1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 24 de Setembro de 2014:
Caríssimo Camarada Luís Graça,
Os meus melhores cumprimentos.
Sei, pelo que li, que a história de vida do nosso amigo e grã-tabanqueiro José Carlos Mussá Biai te sensibilizou particularmente. A mim… igualmente, relevando, aqui e agora, o valor positivo das influências do meu/nosso camarada Carvalhido da Ponte exercidas neste contexto, e que se traduzem num sentimento do dever cumprido.
Procurando ajudá-lo na reconstituição/reconstrução das suas memórias de infância vividas connosco na sua terra natal – o Xime –, local onde permanecemos mais de um ano, e onde, com toda a certeza, nos cruzamos muitas vezes, ora nos espaços da Escola, do Aquartelamento e da sua Tabanca, eis o meu pequeno contributo para esse efeito.
OS MENINOS DO XIME DO TEMPO DA CART 3494
- O caso de José Carlos Mussá Biai -
1.INTRODUÇÃO
Muito provavelmente o nome de José Carlos Mussá Biai é já familiar a um grupo significativo de camaradas grã-tabanqueiros, em particular os que, por tradição ou rotina, acompanham a publicação dos textos e imagens [postes] referentes a factos e missões que marcaram aqueles dois anos das nossas vidas no CTIG. Por outro lado, estes contributos individuais, que vão chegando ao blogue diariamente, constituem uma forma original da cultura, pois permitem continuar o aprofundamento do universo fenomenológico dos vários contextos e da sua historiografia.
Porque não me é possível fazer parte desse grupo mais assíduo, naturalmente por outros afazeres sociais e compromissos profissionais, penitencio-me por só agora ter tido conhecimento da existência do cidadão e amigo José Carlos Mussá Biai, membro da nossa TABANCA GRANDE, bem como de parte do seu processo/projecto de vida que, a exemplo de outras opiniões [P10907 - P10919], também me sensibilizaram, pelo que tomei a iniciativa de escrever estas singelas linhas a seu respeito… e, igualmente, a ele dirigidas.
E o modo como chegámos à sua pessoa é simples de relatar.
No blogue da CART 3494 & camaradas da Guiné, ao longo da coluna da direita, por ordem alfabética, estão indicadas todas as etiquetas referentes aos diversos temas e/ou os nomes dos seus autores. Tentando localizar a minha na letra “J” [Jorge Araújo], eis que os meus olhos se fixaram, duas linhas abaixo, no nome de José Carlos Mussá Biai, por ter sido a primeira vez que o líamos.
Cliquei no seu nome por curiosidade e logo o título «No Xime também havia crianças felizes» suscitou a minha melhor atenção. Em primeiro lugar, o Xime, por ter sido o primeiro destino do contingente metropolitano da CART 3494 e onde durante treze meses [1972/73] vivi/vivemos situações dramáticas e experiências únicas nos sítios conhecidos por “Ponta Varela”, “Poindon”,e “Ponta Coli” ou, ainda no “Rio Geba“, tendo o Macaréu como a sua maior armadilha. Em segundo, porque foi no Xime que reforcei a consciência de que o «EU» só é importante se lhe adicionarmos o «OUTRO». Em terceiro, a que criança ou crianças se estavam a referir no texto?
Essa primeira referência [P167, de 03Jan2013] remetia-nos para outras inseridas no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Então saltitei entre ambos no sentido de ficar actualizado quanto aos conteúdos narrados, com o início a verificar-se há oito anos, mais concretamente em 9 Maio de 2005 [P5591].
Assim, o José Carlos, ainda criança no tempo da minha/nossa presença na terra que o viu nascer – o XIME – tinha, então, nove e eu vinte e um anos.
De tudo o que li retive as cinco ideias abaixo:
1. –As companhias que marcaram a sua infância foram a CART 2715 e a CART 3494.
2. – Uma pessoa ficou na sua memória para sempre por ter sido o seu professor na única escola que lá havia: a PEM (Posto Escolar Militar) n.º 8, poro [os] ter ajudado a serem crianças felizes. Essa pessoa chama-se José Luís Carvalhido da Ponte [ex-Furriel Enfermeiro, da CART 3494], natural de Viana do Castelo.
3. – Por ter ficado emocionado com as primeiras fotos que viu da sua terra e das suas gentes. Os locais onde brincou e onde deu alguns mergulhos. As pessoas que o viram nascer, que cuidaram de si e com quem partilhou refeições, angústias e alegrias, em particular os seus irmãos mais velhos.
4. – Depois de um percurso académico na Guiné-Bissau, primeiro como aluno e depois como docente em Bissau, rumou a Lisboa, onde concluiu a sua formação superior em Engenharia Florestal.
5. – Vive e trabalha em Portugal.
Em função destes cinco pontos principais, e porque certamente não existem muitos testemunhos fotográficos dessa época, uma forma de satisfazer o desejo de quem fez parte, também, do meu/nosso quotidiano, foi possível recuperar alguns registos do meu arquivo de memórias do Xime, gravadas há mais de quarenta anos, e fazer uma viagem de retorno às origens, nomeadamente à sua escola primária, a adultos e a crianças do seu tempo, na expectativa de poder identificar algum parente, e quem sabe, se o próprio José Carlos.
2.POSTO ESCOLAR MILITAR N.º 8 - XIME
As fotos que seguidamente se apresentam dizem respeito a uma cerimónia oficial levada a cabo pelo PEM n.º 8, sob a supervisão do camarada Carvalhido da Ponte, e onde também participámos.Não estando certo do motivo da sua realização, creio tratar-se da Sessão Solene Comemorativa do 10 de Junho de 1972.
Foto 1 – Escola Primária do Xime - 1972 –Da direita para a esquerda, representantes da Comunidade Local e os ex-Furriéis: Prof Carvalhido da Ponte [o 1.º Esq.], Sousa Pinto [falecido em 01Abr2012] e José Pacheco [o 1.º Dtª.].
Foto 2 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 2 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 3 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 4 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 4 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM.
Foto 5 – Escola Primária do Xime - 1972 – Alunos do PEM participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em [creio] 10 de Junho de 1972. Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte.
Foto 6 – Tabanca do Xime - 1972 – Grupo de crianças.
Foto 7 – Xime - 1972 – Duas crianças cujo nome não recordo e que amiúde apareciam na Messe de Sargentos, pedindo comida, e que aproveitavam para tomar banho de chuveiro [com água do poço], como foi o caso desta foto [entrada… à esquerda].
Foto 7 – Xime - 1972 – Duas crianças cujo nome não recordo e que amiúde apareciam na Messe de Sargentos, pedindo comida, e que aproveitavam para tomar banho de chuveiro [com água do poço], como foi o caso desta foto [entrada… à esquerda].
Foto 8 – Xime - 1972 – Morança pertença da Fátima [lavadeira]. Ao fundo, de pé, está a sua filha [creio que se chamava Sage].
Foto 9 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?].
Foto 10 – Xime - 1972 – Grupo de Mulheres Grandes, e algumas crianças, preparando-se para participar numa festa [?].
Entretanto, nesta oportunidade, penso ser justo homenagear o camarada Carvalhido da Ponte, enviando-lhe os meus Parabéns pelo seu trabalho bem-sucedido na difícil tarefa pedagógica, fazendo-os acompanhar com a publicação de mais uma foto que ele não conhece.
Foto 12 – 1973 – Na foto, cujo local não consigo identificar, estão o Luís Domingues [Fur.Trms], o Carvalhido da Ponte [Fur.Enfº] e eu próprio. Foi tirada por ocasião de uma coluna de reabastecimento ao Xitole e Saltinho, iniciada em Bambadinca e reforçada, a partir de Mansambo, com 2 GC da CART 3494,em Maio/Junho. Esta coluna foi a minha primeira e única experiência do género, uma vez que em Julho transitámos para o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma.
Foto 12 – 1973 – Na foto, cujo local não consigo identificar, estão o Luís Domingues [Fur.Trms], o Carvalhido da Ponte [Fur.Enfº] e eu próprio. Foi tirada por ocasião de uma coluna de reabastecimento ao Xitole e Saltinho, iniciada em Bambadinca e reforçada, a partir de Mansambo, com 2 GC da CART 3494,em Maio/Junho. Esta coluna foi a minha primeira e única experiência do género, uma vez que em Julho transitámos para o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma.
Igualmente, o nosso amigo José Carlos Mussá Biai merece os meus aplausos pelos diversos sucessos contabilizados ao longo da sua vida, lutando, resistindo e superando-se permanentemente, sinal de que a semente era boa e, daí, ter dado muitos e bons frutos. Para ele vão mais duas imagens do Xime com leituras opostas.
Foto 13 – Xime Dez/1972 – Foto da principal entrada na Tabanca, fronteira com o aquartelamento, a escassos cinquenta metros da Escola. Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados [Edição de MR]
Termino, fazendo votos para que tenham gostado de ver mais algumas imagens históricas do Xime, particularmente o nosso amigo José Carlos Mussá Biai.
Pelo exposto, creio que estamos em óptimas condições para voltarmos a conviver mais de perto. Uma possibilidade será através da participação no Encontro/Convívio anual da CART 3494, este ano em XXIX edição, o qual está já agendado para o próximo dia 07 de Junho, no Hotel Mar e Sol, sito em São Pedro de Moel.
Seria, para nós, um momento de grande emoção.
Outra possibilidade mais pessoal, pois estou disponível para o efeito, seria através de um eventual encontro entre nós, Basta acertar a data e o local.
Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.:
Vd. Também o último poste desta série em:
5 comentários:
Caro Jorge Araújo
Já estou habituado ao rigor e seriedade com que costumas pautar os teus trabalhos.
Sejam eles os mais dramáticos como os que relataste das emboscadas sofridas, sejam alguns aspectos mais ligeiros.
Desta vez a 'pancada' deu-te forte ao descobrires uma ponta de ligação ao teu passado. Sim, porque isso é história, faz parte de ti, do todo que és e foste.
Esta dupla homenagem que fazes, ao José Carlos e ao Carvalhido da Ponte, é fruto dessa tua sensibilidade para perceberes o que é verdadeiramente importante, a amizade, o reconhecimento, a vitória daquilo que dizes que te aconteceu quando percebeste que mais do que o "EU" o que era realmente duradouro seria a partilha com o "OUTRO".
Está aqui um bom trabalho.
Oxalá, e acredito que sim, que se atinja o objectivo.
Abraço
Hélder S.
Vem, a propósito, embora já enviado há 8 dias... O Zé Carlos aprendeu a ler no Posto Escolar do Xime, e hoje é engenheiro florestal, a viver e a trabalhar em Portugal... *Por diversas vezes já maifestou a sua gratidão aos professores do Xime, como o Carvalhido da Ponte... LG
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José Carlos Mussá Biai
20/10/2014
Olá. Luís,
Ao contrário que possa imaginar, quando andava na primária, sabiamos mais da metrópole, Angola e Moçambique do que da Guiné.
Os nomes dos rios, linhas de caminho de ferro, regiões e conquistas portuguesas, não havia nada que não era ensinado. O hino e a bandeira que era hasteada todos os dias não podiam faltar.
Quanto aos manuais, não me recordo bem, mas acho que nos de 1973 já vinham, como disse "pretinho da Guiné" (risos...).
Tenho uma vaga ideia de ter visto o Capitão João Bacar Djaló bem fardado.
Mas o curioso é que nunca esqueci as letras do hino da metrópole e nunca ter aprendido o hino da Guiné "independente".
Mas, são coisas de mininos. Quando acabou a guerra eu já tinha a 4ª classe feita e no preparatório não se ensinava o hino...
Um abraço
José C. Mussá Biai
Comentário que pus no poste P13751, dde 18 do corrente, e ao qual respondeu o Mussá Biai:
Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"...
Imagino que não fosse fácil ao Carvalhido da Ponte explicar ao José Carlos Mussá Biai, mandinga e muçulmano, do Xime, que nunca tinha sido da sua tabanca, o que era a pátria, ou significado da bandeira nacional, ou letra do nosso hino, ou a diferença entre um minhoto e um algarvio...
Ou ainda explicar as lendas das mouras encantadas do nosso romanceiro popular. Ou a conqnuista de Lisboa aos mouros. Ou ainda a lenda do Infante Santo... Muito menos as guerras de religião, no passado, enter cristãos e mouros...
Em todo o caso, o mais importante é que o José Carlos Mussá tenha aprendido a ler escrever, graças ao posta escolar militar do Xime, e a tenha chegado à universidade, sendo engenheiro florestal, se não erro. E trabalhando e vivendo em Portugal, como português e sem nunca esquecer as sua raízes guineenses.
Meus amigos,
Nós, os meninos açorianos e madeirenses, aprendemos por cartilhas iguais aqui referenciadas pelo Luís Graça. Até deu para não nos perdermos durante a nossa descoberta do caminho marítimo para a Guiné. Bem bom!
O que importa é que o José Carlos aprendeu connosco e depois, por si, conseguiu ir mais longe nos seus estudos. Hoje pöe o que aprendeu ao serviço das populações em que está inserido. E nós fazemos parte dessa comunidade.
Cumprimentos,
José Câmara
Caro Luis Graca e amigos,
O Carlos Mussa diz "...Hino da Metropole...", errado.
O Hino a que se refere nao era da metropole, mas sim de Portugal e, na altura, eramos todos portugueses, de facto ou de juri.
Ainda em 1972 o meu irmao mais velho que veio a Bissau para prosseguir os seus estudos, ja tinha o seu Bilhete de Identidade de cidadao portugues.
Acho que os manuais do ensino primario, na altura, eram iguais para as Provincias ultramarinas e nao me recordo de ter visto a cara de nenhum "pretinho da Guine".
Tal como o Carlos Mussa refere, tambem sabia entoar o Hino de Portugal da mesma forma que a partir de Setembro 1974 ja entoava o novo Hino da Guine-Bissau cada qual mais aguerrido e heroico que o outro, umsa tretas.
Com abraco amigos,
Cherno Balde
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