1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2013:
Queridos amigos,
Tenho a sorte e a fortuna do meu lado nas escavações na Feira da Ladra, desta feita a edição francesa, patrocinada pela UNESCO, de um manual do PAIGC que não identifica os autores mas que são seguramente vários.
Há para ali um estudo seguro da história africana e não menos seguro da colonização portuguesa da Guiné. Intervieram plumitivos de costela marxista, por tudo e por nada há a exaltação da Revolução de Outubro, até parece que a luta do PAIGC era uma das suas gloriosas projeções.
Teria sido possível elaborar um quadro de propaganda sem chegar a erros tão grosseiros como os 900 militares portugueses mortos na batalha de Como. Só que a História não pode iludir todos estes documentos onde se peca por falta de rigor histórico.
Um abraço do
Mário
História: A Guiné e as Ilhas de Cabo Verde
Beja Santos
Trata-se de uma raridade, uma edição do PAIGC graças à ajuda financeira da UNESCO, Paris, 1974. Pouco depois, a Afrontamento procedia à edição portuguesa, com ligeiras modificações.
Não se sabe quem coordenou o documento, seguramente intervieram conhecedores da história de África, investigadores marxistas e dirigentes políticos do PAIGC. Diga-se em abono da verdade que entre a pré-história de África até à chegada da colonização europeia o livro comporta informação inequivocamente irrelevante, a despeito de algumas pinceladas de inverdades. O leitor interessado (será que os guineenses chegaram a ter acesso, após 1974, a este livro brandido como profissão de fé e bilhete de identidade da Guiné-Bissau?) encontrará no texto um bom resumo do começo do período histórico em África e a emergência do islamismo, segue-se o império do Mali, que dominava todo o sul do rio Níger, até à África Ocidental, do Senegal ao rio Geba, a África dos fins da Idade Média, com destaque para o império do Songhay. Segue-se o meio geográfico das ilhas de Cabo Verde e da Guiné, temos depois comentários ao povoamento cabo-verdiano e aqui começa a propaganda: “Os colonialistas portugueses tentaram opor os cabo-verdianos aos africanos do continente, da mesma forma que eles tentaram opor os africanos de várias etnias entre si. Mas os cabo-verdianos adquiriram consciência da sua condição de africanos e da comunidade de interesses que os une aos africanos do continente; eles adquiriram consciência de que pertencem à mesma comunidade, explorados e reduzidos à miséria pelos colonialistas portugueses; eles uniram-se aos seus irmãos da Guiné (terra de onde os portugueses deportaram os seus avós), pela luta contra o colonialismo português, sob a direção do PAIGC, que foi criada em 1956 por guineenses e cabo-verdianos”.
Ainda na sequência deste percurso histórico africano, temos as origens dos reinos mandingas da Guiné, o apogeu do Gabú (séculos XVI-XVIII) onde se relata que os Mandingas, vindos do Mali, estabeleceram-se na Guiné (sobretudo no que é hoje a região do Gabu) no século XIII. Até ao princípio do século XVI, a autoridade do imperador do Mali exercia-se sobre toda a Guiné, por intermédio dos seus governadores, Mansas e Farins. Depois da queda do império, as províncias tornaram-se reinos independentes. O Gabú irá perder a sua independência com a conquista Fula de 1867. Tem igual interesse a descrição histórica dos povos do litoral e as suas migrações, admitindo-se que ainda há muito para investigar sobre os povos do litoral da Guiné, embora seja um dado assente que no século XV, no momento da chegada dos portugueses, eles viviam praticamente já nestas regiões.
Por grandeza de importância histórica, o texto releva a importância da chegada dos Fulas que terão vindo provavelmente do Vale do Nilo, a aridez do Sará obrigou-os a espalharem-se mais para o Sul. De acordo com a tradição e as crónicas de Tombuctu, um grande conquistador, Coli Tenguela apoderou-se do norte do Futa-Djalon e venceu os Mandingas sem destruir os seus Estados, fundou o reino do Futa-Toro. Data desta época a instalação dos primeiros Fulas e Fulacundas na Guiné (fins do século XV e princípios do século XVI).
O relato africano suspende-se aqui para os autores da obra fazerem emergir os europeus em África e o seu comércio, destacando o sistema dos entrepostos comerciais localizados no litoral, era aqui que se processava o tráfico negreiro.
Regressando à história africana, os autores explanam o comércio de escravos, o desaparecimento dos grandes Estados africanos, o Império Songhay foi destruído pelos marroquinos. É num contexto de apagamento que emergem os Fulas e trazem o proselitismo islâmico. Assim se chegou ao século XIX que vê chegar o termo do sistema colonial tradicional, uma plêiade de exploradores atravessa África em todas as direções, recorde-se que o interior do continente era praticamente desconhecido dos europeus, graças a essas explorações as grandes potências consolidaram as suas posições na costa africana e fizeram tremer a presença portuguesa. Assim se iniciou a conquista territorial, imperativo decorrente da Conferência de Berlim, não havia unidade nacional africana, não era possível oferecer resistência aos exércitos coloniais.
E os autores centram-se na nova colonização portuguesa na Guiné, a substituição por comércio de produtos locais do que fora o comércio de escravos: óleo de palma e coconote, amendoim, borracha, entre outros. O século XIX foi inequivocamente um século de vegetação económica para a Guiné, nem a Convenção Luso-Francesa lhe pôs termo. Ainda se tentou uma companhia majestática, a ideia não vingou, só no século XX é que se impuseram empresas como a CUF. Nos capítulos subsequentes, os autores falam da resistência à colonização portuguesa e depois caraterizam o sistema colonial português. Tomando à letra a cartilha soviética, os autores realçam a revolução russa e os abalos no sistema imperialista, segue-se a II Guerra Mundial e os autores encontram uma relação de causa-efeito entre a extensão do sistema socialista e o afundamento do sistema colonial do imperialismo.
Estamos chegados aos movimentos de libertação africanos, apresenta-se o PAIGC como partido democrático, progressista, anticolonialista e anti-imperialista. Anuncia-se que dois terços do território nacional já tinham sido libertados pelo PAIGC e ilustram-se as fases da luta-armada na Guiné. Em termos de organização económica, dá-se como fundamental a destruição da estrutura económica colonialista e a criação de novas bases económicas nas regiões libertadas da Guiné, onde se aboliu a moeda portuguesa. A escrita agora passou para as mãos de um marxista duro e puro que explana sobre o futuro da humanidade e as forças anti-imperialistas do mundo, a referência são os Estados socialistas e a gloriosa Revolução de Outubro. Caminhando para o termo deste compêndio, dá-se um retrato de Amílcar Cabral e por último temos a proclamação da República.
Nos entretantos, escrevem-se dislates como os 900 mortos que os portugueses teriam sofrido na batalha do Como, a libertação de 60 % do território da Guiné em 1966 e as dezenas de aquartelamentos capturados. Enquanto isto se passa na Guiné, em Cabo Verde afirma-se que a situação política estava radicalizada: revolta dos camponeses de Santo Antão, greves dos estudantes liceais em S. Vicente, greve dos doqueiros, adesão crescente dos cabo-verdianos aos ideais do PAIGC. “As condições amadurecem a passos largos em Cabo Verde para a passagem a uma fase superior da luta. A situação de fome em que vive Cabo Verde é mais um elemento desfavorável para os colonialistas portugueses, incapazes de a resolver, e que atua favoravelmente a uma tomada de consciência das massas em relação ao verdadeiro caráter da dominação colonial portuguesa”.
Uma história que fica para a história e é pena que não se retome desta obra ideias substantivas sobre a história de África, conquanto os conhecimentos se tenham vindo a desenvolver e se sabe mais sobre o passado remoto do continente africano e sobretudo daquele espaço ocidental de onde emergiu a Guiné.
____________-
Nota do editor
Último poste da série de 30 de Maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13214: Notas de leitura (595): "O Corredor da Morte", pelo nosso camarada e tertuliano Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Olá Mário, tenho este livro. Foi-me oferecido por um Alf. que esava em Pirada quando se deu o 25 de Abril e esteve nas "negociações" da passagem de "poderes"...
O livro é propaganda e desta vez nem li bem o que escreves. Parece-me haver uma parte de história de África que pode ter algum interesse.
Abraço, T.
Leio e entendo cada vez melhor o Mário Beja Santos. Diz:
"Há para ali um estudo seguro da história africana e não menos seguro da colonização portuguesa da Guiné. (...) Só que a História não pode iludir todos estes documentos onde se peca por falta de rigor histórico."
Em que ficamos? Nas palavras do Mário Beja Santos temos "um estudo seguro da história africana e não menos seguro da colonização portuguesa da Guiné."
Mas, segundo o mesmo MBS, em todos estes documentos "se peca por falta de rigor histórico."
Como bem ressalva o Torcato Mendonça, estamos na presença de propaganda barata. Estes livros datados e completamente fora da realidade (900 mortos portugueses na ilha de Como!)não ajudam ninguém a entender a nossa História, comum, povos da Guiné e povo português.
Mas ainda há quem acredite nestas patranhas.
Não foi o Mário Beja Santos que há uns atrás, numa interessante polémica comigo, nos tentou convencer da derrota militar das Forças Armadas Armadas Portuguesas, antes do 25 de Abril, em território da Guiné diante das superioridade bélica dos guerrilheiros do PAIGC?
Abraço,
António Graça de Abreu
Enviar um comentário