Nono episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).
Aguarela de Miami
Quando se menciona o nome Flórida, logo se associa a
Miami, dizem logo, “ho, sim Miami”, é talvez o efeito da
publicidade de Hollywood, cidades como São Francisco,
Los Angeles, Miami, Nova Iorque, Washington, Las Vegas,
Paris, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Colónia, mesmo
Lisboa, quase todos as conhecem, embora nunca lá
tivessem ido.
Quando se menciona o nome Miami, quase todos nós
lembramos os edifícios a sair da água da baía, os barcos
de recreio, as praias locais, os corpos de jovens
bronzeados, o seu clima quente durante todo o ano, os
barcos de cruzeiro a saírem o canal, enfim um certo
número de coisas e factos que nos foram vendidas pelas
agências de informação, com a colaboração dos média,
que todos os dias nos entram pela casa adentro.
A verdade é um pouco diferente, se caminharmos pelas
ruas de Miami, encontramos muitas coisas, mesmo
muitas, que qualquer pessoa comum, a viver numa
cidade, encontra ao sair de sua casa, existem alguns
“sem-abrigo”, empurrando todos os seus haveres num
carrinho do supermercado, áreas debaixo de pontes e
outras infraestructuras, não muito recomendáveis para se
caminhar por lá, carros de polícia ou de bombeiros,
ambulâncias a toda a velocidade, com sirenes em funcionamento, avisando
para que os deixem passar, algumas
ruas fechadas ao trânsito, só para comércio e
frequentadas por muitas pessoas, de todas as idades,
curiosas, algumas fazendo perguntas a que ninguém sabe
responder, alguns bairros típicos, que nós, vindo de outras
paragens, temos curiosidade em conhecer, portanto, talvez
pela curiosidade, como já mencionamos, gostamos de
caminhar por lá, como por exemplo, única e simplesmente
parar em frente a uma “tasca”, no bairro da “Little
Havana”, (Pequena Havana), a que também chamam de
“Calle Ocho”, (Rua 8), que é um bairro social, cultural e de
actividade política, de refugiados que em tempos vieram
de Cuba, onde se pode comer um pão com carne assada
de “cerdo”, que nós chamamos porco, beber um “tinto”,
que é um café negro, numa caneca sem asa, feito com
meios ainda artesanais, adoçado com açúcar da verdadeira cana de açúcar.
Ao saborear esse “tinto”, se fecharmos os olhos, se pararmos
de olhar em redor, podemos, na nossa imaginação,
lembrar os “Tequestas”, que era uma tribo de Nativos
Americanos que já viviam por aqui há mais de mil anos,
mesmo antes da era Cristã, que tiveram a infeliz sorte de ser
um dos primeiros povos a ter contacto com os europeus,
depois deste facto, claro, foram a pouco e pouco
desaparecendo. Por volta do ano de 1566, Pedro
Menéndez de Avilés, ao serviço do reino de Espanha,
navegou por aqui reivindicando toda esta área,
chamando-lhe Florida Espanhola e, muitos anos e muitos
combates depois, tanto no mar como nas dunas de areia,
quando o reino de Espanha fez um tratado com a
Inglaterra cedendo-lhe toda esta área, já pouco restava
deste povo, tinham desaparecido quase por completo, e
nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.
Se caminharmos pela Miami Beach Boardwalk, que é
uma avenida em frente ao oceano Atlântico, em “Miami
Beach”, deparamos com uma equipa de fotógrafos que
estão protegidos pelos célebres ”guarda-costas”, à
espera que a equipa de maquilhadores prepare o rosto
de determinada “vedeta”, a preparem-na para ser
fotografada, com gestos de aparência, como sendo uma
paragem normal, em qualquer esplanada de café, que
depois vai correr mundo, dizendo que fulano ou
fulana está de férias em Miami, passando uns dias, aí
podemos lembrar que aquele local
foi onde esteve erguida uma Missão Espanhola, que
Pedro Menéndez de Avilés, quando aqui desembarcou,
deu ordens para ser erguida, davam-lhe o nome de
Missão, mas na verdade era um pequeno forte, armado,
habitado por alguma população treinada para combate,
pois toda esta área a que hoje chamam Miami, naquele
tempo foi sempre um lugar de combate, não só
frequentado por corsários, vulgo “piratas”, onde até mais
tarde foi palco durante muito tempo da “Segunda Guerra
Seminole”, que colocava frente a frente um povo que por
aqui vivia em paz, usufruindo do que a natureza lhe
oferecia, com o governo de então, e nós, a tal pessoa
comum, dizemos, “é Miami”.
A Segunda Guerra Seminole foi o resultado de um
Tratado assinado por um pequeno número de Seminoles,
por volta do ano de 1832, que exigiu aos índios
que abandonassem as suas terras na Florida dentro dos próximos
três anos, movendo-se para oeste. Claro que os Índios,
considerando-se os verdadeiros donos das suas terras,
não as abandonaram e, três anos depois, portanto por
volta de 1835, o Exército dos Estados Unidos chegou
para fazer cumprir o tratado, nessa altura os Índios
estavam prontos para a guerra. Um tal Major Francis
Dade marchou com o seu Destacamento de Exército, de
Fort Brooke para Fort King, não esperando que apenas
180 guerreiros Seminoles, liderados pelos chefes
Micanopy, Alligator e Jumper os atacasse, onde apenas
um militar sobreviveu à emboscada, talvez para poder
contar como tudo aquilo aconteceu, e nós, a tal pessoa
comum, dizemos, “é Miami”.
Voltando a Miami Beach Boardwalk, mais um pouco à
frente está um grupo de fotógrafos, com as suas
máquinas apontadas a determinada varanda, pois pela
tardinha vai haver lá “festa um pouco extravagante”, onde
vão aparecer de vez em quando algumas caras
conhecidas, que podem ser do desporto ou de Hollywood,
quase sem roupa, debruçando-se na referida varanda,
com poses estudadas, também para que essas imagens
corram mundo, mas não vamos esquecer a tal “vedeta”
que se preparava para ser fotografada, de que já falámos,
talvez com um copo na mão, cheio de bebida, com pedras
de gelo, muito florido, com uma rodela de limão ou
laranja, em cima, pendurada de lado no copo, aí, vendo o
limão ou laranja, temos que lembrar, na nossa
imaginação, Julia Tuttle, que era uma rica produtora de
citrinos, nativa de Cleveland e que ainda hoje mantém a
distinção de ser a única mulher fundadora de uma grande
cidade, onde os primeiros relatos descrevem a zona como
um promissor deserto, que nos primeiros anos do seu
crescimento chamavam "Biscayne Bay Country", e hoje é
Miami, e nós, a tal pessoa comum, dizemos, “é Miami”.
Já nos estávamos a desviar da guerra, não vamos cortar
o fio à meada, como se dizia no nosso tempo, as
campanhas da “Segunda Guerra Seminole” foram uma
demonstração notável da guerra de guerrilha Seminole.
Os chefes Micanopy, Alligator, Jumper e mais tarde
Osceola, dirigindo menos de 3000 guerreiros, pelos
pântanos e areias desta área da Flórida, lutaram contra
quatro generais norte-americanos e mais de 30.000
soldados. A Segunda Guerra Seminole durou 7 anos, foi
a guerra mais feroz travada pelo governo dos Estados
Unidos contra os Índios americanos, que gastou
mais de 20 milhões de dólares, deixando mais de 1500
soldados mortos, não contando as baixas na população
civil, que foi incontornável, assim como a relação para
gerações futuras, que ficaram marcadas, entre o branco e
o Índio Americano, e nós, a tal pessoa comum, dizemos,
“é Miami”.
Tirando toda esta guerra do pensamento, pelo menos por
momentos, Miami também pode ser apreciada e
fotografada cá de cima, viajando no seu moderno sistema
de metropolitano, com pontes sobre os canais e infraestruturas
ao longo das ruas e avenidas, deste modo
podemos lembrar, na nossa imaginação, Henry Flagler,
um magnata dos caminhos de ferro, a quem
posteriormente Julia Tuttle convenceu, não se sabe com
que meios, a expandir os seus comboios até à região,
talvez para transporte para o exterior do produto das suas
plantações de citrinos.
Voltando à guerra, Julia Tuttle e Henry Flagler eram
amigos, trabalhavam em conjunto, não como muitos anos
antes, durante a “Segunda Guerra Seminole”, à medida
que as hostilidades se arrastavam, as forças dos Estados
Unidos, talvez frustradas, voltavam-se para medidas,
algumas desesperadas, para ganhar a guerra, como por
exemplo o chefe Osceola que foi capturado e preso quando
se reuniu com as tropas dos Estados Unidos para pedir
uma trégua, reivindicando e querendo falar de paz.
Com este procedimento, os Estados Unidos, com
o chefe Osceola preso, estavam confiantes que a
guerra terminaria em breve, mas isso não aconteceu,
embora o chefe Osceola tivesse morrido na prisão no ano
de 1838, outros líderes Seminoles continuaram a batalha, por mais alguns anos, e nós, a tal pessoa
comum, dizemos, “é Miami”.
Uf, tanta guerra e tanto Miami, vamos caminhar para
oeste, parar na “Calle Ocho”, beber um “tinto”, que é um
café negro, numa caneca sem asa, feito com meios ainda
artesanais, temperado com açúcar, da verdadeira cana de
açúcar.
Tony Borie, Março de 2016
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Nota do editor
Último poste da série de 28 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi
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