GUINÉ, IR E VOLTAR - XI
Mornas
Tinha-a conhecido em casa da Dora. Uma cabo-verdiana linda, a pele morena clara, lábios um pouco salientes, desenhada sobre o magro, à volta dos 20.
Trocaram as palavras do costume quando a Dora os mostrou um ao outro.
Teresa.
Teresa quê?
Teresa!
Olhos grandes, claros, esverdeados, ficavam bem com aquela pele. Voz doce, ar curioso. Esquiva e desinteressada, virou-lhe logo as costas, cada um foi para seu lado.
Esteve ali, conversou com este e aquele até se fazerem horas. Quando descia as escadas, ela chamou-o, ar atrevido, pareceu-lhe até demais. Mas já vai, não se despede da gente?
É, voltamo-nos a encontrar um dia, atirou ela, vemo-nos por aí, não? Bissau não é assim tão grande!
Se é meu desejo? Saiu a desconversar, meio desconsolado.
Dias depois, sentado no Bento, viu-a passar. Os olhares dos outros chamaram-lhe a atenção. Todos se viraram, não era fácil passar despercebida. Parecia-lhe mais alta. Os olhos com um verde mais magnífico ainda, levemente sombreados, cabelo liso preto, a pousar nos ombros, elegante num vestido sem mangas, azul-escuro pintalgado de bolinhas brancas, a balançar um pouco acima dos joelhos, sandália de meio tacão. Como se tivessem combinado, dirigiram-se um para o outro, mãos estendidas, cumprimentaram-se com alguma timidez. Os olhares dos outros não os largavam.
Ai, não, não me sento aí no café!
Vamos então andar um pouco, por aí?
Meteram-se no carro1, uma volta pelas ruas, por aí não, é a minha casa. Então para onde quer ir? Saíram da cidade, para os lados da Sacor, estacionaram de frente para o Sol, a desaparecer no Geba. O rádio a passar Capri, c’est fini, ela a cantarolar baixo, até começar a falar.
Quem sou eu? Sou este que está aqui, Teresa!
Mas quem és tu, porque estás aqui?
Aqui, como?
Porque estás aqui comigo? Sabes lá, que resposta!
A conversa assim, até encontrar o fio. Esta guerra, os desencontros, as pessoas para um lado e para outro, muita gente deslocada das suas casas, todos a virem para Bissau, muita tropa também, onde é que isto vai parar. Assim, de um momento para o outro, de rajada.
Depois mais suave, as origens, as famílias, os amigos, os interesses. Frequentava o 7.º no liceu de Bissau, os pais eram de Cabo Verde, tencionava fazer Medicina em Lisboa, estava com "As vinhas da Ira" nas mãos, acabara um livro de Hervé Bazin. “Só ódio”, conheces? Queres que to empreste?
Para quê, se é só ódio?
Pode ser interessante para ti, como sabes que não gostas sem o ler?
O que estava ali a fazer, perguntou-se. Como se tivesse adivinhado ela adiantou que gostava de estar ali, de olhar o Geba, de o conhecer, de olhá-lo nos olhos. Mas quem és tu, ainda não falaste de ti!
O dia a cair como cai em África, noite num momento. Temos que ir, não é?
Deixou-a à porta da Sé, junto à rua dela. Até amanhã, Teresa. O grupo dele saía na madrugada seguinte, para o norte.
No regresso procurou-a. Os olhos, grandes na mesma, pareciam de cor diferente, o rosto mais fechado, algum problema?
Uma semana à espera este tempo todo, começou ela, porque não apareceste? Olha-me de frente, assim não, olha-me nos olhos, assim! O que sou para ti, ora diz? Porque me foges com os olhos?
Séria, os olhos a entrarem por ele dentro, porque andas atrás de mim? Não falas? Responde! Porque não falas? Gosto que me contes tudo! Mais calma, encostada a ele, tão baixo que mal a ouviu, vamos sentar-nos no jardim? Estamos mais à vontade, a mamã não está, se ela aparecer apresento-ta, qual é o mal?
Que gostava, mas agora não. Então logo? Os papás ficam no varandim a aproveitar o fresco, até às 11, depois vão-se deitar.
Que é que te deu, não falas? Tens namorada na metrópole? Todos vocês têm, sei muito bem, como é ela? A boniteza não é só na cara, sabias? Não gostas de mim? Então que estás aqui a fazer?
Estás a olhar assim para mim porquê? Achas que não temos cabeça para pensar, que só somos corpo para vocês gozarem?
Vens logo à noite? Quando os papás se vão deitar fico sempre um bocado à janela.
Atordoado, saiu dali, sem saber o que fazer, nem para onde ir até. Uma mulher diferente!
Depois o tempo passou, o entusiasmo teve altos e baixos, até esfriara, há quase um mês que não se viam.
Do portão viu a Dora ao cimo das escadas. Ambiente animado, pessoal a dançar cá fora, meia dúzia de pares, tudo gente cabo-verdiana, colados uns aos outros, aquele jeito deles, os corpos no ritmo das mornas e coladeras.
Então, bem aparecido, zangado comigo?
Que não, nada de que se lembre, os olhos dele pelo baile, a Teresa a dançar, a um metro bem medido do par, a saia do vestido acima dos joelhos, o decote a mostrar. Mal os olhos se cruzaram, ela encostou-se ao parceiro, a cara para o outro lado.
Passa-se alguma coisa que eu não saiba? Que não, não havia problema nenhum, andava ocupado, aos fins dos dias não tinha vontade de sair, só isso, mais nada.
Despediram-se da Dora, isso agora vai, olhar maroto para as mãos deles. Tinham dançado uma e outra vez, quase só os dois no fim, tão colados que os outros até repararam.
Meteram pela rua de Santa Luzia, de mãos dadas, a brincarem um com o outro, a rirem-se por ali abaixo.
À porta dos pais dela, os rebentamentos que ouviam há já algum tempo soavam mais fortes. Agora é todas as noites isto! Estes tiros onde são?
Jabadadas2, menina, chega-te para cá, para onde vais, Teresa?
Tenho medo, não posso, encosta-te então, não te sentes mais abrigada assim, não é das explosões que tenho medo, então de que é?
Uma mão na perna, a subir, ai, aí não! Respirações atrapalhadas, afastados, um momento que não acabava, a olharem um para o outro, uma sirene bem perto, os lábios a rasparem-se, o gosto da boca dela, a mão dele nos seios, aqui não, anda, não podemos ficar aqui, mãos amarradas, que malucos, que é que estamos a fazer?
Na espreguiçadeira onde se recostava a ler e a sonhar nas tardes quentes de Bissau, ansiosa, não sabia o que queria, a mão dele fazia-lhe comichão no joelho, riso abafado das cócegas e do nervoso. A mão em cima da dele, parecia-lhe que a acalmava. As duas mãos juntas, a subirem por ela acima, não posso, tem cuidado, miminhos só, não me faças mais nada!
Não ando a fazer nada com ela, nem pretendo nada da Teresa, só passar uns momentos entretido. Não sei é se me vou aguentar assim!
Esta história com a Teresa pode dar chatices, pode trazer-te problemas!
No 14-04 com o pára-brisas no capô, vento na cara, a falar com ele, a caminho de Brá.
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Notas
1 - Volkswagen alugado
2 - Flagelações quase diárias a Jabadá, do outro lado do Geba
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O 2.º Encontro com o RDM num mês
‘Nunca louvarei capitão que diga não cuidei’
Tal há-de ser quem quer, com o dom de Marte,
Imitar os ilustres e igualá-los:
Voar com o pensamento a toda parte,
Adivinhar perigos, e evitá-los,
Com militar engenho e subtil arte,
Entender os inimigos, e enganá-los,
Crer tudo, enfim, que nunca louvarei
O Capitão que diga: "Não cuidei".
Lusíadas
Luís de Camões
Canto VIII, 89
Uma história que não gostava nada de recordar e que se esforçava por esquecer, passara-se em Jolmete, na zona de Teixeira Pinto, no noroeste, ainda não há muito tempo.
Uma zona calma, de um momento para o outro transformou-se num barril de pólvora seca.
O grupo “Centuriões” tinha regressado de lá com três feridos, um dos quais logo evacuado para o Hospital da Estrela. A única acção de fogo em que estiveram metidos consistiu na reacção ao primeiro ataque ao aquartelamento de Jolmete, com o grupo acidentalmente lá.
Era a primeira vez que a companhia lá estacionada via fogo a sério. Sabe-se qual é a reacção da grande maioria de quem é atacado. Primeiro, procura-se abrigo, depois se vê.
Só que naquela noite, o vê-se ficou-se no grande celeiro que os abrigava, a ver se o IN se chateava e ia embora. O que não aconteceu, claro. Se não fosse o grupo do Rainha estar cá fora, por não caber mais ninguém no armazém, abrigar-se e responder, muito provavelmente os atacantes podiam ter feito mais estragos.
Ficaram bem impressionados com a resposta do grupo e o capitão das operações do batalhão estacionado em Teixeira Pinto pediu que, ou continuassem ou fossem outros deles para lá. E foi assim que outro grupo apareceu em Teixeira Pinto e nesta história.
Quando chegou, viu uma povoação agradável, para as proporções locais. Arrumada, uma rua larga fazia de centro e de passagem para tudo à volta.
Foi recebido por um tenente-coronel, voz esganiçada, pequena estatura, careca, franzino, pouco mais de 50, talvez, uma caricatura de militar, pareceu-lhe.
Na sala de operações, um quarto com um mapa grande da zona pregado com pioneses na parede, o Tenente Coronel explicou a situação militar da zona do batalhão sob o seu comando. Para além do alferes do grupo de comandos estava presente também o capitão das operações, um homem diferente como veio a comprovar mais tarde.
Estava tudo em ordem, insistia o comandante do batalhão, a pacificação era um acontecimento, só umas pequenas borbulhas lá para os lados do tal Jolmete. Pingalim para o mapa, quero que você e o seu grupo vão aqui, depois ali, para aí a 10 centímetros para norte do primeiro local e depois venham para aqui, Jolmete no pingalim, outros 10 centímetros para leste. Não deixou de esboçar um sorriso, lá no íntimo e não está mesmo seguro que o sorriso não tenha sido visto pelo estratega. No mapa, aquelas voltas todas dava para aí meio metro. Depende da escala, claro, mas meio metro para um dia, mesmo naquele mapa, pareceu muito. Mesmo assim, se houvesse motivos suficientes, iam a isso que era para isso que ali estavam.
É de notar que o tenente-coronel, soube-se depois, ficara algo incomodado com o relatório que o alferes Rainha fizera e que lhe chegara do QG uns dias antes com um pedido de esclarecimento do chefe da 3.ª Rep. indagando as razões que tinham levado o comando do batalhão a permitir que o nativo de nome Antigas, capturado pelo IN e solto dias depois de ter estado num acampamento IN na área de Bugula, quando se apresentou na sede do batalhão, em vez de ter explorado imediatamente o sucesso o deixou abandonar o quartel e andar pela povoação a contar a história.
Nada de processos de intenções, mas é um aspecto que se deve considerar, tendo em conta os acontecimentos que se seguiram.
Para quantos dias, meu tenente-coronel?
Tudo de seguida! Depois de regressarem logo se vê, peremptório.
O alferes olhou-o e viu que tinha pela frente um guerrilheiro com uma larga experiência em secretarias e departamentos similares, sem imaginar que a especialidade que tirara ainda fora mais apurada.
Tribunais Militares, RDMs e secretarias, veio a saber depois, tinham sido os principais campos de batalha que praticara até à data.
O alferes com um ar, diga-se, nada adequado para um caso daqueles, ora bem, meu tenente-coronel, então V. Ex.ª quer que o grupo vá aqui, depois para aqui e depois para aqui, não é? Tudo de seguida?
Porquê um esforço destes, tantos quilómetros de mata, rios e tarrafos, bolanhas, em plena época das chuvas, sem qualquer conhecimento da localização de acampamentos INs que não seja o que se diz aí pelas ruas? Porque não fazer uma saída de cada vez, com objectivos bem definidos, em vez de andar a passear pelo mato?
Os comandos são grupos reduzidos, meu tenente-coronel e até aqui têm sido empregues em golpes de mão, com objectivos bem localizados e com guias de confiança. Outras missões são para outro tipo de tropas!
Não lhe compete dizer o que se deve fazer, aqui quem manda sou eu e o nosso alferes executa.
Uma miséria de abandono, Jolmete era um barraco enorme, onde estavam lá metidos nas piores condições cerca de 100 homens, arame farpado à volta, logo junto ao barracão. O capitão Corte-Real, comandante da companhia, o que não queria era chatices, e verdade seja dita, só deixou de as ter quando, meses mais tarde, foi estraçalhado por uma mina entre Farim e o K3.
O grupo saiu naquela noite como estava combinado, chuva em cima, trilhos e trilhos, tarrafo intransponível, poderiam andar lá dias se não tivesse decidido ir por outro lado. À hora marcada lá estava o PCV3 no ar, o tenente- coronel então onde estão?
Aqui em baixo, onde havia de ser? Assinalar com uma granada de fumos para saber onde estamos? Uma granada de fumos não lanço. Estamos aqui junto a esta bolanha, para norte do seu PCV.
Aí? Mas não foi isso que eu determinei! Volte já para lá, para o local combinado!
A conversa assim toda animada, indique então a posição para onde quer que a gente vá.
Viemos desses lados, vamos voltar aí para quê, está a ver aí de cima alguma posição IN? Nós é que temos que ver aqui em baixo? Olha Álvaro, o soldado do rádio, desliga mas é essa merda!
E o Álvaro cumpriu a ordem.
E andaram por aqueles trilhos dentro de água, o dia todo até à noite quando chegaram mais mortos que vivos a Jolmete.
Espaço para dormirem no barracão não havia, para comer havia umas excelentes bolachas, daquelas que só vão para baixo com meio litro de água.
Abrigaram-se debaixo das árvores que havia por ali, a tentar dormitar, com pingas de água a cair-lhes em cima.
De madrugada, tocaram-lhe no ombro, o comando do batalhão estava a enviar-lhe uma mensagem.
Explique com urgência os motivos do não cumprimento da missão. Que a missão estava em marcha, voltaria a sair, para o outro ponto indicado, às 5. Não! Vai sair mas é para outro lado, para aqui, para Teixeira Pinto, debaixo de prisão, vou mandar uma coluna buscá-lo.
Foi assim que o alferes foi transportado, numa viatura, por um compreensivo capitão com os elementos do grupo a fazerem o caminho a pé.
No quarto de operações, o tenente-coronel aguardava-o, com o capitão das operações. Que não tinha cumprido a missão e ainda fora mal educado para um oficial superior.
Um auto de averiguações, duas horas para responder por escrito a 34 quesitos.
Um criminoso de guerra, um desertor, ou quê?
Veja lá como fala, sou seu superior, sou tenente-coronel, sou o comandante deste Batalhão! E o nosso alferes está aqui às minhas ordens, com todas as consequências, não se esqueça!
Tinha na frente um bravo militar, esqueceu-se e não devia. Está-se a ver o que aconteceu. Um auto de averiguações transformou-se num auto corpo de delito, numa hora ou menos, uma rapidez que nem no tribunal militar territorial de Tomar!
E 5 dias de prisão disciplinar, o máximo da competência do tenente-coronel.
Tinha acabado de ouvir as razões do castigo, os oficiais, todos em sentido no tal quarto. Sim, que ouvira o que fora lido, que ouvia bem. E que ia reclamar da redacção da punição por, no seu ponto de vista, a redacção não corresponder aos factos. Aguente aí, alferes, o capitão das operações a murmurar baixo, a mexer-se.
Tem que pedir licença para reclamar! De qualquer maneira, concedo-lha.
Cá fora, em conversa com alguns alferes que assistiram à cerimónia ficou a saber que o tenente-coronel era muito disciplinador.
Depois foi o regresso a Bissau. Mal chegou não descansou enquanto não contactou com um dos ajudantes de campo de Governador-Geral, um alferes conhecido de outros gabinetes. Dias depois foi chamado ao Palácio, apresentou-se no gabinete do General Schulz. O General veio até cá fora, ao jardim, e foi aí que teve conhecimento, pela sua boca, dos factos.
Se acha que está a ser injustiçado, recorra, senhor alferes, foi a primeira resposta que ouviu.
Agradeceu ao general o conselho. Mas a principal razão que o levara a pedir que o recebesse tinha a ver com o crachá que o General lhe tinha entregado em mão no final do curso. E que estava ali para o devolver se o general, a partir deste caso de Jolmete, não o considerasse apto a chefiar uma unidade de comandos.
O General mudou o charuto para a outra mão, deu dois passos e olhou-o.
Continue o seu trabalho e faça tudo para que não voltem a ocorrer situações dessas, rematou o Governador-Geral de mão estendida.
Um caso que se arrastou meses e meses. Mudou o capitão dos comandos, mudou o Brigadeiro Comandante Militar, o tenente-coronel de Teixeira Pinto foi transferido para o sul, Catió mais precisamente, muita coisa andou, nada de resposta à reclamação que apresentara. Nem ninguém, desde a 1.ª à 4.ª Rep. sabia onde parava a folha de papel de 25 linhas.
Em meados de Fevereiro do ano seguinte, o novo comandante da Companhia de Comandos disse-lhe que o Comandante Militar, o Brigadeiro Reymão Nogueira, queria pôr ponto final naquela questão, que era melhor ir lá falar com ele.
Alferes, estas questões não adiantam nada ao andamento da guerra, só atrapalham. Claro que são importantes, especialmente quando, como parece ser o caso, não houve motivos assim tão sérios para uma tão severa punição. O que aconteceu foi que o alferes demorou a cumprir uma ordem de um oficial superior. Facto grave! Por outro lado, há que ver as atenuantes que eu acho que não validam a sua atitude, ajudam a compreendê-la.
É do seu conhecimento que a sua punição não sofreu até agora qualquer agravamento. Nem eu nem o nosso Governador-Geral a agravaram. Bom, o que tenho a dizer é o seguinte. O alferes retira a queixa contra o nosso tenente-coronel e eu, não lhe agravo a punição. E é de regra, o Ministro não mexer em penas que não tenham sido agravadas pelos Comandantes Militares.
Finalmente, e isto é muito importante, a sua punição, já publicada em Ordem de Serviço, está registada, não há nada a fazer. Não ocorrendo mais nenhum problema disciplinar, ainda temos de pensar como vamos encerrar o assunto, ok? Entendido?
Cansado, aquele processo há meses a moê-lo, muitas outras coisas na cabeça, optou pela retirada. Dá licença que me retire, meu Brigadeiro?
Enquanto descia as escadas o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi pirar-se dali para fora, desertar!
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Nota
3 - Posto de comando volante ou de comando aéreo, normalmente a bordo de um Dornier.
(Continua)
Texto e foto: © Virgínio Briote
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Nota do editor
Postes anteriores da série de:
28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho
30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)
30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (II Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)
2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem
7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG
9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418
14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa
23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles
30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"
6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro
e
13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro
16 comentários:
Amigo Briote,
Cada vez gosto mais de ler os teus artigos e a maneira descontraida como os relatas. Infelizmente muitos do Comandantes de Batalhao e de Companhia so eram bons com os mapas (so teoria e nao pratica da guerra armada, mas so das guerras de secretaria). Continua que estou a gostar.
Julio Abreu
Chefe da 2 Equipe do Grupo de Comandos Centurioes
Ex-Guine Portuguesa
Meu caro amigo Briote
Não sei bem porquê mas costumo referir-me a ti como um gentleman.
E sei, sinto, que isso está certo, é justo|
Nestas tuas duas 'memórias' temos duas situações distintas, embora se possa encontrar algum fio condutor entre elas. Mas vamos por partes.
A primeira delas pode servir para 'mostrar' que apesar dos 'tempos de guerra' e de se pensar que Bissau e a Guiné eram apenas um mundo de atrasos e de clima inóspito, também havia lugar à sedução, ao encanto, à 'aprendizagem', para além dos 'comes e bebes' de que todos ainda hoje nos recordamos, cada vez com mais saudade.
A par do 'namoro', dos seus 'avanços e recuos', das interrogações, percebe-se também como se vai contactando com a 'vontade feminina', coisa que só muito recentemente se começava a afirmar.
Relativamente à segunda memória não faltam também pistas para se falar sobre sobre elas. A valentia dos 'operacionais de PCV', a manifestação da habitual arrogância dos incapazes, etc., mas mostra principalmente, para quem quiser "ver", que aquela guerra foi muito, mas mesmo muito mais, do que ir para o desconhecido, interromper estudos, empregos e/ou projectos profissionais ou familiares, arriscar a pele de tantas formas. Foi, também, enfrentar a prepotência e tantas vezes a incúria.
Abraço
Hélder S.
Li com atenção a 2ª crónica e como combatente revi-me nela.Infelizmente aquelas guerras idependentemente do TO considerado estavam pejadas de gente medíocre quer ao nível de cmd de Comp e especialmente dos Cmdt de Bat.De um modo geral foi gente apanhada em fim de carreira militar e a única coisa que sabiam fazer era jogar bidge e usufruir das perrogativas que a função lhes facultava.Alguns nem uma carta sabiam ler. Isto é autêntico. Sei que na CTI Guiné o homem do caco correu com uma série deles para a Metróple com o rótulo de incompetentes. Pena foi que o mesmo não tivesse acontecido nos outros TO. Ou pelo menos na mesma dimensão.Alguns por artes mágicas ainda conseguiram chegar a coroneis.Nao sei comose sentiriam a mandarem homens generosos para missões deque eles não faziam a mais pálida ideia.Acoitavam-se nos aqurtelamentos e de mato só conheciam a copa das árvores.Enfim era o que havia.Já noutro local sugeri que este tema de comando fosse mais aprofundado.
José Pedro Grilo
sempre combatente
É um prazer ler os textos do Virgínio Briote.
Sobre certos comandantes de sector, um camarada meu dedicou um poema que nós ensaiamos com a música do amor do estudante mas a pedido do nosso capitão não chegamos a executar pois a 557 já não era muito bem vista em termos disciplinares.
Um dos versos resava assim.
De avião fazem a guerra
Mas quem anda por a terra
O perigo nos espreita
Com o tempo terminado
É triste ser mandado
Por semelhante seita.
Um braço
Colaço.
"Enquanto descia as escadas o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi pirar-se dali para fora, desertar!"
Caros amigos,
A presente narrativa do V. Briote, revela-nos que as Guerras podem conduzir a situacoes extremas de injustica, de sufoco e de revolta, o caso da Guine e da Guerra colonial em geral, pelos vistos, nao foi uma excepcao.
Esta descricao trouxe-me a memoria os tragicos acontecimentos de Abril de 1972, na minha terra, entre o 'nosso' Almeida Comando e o Cmd da Companhia, cujo desfecho foi fatal e ainda hoje parece-nos a todos os titulos uma aberacao de dificil explicacao.
Cherno AB
Caro Virgínio,
Gostei novamente. Os comentários anteriores dão ideia do sentimento que prevalecia entre os que alinhavam, tantas em vezes em más condições físicas ou psicológicas, em obediência a exigências esdrúlas dos senhores da guerra. Da indignação que me provocavam já aqui dei algumas notícias. Posso até dizer que a ausência do PCV era o melhor que nos podia acontecer quando deslocados no mato.
Outras manifestações de incompetência resultavam da falta de interesse manifestada pelos comandos de batalhões e companhias sobre a condição da tropa, eles que em maioria nem comiam com o pessoal, e entregavam-se a negócios particulares depauperando o erário. A corporação, porém, dava cobertura cúmplice a essa gente.
Tive dois capitães do QP, e ambos se refugiavam no aquartelamento. O primeiro, foi evacuado por doença invisível aos 3 meses, e seria filho de um oficial superior médico, como constava. O segundo saíu uma vez voluntariamente, acompanhado dos sargentos e de algum(uns?) alferes, quando alguém lhe chibou a chegada de um brigadeiro, e foram buscar-me à cama para receber o oficial-general. O que ele lá foi fazer? Nada que se tivesse sabido, mas desconfio, que teria a ver com coisas da logística. A comitiva refugiou-se numa aldeia próxima cujo caminho não carecia de picagem e era sede de regulado.
Logo que entrámos em quadrícula, fui informado do negócio da gasolina adquirida à Casa Gouveia. Tive o desplante de afirmar durante uma refeição, que só transportaria os tambores correspondentes às requisições. Pronto, nunca levei requisições, e confirmei não ser cooperante ou indiferente, o que me valeu alguns conflitos.
Ora, o teu caso acabou por reflectir ao fim de tempo exagerado como funcionava a corporação, e como é da rotina em desfavor do mexilhão.
Portanto, é necessário acrescentar à incompetência, o muito desinteresse e desresponsabilização, tantas vezes criminosa, por parte daqueles comandos em ambiente de guerra.
Com um abraço fraterno
JD
Viva, Virgínio
Narrativas intimistas e românticas de homem de guerra, comando por motivação, a evocar a guerra na sua vida e a sua vida na guerra.
No meu tempo não se dizia PVC mas PCA (posto de comando aéreo). Guardo o radio "banana" AVF que, em circunstâncias idênticas lhe transmitiu bocas do género "vem cá pra baixo, malandro!"
Na Guiné topamos com demasiados "Chicos", do estado-maior às secretarias, que faziam alarde da a especialidade de "apontadores da BIC", a disparar o RDM contra qualquer camarada do contingente geral, os soldados-povo, que mostrasse resquícios de personalidade, qual munição de urânio empobrecido, sempre com consequências para os seus alvos.
A aviação não lhes resolvia a guerra; adiava a sua desistência. A que é que o PAIGC deveu o seu crescimento em dimensão e acção, até ao êxito? É que os seus comandantes não tinham asas...
Um abração e até ao regresso
Manuel Luís Lomba
Meu caro Virginio Briote em Junho de 68 ainda fui encontrar em Jolmete o famoso Barracão de que falas e como bem dizes era a única construção com algum jeito e tanto assim que fizemos tudo de novo o o barracão foi a última coisa a deitar abaixo.Se quiseres ver fotos desse barracão e do Jolmete desse tempo tens no poste 10191 várias que não serão muito diferentes do Jolmete que viste em 1965.Quanto aos passeios por aquelas matas tinha-mos um guia fora de série um tal Dandy, que tinha sido caçador por ali e conhecia tudo, muito dificilmente caia numa emboscada.Depois quando motivado com uma nota de quinhentos ainda se tornava mais eficaz.Chegou a Cmd de comp. de Milícias e foi condecorado mas no fim da guerra foi assassinado.Tenho acompanhado os teus escritos e gosto muito.
Um abraço
Manuel Carvalho
A hierarquia militar tem uma lógica de infalibilidade, copiada da organização do Estado Medieval que por sua vez a foi copiar à Igreja Católica essa organização mais antiga do que todos os Estados actuais. Nessa escala em pirâmide em que no topo pode estar Deus, no caso da Igreja, o rei ou o chefe de estado, entre as nações, os escalões seguintes vão sempre beneficiar de algum grau dessa infalibilidade conforme a posição mais alta ou mais baixa em que se situem na pirâmide de comando. Isto significa, tratando-se de militares, que o superior terá sempre razão sobre o subalterno, para que a ordem estabelecida por essa lógica que vem de Deus, não seja subvertida.
Se formos procurar na história militar terão sido muito raros os casos em que a reclamação de um subordinado consegue derrotar a penalização imposta por um superior,junto da justiça militar. Talvez o camarada Marcelino Martins nos possa dar alguma achega sobre o assunto.
Um abraço. Francisco Baptista
Não posso deixar de vos dizer que a minha auto-estima aumentou com os Vossos comentários.
Este caso da punição, de que lá para a frente surgirão mais alguns pormenores, apesar de deprimentes para a alta hierarquia militar, foi muito discutido na altura, desde os alferes da Repartição de Justiça do QG (inexcedíveis no apoio) a alferes do próprio Batalhão (havia um sentimento geral de medo do ComBat). Para mim a situação limitou-se à perda das férias, embora alguém do C. Militar do CTIG tenha sugerido que esse pormenor podia ser torneado. Mas eu tinha 21 anos e, como dizem alguns filósofos, ainda era muito novo para permeabilidades.
Acresce um pormenor muito importante. Na altura em que o facto ocorreu estávamos sem Comandante de Cª.. Se o capitão Garcia Leandro já lá estivesse o caso não teria ocorrido, simplesmente.
Fico-vos grato pela atenção que me deram. Com um abraço do V. Briote
Caro Amigo BRIOTE,
Continuas a ser o mesmo do meu tempo, Sempre simples, sem peneiras, mas sempre o mesmos para os Comandos. Agradeco-te de nao teres mudado, quando fore a Portugal telefono para nos reunirmos com os colegas do custume para um almoco. O teu amigo sempre a disposicao.
Julio Abreu
P.S. Penso ir a Portugal em Octubero o Novembro um par de dias.
Já agora, caro Virgínio, a propósito da situação relatada com a participação contra ti do oficial superior e a possibilidade de tu te queixares do ocorrido, já contei por aqui uma situação passada comigo, com algumas semelhanças, embora não pelos mesmos motivos, que agora relembro, e que aconteceu no Quartel do então TRm (Regimento de Transmissões) no Porto, junto à Arca d'Água, no dia 3 de Setembro de 1970, quando estava de "sargento de dia" e um capitão lá do sítio me desautorizou em frente à formatura para o almoço e reagiu à minha firmeza com tentativa de agressão não consumada e à qual, para além de a ter frustrado rechacei com alguns impropérios, talvez mesmo 'ameaças'.
Disse que me ia "fazer a folha" mas fui aconselhado por outros militares a "apresentar queixa". Entre esses 'outros militares' estavam Sargentos e Alferes e até tinha já uns bons pares de testemunhas.
Por uma estranha coincidência logo a seguir ao almoço 'caiu' a mensagem com a minha mobilização (com mais outros seis) para o CTIG e depois, nesse dia e no seguinte, foram várias as movimentações e diligências que conduziram à retirada simultânea da participação e da queixa, ficando tudo em 'águas de bacalhau'....
Abraço.
Hélder S.
Com surpresa verifico que um post meu que deveria estar em 6º lugar desapareceu. Espero que tivesse sido algum acidente informático e não qualquer acto deliberado tipo censura. Oportunamente voltarei a inseri-lo a menos que o não desejem. Se assim for não voltarei a participar com qualquer comentário
José Pedro Grilo
Combatente básico
Caro camarada José Pedro Grilo, em princípio só removemos comentários anónimos e/ou insultuosos, o que não foi o seu caso. Há em terceiro lugar um comentário seu, fez outros?
Carlos Vinhal
Co-editor
Camarada Vinhal
Efectivamente tinha feito outro que deveria aparecer em 6º lugar mas que admito ter sido eu que domino esta tecnologia quando fui a provar que não era robot o apagasse. Era mais ou menos isto que escrevi ainda sobre a história do camarada Briote que me indignou sobremaneira. Cabe aqui dizer que termos um amigo comum que me faz referencia s elogiosas ao camarada Briote. Daí a minha indignação ser maior-Como pode alguém sem estatura moral e militar punir um oficial pelo não cumprimento duma ordem inexequível e estúpida. Infelizmente conheço casos destes mais do que desejava.Como disse noutro local o caco baldé saneou muito destes espécimes, mas não chegou. Se calhar se fosse a limpar tudo ficaria sem cmdt Bat.Se atentarmos em alguns pormenores aparentemente insignificantes verificamos como esta gente andava divorciada da guerra. Por exemplo:poucos ou nenhuns fardavam de camuflado. E quando o faziam ficavam tão caricatos que os tornavam ridículos perante qualquer formatura.Via-se que tinham saído á pressa dum qualquer depósito e ainda cheiravam a naftalina.Preferiam o uniforme nº2 .Alguns até usavam chapéu de músico (barrete n2 '?). Podia citar outros exemplos.Competência técnica falarei noutra ocasião. Basta ver as fotografias da época.Eram assim alguns dos nossos queridos e bem amados mandantes.
José Pedro Grilo
1-Corrijo no post anterior " ...que não domino esta tecnologia informática"
2-Acrescento uma afirmação de Moniz Barreto, que devia estar sempre presente na mente de quem quer dedicar-se á carreira das armas .
Profissão Militar
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Porque, por definição, o homem da guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, á sua esquerda vai a coragem, e à sua direita a disciplina".(MONIZ BARRETO-Carta a El-Rei de Portugal,1893)
José Pedro Grilo
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