Septuagésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Dia 9 de Julho de 2014
Resumo do décimo nono dia
Lavámos os vidros do Jeep, não muito bem, mas a
condução já oferecia alguma segurança, era manhã. Depois de andar alguns quilómetros pela estrada número
2, seguimos pela número 3 e, depois de percorrer a
cidade de Lethbridge, que dizem que é uma importante
cidade da província de Alberta, sendo a terceira em área e
a quarta em população e, no século passado, as suas
minas de carvão, fizeram dela uma próspera cidade, onde
ainda hoje é bom local para se viver.
Ainda dentro da cidade, seguimos pela estrada número 4,
onde passado algum tempo, nos aparece um cenário de
quintas, muitos celeiros para armazenar cereais,
pastagens com muitas vacas, tudo em funcionamento,
nada abandonado, que nos levou à fronteira com os USA,
na povoação de Sweet Grass, onde termina a famosa
auto estrada número 15, que atravessa os USA desde o
México ao Canadá e cuja povoação tem um posto
fronteiriço que abriu no ano de 2004, onde em tempos
viveu um tal Earl W. Bascom, que era um famoso cowboy,
artista, escultor, actor e inventor, que fazia as mais
deliriantes “cowboyadas” num rancho que era propriedade
do seu primo, em Kicking Horse Creek, muito próximo de
Sweetgrass Hills.
Para nós, que entrámos pelo norte, a estrada começou
onde um funcionário da alfândega nos fez quase as
mesmas perguntas, continuando nós a responder que
sim, levávamos ainda algumas garrafas de vinho, que
tinham vindo de nossa casa, na Florida, ao que ele sorriu,
levantando a mão e, com um sorriso ainda maior,
desejou-nos um “Welcome Room”.
Estávamos nos USA, no estado de Montana, onde já
passámos na viagem de ida, quando explicámos um pouco da
sua história, no entanto podemos acrescentar, só por
curiosidade, que em alguns lugares a gasolina é mais
cara que o gasóleo e, contam-se centenas de histórias. Quando por volta do ano de 1850, o estado era
escassamente povoado, descobriram ouro, rapidamente
as pessoas afluíram, todos queriam ficar ricos, o ouro
passou a ser o principal motor da economia da região, era
tanto, que os empregados “chineses”, que eram os que
lavavam a roupa dos mineiros, encontravam quilos de
ouro nos ribeiros, onde iam buscar a água para lavar a
roupa. Naquela altura, o que existia a mais em ouro,
faltava em cumprimento da lei, os ditos “xerifes”, eram a
lei, mas eles próprios a violavam, pois o ouro andava de
mão em mão, comprava tudo, ignoravam assaltos,
assassinatos, que eram frequentes na região, muitas
pessoas, sentindo-se desprotegidas, decidiram tomar as
leis em suas próprias mãos, surgindo assim, os ditos
“vigilantes”.
Bem, já chega de história, nós seguimos pela autoestrada
número 15, direcção sul, agora um trajecto que
ainda não tínhamos trilhado, portanto diferente, podíamos
viajar bem nesta larga e, em alguns locais deserta
estrada, passámos pela cidade de Great Falls, onde não
parámos, seguimos até à capital, que é a cidade de
Helena, onde também não parámos, aqui desviámo-nos
pela estrada número 287, que é uma estrada com
cenário, onde se podem ver alguns rios, lagos, montanhas,
vales e planícies extensas, com o sol refletindo no verde
escuro do terreno, com alguns búfalos pastando, longe
uns dos outros em algumas áreas e, pequenas manadas
em outras zonas, parecendo grandes extensões de
terreno de uma só propriedade, talvez animais perdidos,
não sabemos, mas o cenário era encantador, convidava a
parar, sentar-se numa cadeira e admirar por horas, talvez
dias, anos, ou pelo resto das nossas vidas.
Nestas planícies notava-se a ausência do célebre arame
farpado, que foi uma invenção que nasceu na década de
1870, permitindo ao gado viver em áreas confinadas e
designadas, para evitar o pastoreio dos animais em áreas
circunvizinhas, principalmente no estado do Texas. O
aumento da população, no que dizia respeito aos
agricultores que se dedicavam à produção e pastoreio de
gado, queriam cercar as suas terras, para as fazerem
individuais. Isso trouxe um drama inicial considerável para
as outras pastagens. Esta invenção feita com cercas de
enorme extensão, era muito mais barato do que a
contratação de cowboys para lidar com o gado e mantê-lo
fora das outras propriedades e, até das terras
consideradas federais.
Na década de 1880 ocorreram muitos conflitos, muitas
vezes sem qualquer relação à propriedade da terra ou
outras necessidades públicas, pois tinha que haver
corredores, ou seja vias públicas, onde se pudesse
passar, tais como para a passagem de pessoas e bens,
que seguiam nas “diligências”, entrega de correio ou
movimentação de outros tipos de animais.
Diversas leis estaduais autorizaram os “vigilantes”, que
tentaram impor-se à construção das cercas do arame
farpado, mas esse combate teve um sucesso variável e
o arame farpado, por volta da década de 1890, foi
removido em algumas áreas.
Nos estados do norte, o pastoreio de animais era em
escala aberta, ou seja, era livre de fronteiras, mesmo
assim, a forragem de inverno era insuficiente para o gado
e a fome, especialmente durante o rigoroso inverno de
1886-1887, quando centenas de milhares de animais
morreram em todo o Noroeste, levando ao colapso da
indústria do gado, assim, na década de 1890, a cerca do
arame farpado, também foi padrão, nas planícies do
norte, principalmente protegendo as ferrovias, construídas
mais perto de grandes áreas de pecuária, fazendo
movimentações do gado ao longo do Texas para os
terminais ferroviários em Kansas.
Sem querer já ia outra vez com a história, bem
continuando a nossa jornada, rumo ao sul, já era ao
anoitecer, quando chegámos ao parque de campismo de
Canyon Ferry Lake, na vila de Townsend, ainda no estado
de Montana, à beira de um grande lago, onde chegavam
e partiam pessoas, com barcos que atracavam num cais
que ali existia, alguns contentes, mostrando peixes. Aqui
preparámos alguma comida e, pela madrugada, houve um
vento forte, chuva e trovoada, o que nos acordou e
assustou, pois a nossa caravana abanava e a chuva
entrou pela janela que estava só com a rede.
Neste dia percorremos 527 milhas, com o preço da
gasolina a variar entre $3.78 e $4.12 o galão, que são
aproximadamente 4 litros.
Tony Borie
____________
Nota do editor
Último poste da série de 22 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13928: Bom ou mau tempo na bolanha (75): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (16) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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5 comentários:
Da Florida ao Alaska
Caros camarigos
Tenho acompanhado a narrativa da vossa odisseia e fico agradado com a vossa escrita, acompanhada de imagens fabulosas. Seria interessante ver tudo em livro. Não é possível?
um abraço para todos vós.
Manuel Reis
Não perco uma reportagem do Tony.
Fabulosas as fotografias que nos dizem bastante de um país moderno, próspero, limpo, e daquilo que se dizia antigamente "América País de Deus".
Mas desculpa Tony, diz-me, na América não tem gente?
Quilómetros e quilómetros nem um indiozinho nem um cóbóizito à solta?
Nem uma palhota nem uma cabana do pai tomás?
Ainda um dia nos vais explicar.
No Brasil dizem que os portugas acabámos com os índios, e aí nos EUA não acusam os ingleses do mesmo?
Ou foi o excesso de controle de natalidade a causa do fenómeno?
Parabens pelas tuas reportagens
Caro Tony
Como vez não sou só eu a pensar que seria interessante um livro teu desde a tua escola primária passando por Mansoa e USA.
Um abraço
Colaço.
Sinceramente, estou em desacordo por este blogue postear e poblicar fotografias que não tem nada a ver com a Guerra Colonial da Guiné.
Tenho camaradas que estiveram comigo no posto de radio de Nova Lamego, que há muito tempo trabalham em Espanha, mas não mandam fotografias de madrid ou outra cidade qualquer para serem inceridas e poblicadas no blog.
Façam aquilo que entenderem, e eu quando achar que o blogue perdeu a sua genuinidade e identidade, deixo de o visitar.
Tudo aquilo que não seja relacionado com a guerra da guine, suas gentes e paisagens, é palha que estão a publicar no blog.
Mas eu nã sou nem quero ser dono da verdade.
Cumprimentos para todos vós. !
Olá companheiros.
Ao Manuel Reis e ao José Colaço, obrigado pelos vossos simpáticos comentários e, mais cedo ou mais tarde terá que ser editado um ou mais livros, pois por aqui dizem-me o mesmo, comentando a minha modesta colaboração, em outras publicações, tanto dirigidas à comunidade portuguesa, como em outras publicações em idioma inglês, para outras comunidades, mas vocês, que andaram por lá, comendo arroz e peixe da bolanha, vão ser os primeiros a saberem!.
Ao António Rosinha, profundo conhecedor do fenómeno emigração e, de deslocações de pessoas do lugar onde nasceram para outras paragens, pelo que por aqui tenho observado, ainda existem algumas aldeias, principalmente nos estados do interior e norte, do que nas películas de Hollywood chamam de "Índios e Cowboys", mas é muito raro cavalgarem "mustangues" ou viverem nas tendas feitas de paus e peles de bisons, pelo contrário, alguns guiam potentes carros, motos e pick-ups, são accionistas de "casinos", que se instalaram nas suas terras, que foram transformadas em centros de turismo, todavia ainda existem nessas aldeias pessoas mesmo pobres, onde o álcool e outros fenómenos, transformaram essas pessoas.
Um abraço e bem haja a todos,
Tony Borie.
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