestes a partir para Bissau com a comissão cumprida, recebi ordens do Capitão (eram ordens superiores do setor) para desmontar todas as minas e armadilhas, colocadas pela nossa Companhia. O Alferes de Explosivos de Minas e Armadilhas estava dispensado, o Furriel Miliciano Pestana havia morrido devido ao rebentamento de um engenho explosivo, o que motivou a morte do Soldado Costa e o outro Furriel Miliciano de Explosivos de Minas e Armadilhas tinha sido ferido por uma armadilha. O Comandante da Companhia prometeu‑me que eu podia dispor do tempo que fosse necessário, que asseguraria a minha viagem para Bissau em avioneta, paga pela CART 1659 visto ir falar sobre o assunto com o Comandante da Companhia que nos renderia se a nossa Companhia fosse a caminho ou já estivesse em Bissau.
Não aceitei, justificando‑me que aquilo que mais desejava era ir com os meus camaradas, com aquela minha família. Para tal pedi que fossem colocadas à minha disposição militares da CART 1659, para levantar todos os engenhos explosivos, tendo o Comandante aceite este meu pedido.
Comecei por levantar todos os engenhos que estavam montados em zonas mais longínquas. Continuei com os que se encontravam nas redondezas de Ganturé, que não haviam sido montados por mim, contando sempre com a ajuda dos croquis e dos militares que haviam assistido à sua montagem no terreno. Lembro‑me especialmente de umas minas “bailarinas”, colocadas num local que na altura estava coberto de água. Levantei depois algumas (granadas armadilhadas e “bailarinas”), que se encontravam no cruzamento de Ganturé/Gadamael Porto e no caminho para Sangonhá.
Ficaram para o fim 7 granadas armadilhadas que eu havia montado, quando fui colocado em Gadamael Porto, no princípio de julho de 1967, depois de ter sucedido o rebentamento que motivou a morte de 10 nativos (principalmente mulheres e crianças) e 20 feridos, quando foi o batuque em Ganturé. Acompanhou‑me somente o meu amigo, que tinha medo de saltar o galho na Especialidade da nossa Companhia em Penafiel.
Tive dificuldades em encontrar as armadilhas, e ninguém
dera que alguma tivesse rebentado. A vegetação
naquelas terras é estranha, e aquilo que é um simples arbusto, transforma‑se rapidamente numa árvore.
Encontrei as ditas granadas armadilhadas, mas cobertas por calcário a grande parte delas. Pedi ao soldado que me acompanhava que fosse buscar detonadores pirotécnicos, cordão lento e adaptadores e que não se esquecesse do alicate estrangulador. Tinha que ser tudo feito conforme mandam as normas, visto considerar que seria a minha derradeira missão antes de terminar a comissão.
Não demorou, e depois de encostar a G3 a uma árvore, relativamente longe da zona das armadilhas, aproximei‑me do local onde estavam implantadas as mesmas. Já sabia qual a ordem de desmontagem.
Segurei entre os dedos um clips, talvez fosse necessária a sua utilização, embora pensasse ser pouco viável que necessitasse dele. Coloquei a primeira em segurança, a segunda e a terceira. Parei para descansar, depois de ir junto à minha arma, onde se encontrava também o Soldado, coloquei as granadas completamente inofensivas, juntamente com os fios de tropeçar.
Continuei depois, deixando para trás a mais calcificada.
Levantei a quarta, a quinta e a sexta, levando também os fios de tropeçar de arame, colocando tudo junto das três primeiras. Só faltava uma.
Foi então que segurei num detonador e num pedaço grande de cordão lento (este arde a uma velocidade de um centímetro por segundo).
Fiz o estrangulamento, depois de colocada a ponta do cordão no orifício do detonador, apertei com o alicate, execução feita na cintura do lado direito do meu corpo, para evitar que se o detonador rebentasse não atingisse a cara, principalmente os olhos. Coloquei ambas as peças no buraco do adaptador, utilizando a rosca, para ficar bem preso. Ficou um único objeto. Preparei‑me então para rebentar a última granada armadilhada.
Fiquei então preso pela minha pulseira de prata num arbusto, quando pretendia dirigir‑me ao local ainda longe onde se encontrava a granada armadilhada.
Dei um esticão e continuava prisioneiro da pulseira que tinha o meu nome: Mário Gaspar e no lado oposto o grupo sanguíneo. Voltei a puxar, com mais força. Ouviu‑se um rebentamento. Uma mão havia‑me segurado.
– São eles! Estão a levantar as armadilhas e devem ter morrido! – Ouviu‑se, quase nitidamente do interior do aquartelamento de Gadamael.
O Soldado olhava‑me espantado, apanhando do chão tudo aquilo que lhe havia pedido para desmontar as armadilhas. Eu estava com o detonador estrangulado e com o alicate na mão, parece que sorrindo. Não era hábito meu, desde os rebentamentos dos bagabagas em Ganturé, fazer o estrangulamento senão com os dentes.
A pulseira, depois de ser procurada minuciosamente por todos, não chegou a aparecer. Comprei outra igual mais tarde em Lisboa na Ourivesaria Correia, na Rua do Ouro.
Dirigimo‑nos para a porta de armas. Parece que todos os Zorbas vinham na nossa direção. Foi uma alegria. Perguntou um camarada de armas, depois de nos agarrarem e colocarem‑nos às cavalitas:
– Onde querem que os deixe?
– No cais, dentro de água – disse depois de entregar o tabaco e o isqueiro a um deles. E fomos ao banho. Levaram‑nos para o cais e lançaram‑nos para o rio, todos vestidos (embora só de calções e chinelos). Que rico banho! E alegria estampada no rosto de todos!
Fui tomar banho – que duche! – e vesti‑me, com divisas e tudo.
Não aceitei, justificando‑me que aquilo que mais desejava era ir com os meus camaradas, com aquela minha família. Para tal pedi que fossem colocadas à minha disposição militares da CART 1659, para levantar todos os engenhos explosivos, tendo o Comandante aceite este meu pedido.
Comecei por levantar todos os engenhos que estavam montados em zonas mais longínquas. Continuei com os que se encontravam nas redondezas de Ganturé, que não haviam sido montados por mim, contando sempre com a ajuda dos croquis e dos militares que haviam assistido à sua montagem no terreno. Lembro‑me especialmente de umas minas “bailarinas”, colocadas num local que na altura estava coberto de água. Levantei depois algumas (granadas armadilhadas e “bailarinas”), que se encontravam no cruzamento de Ganturé/Gadamael Porto e no caminho para Sangonhá.
Ficaram para o fim 7 granadas armadilhadas que eu havia montado, quando fui colocado em Gadamael Porto, no princípio de julho de 1967, depois de ter sucedido o rebentamento que motivou a morte de 10 nativos (principalmente mulheres e crianças) e 20 feridos, quando foi o batuque em Ganturé. Acompanhou‑me somente o meu amigo, que tinha medo de saltar o galho na Especialidade da nossa Companhia em Penafiel.
Tive dificuldades em encontrar as armadilhas, e ninguém
O autor, Mário Gaspar |
naquelas terras é estranha, e aquilo que é um simples arbusto, transforma‑se rapidamente numa árvore.
Encontrei as ditas granadas armadilhadas, mas cobertas por calcário a grande parte delas. Pedi ao soldado que me acompanhava que fosse buscar detonadores pirotécnicos, cordão lento e adaptadores e que não se esquecesse do alicate estrangulador. Tinha que ser tudo feito conforme mandam as normas, visto considerar que seria a minha derradeira missão antes de terminar a comissão.
Não demorou, e depois de encostar a G3 a uma árvore, relativamente longe da zona das armadilhas, aproximei‑me do local onde estavam implantadas as mesmas. Já sabia qual a ordem de desmontagem.
Segurei entre os dedos um clips, talvez fosse necessária a sua utilização, embora pensasse ser pouco viável que necessitasse dele. Coloquei a primeira em segurança, a segunda e a terceira. Parei para descansar, depois de ir junto à minha arma, onde se encontrava também o Soldado, coloquei as granadas completamente inofensivas, juntamente com os fios de tropeçar.
Continuei depois, deixando para trás a mais calcificada.
Levantei a quarta, a quinta e a sexta, levando também os fios de tropeçar de arame, colocando tudo junto das três primeiras. Só faltava uma.
Foi então que segurei num detonador e num pedaço grande de cordão lento (este arde a uma velocidade de um centímetro por segundo).
Fiz o estrangulamento, depois de colocada a ponta do cordão no orifício do detonador, apertei com o alicate, execução feita na cintura do lado direito do meu corpo, para evitar que se o detonador rebentasse não atingisse a cara, principalmente os olhos. Coloquei ambas as peças no buraco do adaptador, utilizando a rosca, para ficar bem preso. Ficou um único objeto. Preparei‑me então para rebentar a última granada armadilhada.
Fiquei então preso pela minha pulseira de prata num arbusto, quando pretendia dirigir‑me ao local ainda longe onde se encontrava a granada armadilhada.
Dei um esticão e continuava prisioneiro da pulseira que tinha o meu nome: Mário Gaspar e no lado oposto o grupo sanguíneo. Voltei a puxar, com mais força. Ouviu‑se um rebentamento. Uma mão havia‑me segurado.
– São eles! Estão a levantar as armadilhas e devem ter morrido! – Ouviu‑se, quase nitidamente do interior do aquartelamento de Gadamael.
O Soldado olhava‑me espantado, apanhando do chão tudo aquilo que lhe havia pedido para desmontar as armadilhas. Eu estava com o detonador estrangulado e com o alicate na mão, parece que sorrindo. Não era hábito meu, desde os rebentamentos dos bagabagas em Ganturé, fazer o estrangulamento senão com os dentes.
A pulseira, depois de ser procurada minuciosamente por todos, não chegou a aparecer. Comprei outra igual mais tarde em Lisboa na Ourivesaria Correia, na Rua do Ouro.
Dirigimo‑nos para a porta de armas. Parece que todos os Zorbas vinham na nossa direção. Foi uma alegria. Perguntou um camarada de armas, depois de nos agarrarem e colocarem‑nos às cavalitas:
– Onde querem que os deixe?
– No cais, dentro de água – disse depois de entregar o tabaco e o isqueiro a um deles. E fomos ao banho. Levaram‑nos para o cais e lançaram‑nos para o rio, todos vestidos (embora só de calções e chinelos). Que rico banho! E alegria estampada no rosto de todos!
Fui tomar banho – que duche! – e vesti‑me, com divisas e tudo.
Farda a rigor, e iniciei uma visita por Gadamael Porto. Já com melhorias significativas e um pouco dignas.
Passados dias embarcámos em Gadamael Porto, depois da Companhia que nos rendeu chegar, rumo a Bissau.
Eu afinal acabei por seguir com os meus camaradas. Pouco me lembro da viagem.
Parece mais que o regresso não existiu, e que eu fiquei lá nas matas e nas bolanhas da Guiné.
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Nota do editor:
Útimo poste da série > 2 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13225: Notas de leitura (596): "História - A Guiné e as ilhas de Cabo Verde", edição do PAIGC com o patrocínio da UNESCO (Mário Beja Santos)
2 comentários:
Imagino, Mário, como esse banho te soube!... Se calhar foi o melhor banho da tua vida!...
Tenho um enorme respeito pelo trabalho dos especialistas em minas e armadilhas. Mais daqueles que as desmontam do que aqueles que as montam. Toda a guerra é "suja", mas as "minas", meu Deus!, são talvez a arma mais suja que se usa na guerra... Pelo menos, na guerra que conhecemos...
Percebo agora por que é que o Mário Gaspar foi também um dos melhores lapidadores de diamantes do mundo... E porque é que esteve na criação e na direção da associação Apoiar...
Até Monte Real, camarada!
Amigo Gaspar:
Acabo de ler a descrição sobre as minas e armadilhas que desativaste e não resisto em deixar aqui uma réplica.
A minha Companhia também teve de desativar os engenhos que tinha montado. A certa altura os especialistas vieram dizer-me que já estava tudo resolvido, mas a montante do Aquartelamento, no primeiro sítio, onde era possível passar para a outra margem, não tinha sido possível detetar o que quer que fosse.
Lá fui eu e provoquei no interior do perímetro provável da instalação das minas A/P vários rebentamentos. Depois, utilizando as crateras para apoiar os pés, distribuí várias cargas que detonei. Utilizando o mesmo método repeti a cena.
No fim, os rebentamentos tinham removido terra e pedras do perímetro crítico. Só não tive direito a banho. Na altura não era permitido tomar banho no rio. Um abraço. - Manuel Vaz
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