segunda-feira, 1 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14685: Notas de leitura (721): “Féroce Guinée”, por Gérard de Villiers, Éditions Gérard de Villiers, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
Gérard de Villiers escreveu centenas de quilómetros de uma literatura de aventuras e de espionagem que tinha a sua singularidade: o autor explorava as atmosferas de golpes de Estado, guerras civis, máfias das armas, tentativas da CIA em depor líderes políticos inconvenientes, documentava-se minuciosamente e enviava o seu herói Malko Linge para dentro do furação, de onde airosamente se desembaraçava das missões mais espinhosas.
Isto vem a talhe de foice por causa da Guiné-Bissau onde decorre “Féroce Guinée”, com muita violência, uma beldade e descrições de sexo com pornografia suave.
Espero que gostem… E espero que esta Guiné vá desaparecendo com o regresso ao Estado de direito.

Um abraço do
Mário


Gérard de Villiers e a Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

Gérard de Villiers (1929-2013) vendeu milhões de exemplares, foi um dos mais populares autores franceses dos anos 1960 à atualidade. Tinha um herói recorrente: Malko Linge, também conhecido por S.A.S. Descrevia-se como “declaradamente à direita, liberal, anticomunista, anti-islâmico, anti-comunitário, antissocialista”. Desdenhado pela classe bem-pensante seria lido pelos diplomatas, na medida em que frequentava os palcos onde se desenrolavam os seus romances, era claramente um autor bem documentado e um hábil narrador de ambientes. Aqui há uns tempos, o embaixador Francisco Seixas da Costa assinalou o seu óbito: “Durante anos, usei os seus livros para antecipar a visita a alguns países mais bizarros, onde ele ia situando as façanhas do seu herói intemporal, o agente da CIA, o príncipe austríce Malko Linge. Já aqui falei do seu curioso livro sobre a Lisboa revolucionária de 1975. Em Angola, recordo-me de ter lido, divertido, as descrições dos salões do Hotel Trópico nas páginas de um thriller sobre a guerra civil local onde, como era seu hábito, sempre havia muita violência e sexo. Não sei se recomende, o talvez o faça apenas pela curiosidade que representa o seu livro sobre a Guiné-Bissau intitulado “Féroce Guinée”, centrado nos militares e no tráfico da droga (Villiers trabalhava com a realidade…), como habitualmente com belas mulheres à mistura, de que as capas dos volumes sempre destacavam as qualidades mais salientes”.

Vamos então falar de “Féroce Guinée”, por Gérard de Villiers, Éditions Gérard de Villiers, 2014, custa no mercado francês 7,50 €, na Livraria Francesa em Lisboa, por encomenda, 9 €. O agente da CIA Fred Lemon está em Bissau e dirige-se ao aparthotel Jordani (onde jantei em 30 de Novembro de 2010, era uma noite de calor abrasador, saboreava um peixe e via neve em Bragança, pelo televisor). Bissau cai aos bocados, as velhas fachadas nos tempos coloniais estão roídas pela humidade, o alcatrão das ruas desaparece. A Guiné-Bissau caminha para uma não-existência. Em 2006, surgiu uma nova receita a complementar as castanhas de caju: a cocaína proveniente da Venezuela e da Colômbia. A partir desse momento, o país tornou-se uma placa-giratória nos narcotraficantes colombianos. É no hotel Jordani que está previsto o encontro com o seu elemento de ligação local Djallo Samdu, que trabalha nos serviços de informação militar, é um Fula vigiado pelos Balantas, é a etnia maioritária no exército. A CIA não tinha elementos em Bissau, mesmo a DEA (Drug Enforcement Administration) ignorava Bissau, partindo do pressuposto que esta cocaína ia diretamente para a Europa. Mas surgira um dado novo, um comando mauritano de islâmicos radicais do AQMI (Al Qaeda no Magreb Islâmico) apresentara-se em Bissau, fora detido e depois todos se evadiram. A CIA pretendia uma resposta: que tramavam os radicais em Bissau?

Enquanto Fred Lemon aguarda a chegada do seu pivô, é “assaltado” por três beldades e temos sexo escaldante. Chega Djallo, põe as meninas na rua, entra-se nos assuntos da espionagem. O aliado guineense dos narcotraficantes é o contra-almirante José Américo Bubo Na Tchuto, trata-se de um delinquente que aterroriza a sociedade civil e política da Guiné. Djallo informa o agente de que os farmacêuticos são mauritanos, um dos três radicais evadidos, Sidi Oulm Sidina tem um encontro aprazado na farmácia Yacine. Lemon vigia a manobra, vê sair o radical islâmico que transporta uma encomenda debaixo do braço, provavelmente dinheiro para entregar a alguém, é transportado para casa do contra-almirante, o agente segue-os, foi referenciado, é detido, tenta fugir, depois de ter conseguido enviar uma mensagem para a embaixada norte-americana, é horrivelmente esquartejado.

É agora que Malko entra em ação. O chefe da estação da CIA em Dakar informa-o do que se passou, explica-lhe que os Balantas esquartejam os seus inimigos, já o tinham feito com Nino Vieira, mas há algo nesta mutilação que só pode ter sido feito por alguém vindo da Argélia ou Mauritânia, Lemon aparecera com a cabeça fendida à catanada. O autor aproveita para explicar que a Guiné-Bissau é o quinto país mais pobre do mundo com um rendimento anual por habitante de 700 dólares, um território que se degrada ano após ano, desapareceu energia elétrica, o saneamento, os serviços de saúde só funcionam com a cooperação internacional, o mesmo se passa com a educação, não há polícia, não há correios, ninguém sabe o que é segurança social.

Malko tem várias questões para resolver: vingar a morte de Lemon, saber o que os radicais islâmicos tramam com Bubo Na Tchuto, se inclusivamente se prepara um golpe de Estado efetivo, quem são os colombianos que com ele negoceiam e como atuam. Os seus elementos de ligação em Bissau serão Djallo Samdu, Frank Martal, o concessionário da Rover que lhe cederá um motorista bem informado, Yahia. Começa a exploração de Bissau num Range Rover, Yahia vai-lhe mostrando os pontos principais. Frank esclarece o agente acerca do poder desmesurado do contra-almirante, patrão do arquipélago dos Bijagós, já liquidou os seus principais rivais, o primeiro-ministro Carlos Gomes Junior foi intimado a não regressar à Guiné-Bissau, já conseguiu neutralizar o novo Chefe do Estado-Maior Zamora Induta. É nisto que chega a namorada do temível Bubo Na Tchuto, uma mestiça de rara beleza, vem pedir uma reparação do seu leitor de CD, Malko vai discretamente atrás dela e encontram-se na piscina do hotel Bissau Palace. Entabula conversa com Agustinha, esta cria distância, lembra-lhe que o contra-almirante é um ciumento perigoso. É nisto que chega ao hotel o traficante colombiano Luís Miguel Carrera que conduz Agustinha à sua casa e temos mais sexo escaldante. Carrera envia mensagens a Bubo, está a chegar um carregamento impressionante.

Frank Martal prepara um encontro entre o agente da CIA e um importante informador guineense, de nome Lamine, num restaurante da Praça Che Guevara. Lamine é um homem untuoso, tem que se questionado a saca-rolhas, Malko procura esclarecimento sobre o peso real de Bubo e qual o nível dos seus negócios. Malko pede para ser apresentado a Bubo. Marcam novo encontro para breve. Lamine dirige-se a Bubo que lhe fala num representante da União Europeia que lhe pediu uma entrevista.

Nessa mesma noite, Djallo interpela à sorrelfa Malko, deve partir imediatamente, tem a cabeça a prémio, sabe que Lemon foi assassinado em casa de Bubo, um dos seus mercenários pretende vender o seu relógio, um Breitling, Djallo adianta que Lemon sabia da operação do levantamento de dinheiro a partir de uma farmácia, a partir daí perdeu-lhe o rasto. Malko quer que ele investigue a pista dos islamitas mauritanos.

Em casa de Bubo, Agustinha revela-lhe que um branco lhe faz a corte, vive no Bissau Palace. Em estado de fúria, Bubo veste-se, rodeia-se de um contingente de mercenários, anuncia a Agustinha que vai retalhar o atrevido.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14679: Notas de leitura (720): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte II): "Você, alferes Aiveca, está muito mole para esta guerra, disse o major, zombateiramente"...

3 comentários:

Luís Graça disse...

Mário, sei que adoras (, já desde os tempos de Missirá), os "policiais"... Ou melhor: gostas de policiais... Hoje, em Dia Mundial da Criança, ouvi um psi a dizer uma coisa que é psi..cologicamente correta: "Gostamos das coisas, adoramos os deuses e amamos as pessoas"...

Gostas (ou gostavas) de policiais... Eras (e continuas a ser) um leitor compulsivo... Obrigado por esta referência ao Gérard de Villiers (1929-2013), escritor compulsivo, nado e criado num "caldo de cultura" muito própria...Fez a guerra da Argélia como oficial,,,

Espero que o retrato ficcionado da Guiné-Bissau, do tempo do Bubo Na Tchuto, seja uma caricatura da realidade... Diz-se que a ficção tem tendência para ultrapassar a realidade. Não vou ler o Gerard de Villiers, não tenho pachorra para este tipo de literatura, admito que tenha milhões de leitores... Suspeito no entanto que, neste caso e noutros, ele use e abuse do estere+otipo, do cliché, do preconceito...

Fazes bem em fazer a rencesão do livro, tudo o que se publica sobre a Guiné-Bissau interessa-nos, quer se goste ou não... Somos um blogue plural... É possível que alguns dos nossos amigos guineenses e amigos portugueses da Guiné-Bissau possam lamentar a publicação de títulos, a "Guiné feroz"... Tipos como Bubo Na Tchuto não devem ser tomados como representativos do povo balanta e muitos menos dos guineenses enquanto povo pacífico...


http://fr.wikipedia.org/wiki/G%C3%A9rard_de_Villiers


PS - O Bubo Na Tchuto, extraditado para os EUA, e considerado um "barão da droga" (, não sei já foi jukgado e condenado nos EUA...) tem direito a entrada na Wikipedia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bubo_Na_Tchuto

Luís Graça disse...

E mais, há um blogue com o seu nome: Guine -Bissau Almirante José Américo Bubo Na TchutoE, Só tem um poste"...

Bibliografia em vez de... biografia, "Publié le 17/05/2009 à 20:57 par bubunatchuto", ou seja, ele próprio (ou alguém em seu nome).

Reproduz-se aqui (com pequenas correções do texto), com a devida vénia, o "Percurso de vida do almirante > BIBLIOGRAFIA" [sic]...

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NO DIA 8 de Janeiro de 2008,o chefe de Estado Maior da Armada da Guiné -Bissau, José Américo Bubo Na Tchuto, foi promovido a Contra-Almirante.

A 12 de Junho de 1949 nasceu em Incalá, Bedanda Tombali; a 2 de Maio de 1963 aderiu a luta de Libertação Nacional com a idade de 14 anos;

26 de Dezembro de 1964: participou no seu primeiro ataque ao Quartel de Guileje;

Em Janeiro de 1965: faz parte de bigrupo móvel de Tue na Bangna [, ou Tagme Na Waie, futuro chefe do Estado Maior, ' riva de 'Nino'« Vieira, tendo sido assassinado em 1 de março de 2009]:

Em 1968 faz parte de grupo especial de atiradores de bazuca, comand[ad]os por Aguinaldo N’daa;

Em 1969 depois da preparação militar. Foi nomeado chefe de Pelotão de Atiradores de bazuca, tendo seguido no mesmo ano para frente Leste sob o comando de Paulo Correia:

Em 1970 participou na reabertura do corredor de Casamança;

Em 12 de Janeiro de 1972,em Conakry, juntamente com o grupo de Baro Seide, recem- chegado de formação na Sinforopel, na Antiga URSS, partiram para Hermon Cono, Zona Norte, sob o Comando de Quecuto Mané;

No final de Fevereiro de 1973, depois da morte de Cabral, partiram para a estrada São-Vicente, Djolmet e Cobiana, fazendo interligação com o Corpo de Exercito de José Sanhá;

Em Maio de 1974, depois do cessar-fogo, receberam os quartéis de Cuntima, Farim, Cumeré
E Canchungo, tendo nestas localidades hasteado a Bandeira Nacional;

No dia 23 de Setembro de 1976, partiu num grupo de 54 homens dos três ramos das Forças Armadas, para a URSS, tendo na escola unificada de Odessa, Ucrânia, feito o Curso de Tropa Geral, na Especialidade de Comando Táctico de Infantaria Motorizado, com a duração de 4 anos.

Depois de Formação em 1980,José Américo Bubo Na Tchutu foi nomeado comandante de 2º Destacamento de Fuzileiros Navais, no Estado Maior da Marinha de Guerra Nacional

No dia 7 de Outubro de 1985 partiu para Lisboa, onde frequentou o Curso de Fuzileiros Especias, durante 6 meses, na Escola de Fuzileiros.

Uma semana depois do seu regresso ao país em 1986. foi preso, por suposto envolvimento na tentativa de Golpe de Estado no caso 17 de Outubro. Na sequência do mesmo. Foi enviado por um grupo de 30 homens para a ilha de Galinha, sem serem Julgados, onde estiveram durante um ano e nove meses.

Em 1988 foi colocado como fiscal de pesca, Ilha de Mel, junto a fronteira de Guine-Conakry.

Em 1988, voltou de novo para a Marinha, como adido ao quadro, isto é sem colocação; com a Formação dos Fuzileiros Navais da Guiné-Bissau, José Américo Bubo Na Tchutu foi colocado como mediato da Força de Fuzileiros.

Em 1997,integrou o Contingente Militar de 900 homens da Guiné-Bissau para a manutenção da Paz na Republica Democrático de Congo (Ex-Zaire) como Comandante de Companhia,

Com a invasão da nossa fronteira, pelos Rebeldes de Casamança, em 1997, José Américo Bubo Na Tchutu apresentou-se voluntariamente, tendo sido nomeado Comandante de companhia que ocupou São-Domingos Varela, Babunda, Casselolo, Nhambelam e zona de Barraca Mandioca, onde permaneceu ate Março de 1998.

(continua)

Luís Graça disse...

(Continuação)


"Percurso de vida do almirante > BIBLIOGRAFIA" [sic]...

No deflagrar do conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, José Américo Bubo Na Tchutu aderiu à Junta Militar nas primeiras horas, tendo sido chefe de 2º Destacamento PoiLão de Brá até ao fim do conflito.

7 de Maio de 1999,assalto final, ocupou com o seu destacamento de 150 homens o palácio da República. Depois de três meses, foi para Marinha de Guerra Nacional.

Em 2001 graduado Capitão-de-Fragata.

Em 2004 graduado Capitão de Mar-e-Guerra.

Em Junho de 2005, foi nomeado Chefe de Estado Maior de Armada por decreto presidencial, tendo sido reconduzido em 2007.

Em Janeiro de 2008, promovido à patente de Contra Almirante.

José Américo Bubo Na Tchutu recebeu varias condecorações, entre os quais, a medalha Amílcar Cabral em Maio de 1970, 2ª Ordem de Constituição Gambiana e das Forças Armadas de Republica de Gâmbia em 2008: diploma de Reconhecimento da UNOGBIS e dos seus Conselheiros Militares de Moçambique e Brasil.

http://bubunatchuto.centerblog.net/