domingo, 31 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14683: Libertando-me (Tony Borié) (19): ...É o destino

Décimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




As pessoas mais ou menos da nossa idade, quando as coisas não correm em conformidade com os seus desejos, normalmente dizem: “É o destino”.

Neste caso, ”O Destino” foi termos nascido nesse “cantinho à beira-mar plantado”, foi termos idade adulta naqueles anos para sermos militares, participando na “Guerra do Ultramar”, que Portugal manteve “orgulhosamente só”, foi sermos perseguidos pela então “Polícia do Estado”, foi vermos alguma oportunidade de vida, de liberdade, podendo criar uma família, na emigração, no outro lado do Atlântico, muito longe desse sol radiante, onde às vezes fazia geada pela manhã, a que os nossos vizinhos chamavam “orvalho”, foi ter havido uma greve, na companhia aérea que viaja pelo mundo com a bandeira de Portugal, houve atrasos, ainda os há, mas nós, não pedíamos mais nada, só adquirir dois normais bilhetes para ter lugar nos aviões, daqui de New Jersey para onde nos queríamos deslocar, mais exactamente para atravessar o Atlântico, usando como destino a cidade de Lisboa.

Não era nossa intenção ir para uma aventura em qualquer floresta no Bali, numa perspectiva diferente desta incrível ilha, onde os arrozais podem cobrir cerca de vinte por cento de toda a ilha, com densas florestas do interior, mas nas áreas mais secas, podemos esperar um matagal, com algumas savanas, onde os cones vulcânicos nos surpreendem com paisagens estéreis.

Não era nossa intenção ir para as “Cataratas de Iguaçu”, na fronteira do Brasil com a Argentina, onde chamam “Cataratas del Iguazú”, onde existe um conjunto de cerca de 275 quedas de água, localizado na bacia hidrográfica do rio Paraná, com cerca de 250 mil hectares de floresta subtropical, que já é considerada Património Natural de Humanidade.

Não era nossa intenção ir conhecer uma qualquer Igreja perdida na Ilha de Lewis, no mar da Escócia, ou ver a cidade arqueológica Maya, de “Chichén Itzá” cujo nome tem raiz Maya, que significa "pessoas que vivem na beira da água", no norte no México, localizada no estado de Lucatã, que funcionou como centro político e económico da civilização Maya, onde ainda hoje se encontram várias estruturas como a Pirâmide de Kukulkán, o Templo de Chac Mool, a Praça das Mil Colunas ou o Campo de Jogos dos Prisioneiros, que podem ainda ser admiradas e são demonstrativas de um extraordinário compromisso para com a composição e espaço arquitetónico, e claro, também foi declarada Património Mundial da Unesco.

Não era nossa intenção ir visitar o “Monte Merapi” na Indonésia, (Merapi, em indonésio significa “Gunung Merapi”), que por sua vez significa Montanha do Fogo, que é um vulcão localizado na ilha indonésia de Jawa, que atinge os 2968 metros de altitude, e que tem a particularidade de ser o vulcão mais activo da Indonésia, país que tem a maior densidade de vulcões do mundo.

Não era nossa intenção ir de visita à cidade perdida “Machu Picchu” também chamada "cidade perdida dos Incas”, que é uma cidade pré-colombiana, bem conservada, localizada no topo de uma montanha, a cerca de 2400 metros de altitude, no vale do rio Urabamba, no actual País, chamado Peru, que é provavelmente o símbolo mais típico do Império Inca, quer devido à sua original localização e características geológicas, quer devido à sua descoberta tardia, somente no ano de 1911, onde apenas cerca de 30% da cidade é de construção original, o restante foi reconstruído. As áreas reconstruídas são facilmente reconhecidas pelo encaixe entre as pedras, mas a construção original é formada por pedras maiores, com encaixes com pouco espaço entre as rochas, dividindo-se em duas grandes áreas, a agrícola, formada principalmente por terraços e recintos de armazenagem de alimentos, e a outra, a urbana, na qual se destaca a zona sagrada, com templos, praças e mausoléus reais.

Estava longe do nosso pensamento ir até às dunas de areia, no deserto da Austrália, que por lá chamam “Kurnell Dunas”, está estimado em cerca de 15.000 anos de idade, sendo formadas quando o mar atingiu o seu nível actual, começando por se estabilizar onde uns rios que por lá existiam fluíram para o sul-leste sob o actual sistema de dunas e, se juntou ao oceano, claro, isto resultou no isolamento de Kurnell, que era uma ilha do continente, e os rios, eventualmente, ficaram bloqueados com o acumular da areia e sedimentos, e é fácil compreender, com os rios assoreados gradualmente, foram forçados a mudar seu curso.

Também não era nossa intenção ir ao “Palácio de Jaipur”, na Índia, que inclui os palácios Chandra Mahal e Mubarak Mahal e outros edifícios que formam o complexo do Palácio em Jaipur, a capital do Estado de Rajasthan, que foi residência do marajá de Jaipur, o chefe do clã Kachwaha Rajput, onde hoje se abriga um museu, mas a maior parte deste complexo ainda é uma residência real, onde se incorpora um conjunto impressionante de pátios, jardins e edifícios, onde os seus arquitetos conseguiram uma fusão do Shilpa Shastra da arquitetura indiana com Rajput, Mughal e, alguns estilos europeus de arquitectura.

Longe do nosso pensamento estava ver as “Cataratas Vitória” a que também chamam “Quedas Vitória”, que são das mais espectaculares do mundo, situando-se no Rio Zambeze, mais propriamente na fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabwé, que têm cerca de 1,5 km de largura e uma altura máxima de 128 metros, vistas em 1855 por um explorador escocês, que foi o primeiro ocidental a vê-las, e que lhes deu o nome em honra da rainha Vitória, mas o nome do local é Mosi-oa-Tunya, que quer dizer "fumo que troveja". Diz-se que o explorador português Serpa Pinto também contribuiu para que aquela zona ficasse mais acessível o que ocorreu por volta do ano de 1905, com a construção de uma linha do caminho de ferro.

Não queríamos ir ao Curral das Freiras na nossa Ilha da Madeira, onde no princípio da colonização possuía apenas a designação de Curral, ou Curral da Serra, derivando esta do facto de ser este local um centro de pastagens, mas a passagem da denominação de Curral ou Curral da Serra para a de Curral das Freiras terá acontecido segundo uns autores entre 1492 e 1497, aquando da passagem da propriedade dos terrenos para a posse das freiras do convento de Santa Clara, segundo outros, dizem, só se tenha verificado mais tarde, em 1566 aquando do saque da cidade do Funchal por corsários franceses, o que fez com que as religiosas do convento de Santa Clara se refugiassem ali, nas suas propriedades, talvez para não serem violadas.

Não vamos dizer que não queríamos ir à Ilha de Kiribati na Micronésia, que é o primeiro país do mundo a mudar de ano, na ilha de Kiritimati, devido ao fuso horário, pois Kiribati é o país mais adiantado em questão de horário e, como consequência das mudanças climáticas em curso no planeta, especula-se que a existência do país esteja ameaçada, estando as ilhas de Kiribati condenadas a desaparecer.





Porque o texto já vai longo, não vamos dizer que não queríamos ir até à Patagónia, onde existe uma grande concentração de “pinguins”, pois na verdade o queríamos era que todos chegassem a um acordo, não houvesse greves, não houvesse atrasos, era podermos adquirir dois bilhetes normais, numa data normal, num dos aviões que descolam de New Jersey, atravessam o Atlântico, aterrando pela madrugada nesse País distante, na Península Ibérica, era ir ver as nossas raízes, ir cumprir uma “promessa” da esposa e companheira, conhecer pessoalmente alguns companheiros combatentes que já considero a minha segunda família, ver aquela mulher descendo a montanha, a caminho da sua aldeia rural, com uns restos da planta de milho às costas, desviando-se dos arbustos que lhe tocam constantemente nas pernas, ferindo-a, mas não se queixa, vem descalça, não usa, ou talvez nunca usou sapatos e, quando lhe falam, podemos capturar na sua face um sorriso inocente de bondade, fazendo com que nós, a viver por aqui, viajantes do mundo, nos sintamos portugueses, mas a viver e a adquirir os costumes duma terra estrangeira.


Seja qual for a razão, estas são as histórias que transformam o emigrante, viajante do mundo, não importando os anos de ausência do seu País, nunca perdeu as suas raízes, sendo talvez um verdadeiro “Indiana Jones”.

Tony Borie,Maio de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14655: Libertando-me (Tony Borié) (18): Os carapaus em molho de escabeche da Ti'Glória

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Nitidamente Tony, és um verdadeiro compatriota descendente de um Bartolomeu Dias, de um Pedro Álvares Cabral e como dizem que Colombo é de Cuba do Alentejo, terás o ADN desta gente toda.
Mas quem te podia prender nestas minúsculas quatro paredes rectangulares?

Com tanta "gana" de liberdade quem segura quem?

Até admira como houve portugueses que nunca viajaram e podiam-no fazer.

Apenas foram uma única vez Mérida aqui a dois passos.

Cumprimentos

José Botelho Colaço disse...

Tony tens mesmo que mandar reservar os bilhetes para Abril de 2016 e marcares encontro no almoço de convívio anual da Tabanca Grande.

Um abraço
Colaço.