1. Em mensagem do dia 23 de Dezembro de 2014, o nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), enviou-nos este poema intitulado Eu e a Mina.
Caros Camaradas
Envio aquilo que denomino por “poésia” – e não poesia – porque não tenho pretensões em ser poeta.
Gostaria de saber a vossa opinião.
Um Bom Natal e um Feliz Ano de 2015
Mário Vitorino Gaspar(a)
Eu e a Mina
Mário Vitorino Gaspar
De Gadamael Porto a picar,
até Guileje, “o corredor da morte”,
para emboscada montar.
A vontade é mais forte.
Picar, o perigo ameaça,
A CART 1659 é heroína.
Vencerá com raça.
Gritaram: - Mina, mina!
Rebentá-la? Deu-me na tola
a mina levantar.
Não vou dar à sola?
E se estoirar?
Estou sereno!
A vida é uma flor,
Vou ser seu amigo pleno.
Voz do interior:
– São irmãos. Dá-lhe um beijo!
Minha mente esvaziou.
Anestesiado, tudo claro e vejo
a mina a sorrir. Me mirou.
– Queres-me enganar?
Eu e ela, só os dois,
Vamos então conversar?
– A guerra continua. E depois?
Estendi os braços,
fazer as pazes?
Fiquei de olhos límpidos e baços,
a vida estava para os audazes,
Se não te conseguir desmontar:
– Meu amor, minha rica menina,
Vais de certeza me matar!
Minha querida mina!
Mirei-a, sem ódios e enganos,
a mina grata pela nossa amizade, afinal,
feita para matar e com planos
é um ser simples e banal,
arma mortífera e traiçoeira. Foi uma fada.
Cheirei-a, vi-lhe nos olhos a morte. Sei!
Livrei-me de uma grande alhada.
Mas nunca a gozei.
(a) - Ex-Furriel Miliciano – Atirador e com a Especialidade de Minas e Armadilhas – sempre dei o meu contributo, no período da minha comissão, de corpo aberto, especificamente para com os engenhos explosivos. Podendo dizer com respeito por estes e amor. Conseguia dominar-me e entrar num outro mundo. Anestesiado – posso dizê-lo – tudo era mais claro do que nunca, e atento sempre ao mínimo pormenor. Atingia o auge nestas circunstâncias.
Passava-se o mesmo nas Operações.
Numa primeira fase quando em contacto com o adversário, o coração acelera e volta em um, dois ou três segundos à tal situação.
Sei que hoje se pode explicar – pelo menos nos saltos de paraquedas através de um aparelho que os “páras” conhecem – mas que ignoro o nome.
Penso, e sei que é um assunto que deveria ser estudado que o “Herói não existe, o heroísmo – se existisse era filho do medo – portanto para mim não existem heróis”.
De certo uns se distinguiram, mas fruto do que acabo de afirmar.
Lisboa, 23 de Dezembro de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14090: Blogpoesia (398): O Natal Segundo Jesus Cristo (Edgar Mata / Belarmino Sardinha)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Camarada Mário Gaspar:
No teu pequeno poema está tudo.
O medo, a consciência do perigo, a sabedoria e a adrenlina para o enfrentar, mesmos com alguns riscos.
Fora destes parâmetros todos sabemos que não há outros herois.
Em poucas palavras deste-nos uma grande lição de gerra de humanidade e de poesia
Um Bom Ano e um grande abraço.
Francisco Baptista
Mário, o teu poema terá que figurar, por direito próprio, numa futura antologia de textos poéticos sobre a guerra colonial... E em especial sobre a que nos coube em sorte, no TO da Guiné...
Poucos, como tu, poderão escrever, com autenticidade, um texto como este sobre a atração-repulsa que um engenho mortífero como uma mina de guerra (A/C, A/P) pode causar num ser humano. Está lá tudo, como o Francisco Baptista que é uma camarada com especial sensibilidade para ler/entender a poesia...
(...) Estendi os braços,
fazer as pazes?
Fiquei de olhos límpidos e baços,
a vida estava para os audazes,
Se não te conseguir desmontar:
– Meu amor, minha rica menina,
Vais de certeza me matar!
Minha querida mina! (...)
Há algo de estranhamente erótico na nossa relação com a morte. Li o teu poema e um calafrio percorreu-me a espinha. Nunca montei nem desmontei minas. Mas saltei sobre uma A/C... E essa experiência brutal nunca a irei esquecer até ao resto dos meus dias...
Mário, percebo agora porque é que um dos melhores sapadores do TO da Guiné também foi um dos melhores lapidadores de diamantes do mundo...
Quero que tenhas um ano de 2015 com mais e melhor saúde. Porque tu mereces!... Luis
Meu caro camarada Mário Gaspar:
A este texto chama-lhe o que quiseres, "poésia", "poêsia, "poisia", que nada altera a POESIA que nele está e que dele emana. Concordo com o Luís Graça quanto à sua fixação numa boa antologia poética sobre a guerra colonial.
Como pediste opinião, aqui vai a minha, a de alguém que de poesia só sabe gostar muito e que, por isso mesmo, vai recolher este teu belo trabalho para o juntar a outros textos marcantes sobre a "nossa" guerra colonial.
Alguns dos seus versos são muito emocionantes e, para mim, a poesia tem de transmitir emoção. É um texto com muita força poética.
No entanto penso que o poema perde algum vigor com a primeira estrofe como está. A referência à CART 1659 poderia ir em nota extratexto, ficando os dois primeiros e o último versos dessa estrofe juntos, sozinhos ou acompanhados de novos versos.
Um grande abraço, com votos de rápidas melhoras
Manuel Joaquim
Mário, aceita o elogio e a nota crítica do nosso prof Manuel Joaquim. A ideia-força mantém-se, está lá no poema, precisa agora de ser trabalhada, "burilada", expurgada das excrecências... É como um diamante bruto... Quem faz poesia, sabe que às vezes +e preciso andar semanas e semanas a trabalhar o poema...
Como toda a criação artística, a poesia também +e feita de 10% de inspiração e de 90% de transpiração...
Força, camarada, e não te subvalorizes! LG
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