1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2013:
Queridos amigos,
Oxalá que os nossos confrades guineenses nos elucidem sobre esta história que tem texto e desenho de Luciano da Veiga, publicação da Direção-Geral da Cultura. Parece bizarro que fosse utilizada como material escolar e mesmo que tenha sido concebida como livro de histórias para crianças o seu ecletismo é assombroso na mistura de culturas, no palavrório, será difícil imaginar uma criança guineense entender-se com uma cidade com arranha-céus, soldados napoleónicos e uma criança-herói, Zé Dobrada a banquetear-se com um assado de cachorro… verdadeiramente, a quem se destinava esta história moralizante “Quem semeia o vento colhe a tempestade!”?
Um abraço do
Mário
Quem semeia o vento colhe tempestade!
Beja Santos
Oxalá os nossos confrades guineenses possam ajudar a interpretar esta obra e em que contexto ela era versada na terceira classe, pelo menos nos anos de 1980. O título é vibrante e a imagem da capa tem algo de oriental em contexto africano. A publicação é da editora NIMBA da Direcção-Geral da Cultura, Luciano da Veiga, Bissau 1988. Trata-se de mais uma escavação na Feira da Ladra, o indivíduo acocora-se em frente a um caixote pejado de folhetos, brochuras, programas de ópera, até ementas de lautos jantares e surge o achado desta história do Zé Dobrada, sétimo e último filho de um casal de pobres camponeses. É uma história moralizante, sente-se que há uma adaptação da BD, o ritmo é bom e a mensagem destinada a crianças passa escorreitamente.
Zé Dobrada tem sonhos, quer melhor destino de que viver na Tabanca Djemberem. Órfão de pai, pede à mãe que o deixe partir para explorar o mundo. A mãe nega-se, Zé Dobrada insiste, põe-se ao caminho até chegar à cidade de Balimbote. Pergunta a alguém onde é que pode arranjar emprego, que o adverte: “Amigo, se tens amor à tua vida, aconselho-te a abandonar esta cidade. Aqui não existe respeito pela vida humana, com esse rei no poder ninguém está seguro".
Zé Dobrada está confiante de que há lugar para ele, dirige-se ao palácio do rei, é recebido em audiência, começam os seus tormentos, primeiro vai para o campo às seis da manhã com o cão, tinha que disputar uma corrida com o cão, só havia comida para um, naturalmente que o cão ganhava sempre; com a barriga a apertar de fome, maquinou matar o canídeo e comeu-o; regressou ao palácio e deu ao rei uma falsa explicação sobre a morte do cão; o rei atribuiu-lhe nova tarefa, pastorear dez mil cabeças de gado, Zé Dobrada resolveu oferecer toda a manada à população, chegado à presença do rei disse-lhe que o povo tinha ficado grato por tanta bondade; temendo a fúria do povo, o rei Telamina nomeou-o administrador de um grande armazém cheio de mercadorias, Zé Dobrada ofereceu todo o recheio do armazém ao povo, passada uma semana o rei veio visitá-lo para saber do andamento do negócio e ordenou-lhe que preparasse duas caixas de munições para no dia seguinte caçarem juntos. Zé Dobrada vestiu-se a preceito e lá foi com o rei numa carruagem, pelo caminho viu dois caçadores e deu-lhes os dois caixotes de munições. Quando chegaram ao local onde iriam caçar, Zé Dobrada disse ao rei que tinha oferecido as munições. Encolerizado, o rei manda-o ao castelo para trazer novas munições, Zé Dobrada apresenta-se à rainha e diz-lhe que o rei ordenara que ele casasse imediatamente com a filha Fabíola. A rainha vacila, o rei já tinha prometido a mão da filha ao duque, mas Zé Dobrada prontamente responde que esse casamento estava anulado e que a ordem do casamento com Zé Dobrada era para cumprir imediatamente.
Estava-se na festança, uma boda repleta de gente e saborosos comes e bebes quando apareceu, derreado o rei que fizera o caminho a pé e encontrou sentinela embriagado. O rei perdeu as estribeiras, vai de espada em riste à procura de Zé Dobrada. Segue-se o duelo, Zé Dobrado fere-o, o povo ovaciona-o, Zé Dobrada determina que o rei tirano deverá morrer na forca. E reza o texto: “E assim Zé Dobrada tornou-se rei de Balimbote a pedido do povo, retificou todas as lei ditatoriais restaurando a paz, o sossego e a liberdade de expressão ao povo de Balimbote. Uma semana depois de ter subido ao trono, mandou uma escolta buscar a mãe. Doente se encontrava a mãe, sem comida e já sem forças de ficar em pé, ninguém na tabanca tão-pouco lhe ligava”.
Zé Dobrada manda Zé Claviculo ir buscar a mãe, a escolta parte, a mãe recusa partir mas depois de muita insistência e vendo o lindo vestido que lhe tinham trazido, “deixou-se cair pesadamente aos pés do oficial”. Escorriam-lhe lágrimas de felicidade, tombou para o chão e disse: “Deixai-me morrer aqui, soldados, digam ao meu filho que fiquei contente por saber que conseguiu realizar o seu sonho, mas não posso, o céu clama a minha alma, digam-lhe que morri feliz, ao lado do meu marido e dos seus irmãos e que no céu velaria pela sua vida, dia e noite”. E entregou a alma ao criador. O povo de Balimbote soube sepultar calorosamente a mãe de Zé Dobrada na tabanca de Djemberem, ela era a mãe do salvador daquele povo.
Se é livro de estudo, suscitam-se bastantes interrogações: os soldados trajam indumentária do tempo de Napoleão, o enterro é feito com uma carreta para um cemitério pomposo; há turbantes e calções árabes à mistura com indumentária europeia e africana; vemos cubatas, Balimbote tem arranha-céus e o palácio real lembra o Louvre. Tudo somado, é material errático se acaso se pretende a sua utilização escolar. Além disso o rei zangado chama filho da… a Zé Dobrada, chama-lhe bastardo, porco e percevejo. Seria interessante que os nossos confrades guineenses trouxessem esclarecimento para esta história “Quem semeia o vento colhe tempestade!”.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74- P13230: Notas de leitura (597): Excerto do livro de Mário Gaspar, "O Corredor da Morte", cap 19: desmontando minas e armadilhas nos últimos dias de Gadamael, outubro de 1968
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Deliciosa história! Não parece mas creio que por vias travessas e arrevezadas está lá a Guiné toda.
Bem hajas, Mário Beja Santos.
Abraço,
António Graça de Abreu
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