1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2015:
Queridos amigos,
Temos acolhido o que sobre a Marinha na Guiné tem sido escrito: pense-se nas obras de e sobre Alpoim Calvão; a história dos Fuzileiros na Guiné; relatos pessoais como o de "Homem-Ferro", de grande importância, foi assim que ficámos a saber que no segundo semestre de 1962 a região Sul estava a entrar em sublevação; as fabulosas Memórias do Sargento Talhadas, um relato ímpar, inesquecível.
Aproveita-se agora a intervenção do Vice-Almirante Lopes Carvalheira que dissertou sobre a Marinha no teatro de operações na Guiné. Pessoalmente, e no que envolve o rio Geba, li com saudade certas passagens e veio-me à memória a Alfange ou a Montante a passarem por Mato de Cão, eram simpáticos connosco, davam-nos boleia pelo Geba estreito até Bambadinca, aproveitava para fazer abastecimentos.
Um abraço do
Mário
A Marinha no teatro de operações na Guiné
Beja Santos
Nas atas do seminário “A Marinha em África (1955-1975), Especificidades”, publicação da Academia da Marinha, 2014, está inserida a comunicação intitulada “A Marinha no teatro de operações na Guiné”, foi que apresentada pelo Vice-Almirante Lopes Carvalheira, um texto esclarecedor para o qual peço a vossa atenção.
As primeiras unidades navais com caráter de permanência chegaram à Guiné em 19 de Maio de 1961: 2 LFP (lanchas de fiscalização pequenas) e 2 LDP (lanchas de desembarque pequenas). No mês de Junho seguinte chegou outra LFP e a partir daí outras unidades foram sucessivamente chegando, atingindo a Esquadrilha de Lanchas o seu número máximo em Setembro de 1969, 39 unidades.
Durante os anos de 1963 e 1964 foram, umas após outras, atribuídas ao Comando de Defesa Marítima da Guiné 4 LFG (lanchas de fiscalização grandes). Em 1967, este Comando atingira o apogeu no máximo de Forças atribuídas, para além das unidades navais tinha quatro Destacamentos de Fuzileiros Especiais, duas Companhias de Fuzileiros Navais, uma Secção de Mergulhadores, uma Equipa de Inativação de Explosivos, e mais alguns efetivos.
A propósito da fiscalização, o autor escreve:
“Em 1971, após o ataque levado a efeito com mísseis sobre Bissau, em 9 de Junho, retomou-se a fiscalização contínua do rio Geba, a montante de Bissau, até ao Geba estreito, complementando a patrulha noturna ao Porto de Bissau que se mantinha desde 1963, efetuada por uma ou duas unidades navais, coadjuvada por botes de borracha.
A intervenção da Marinha foi importante na Operação Tridente, a Marinha tinha uma importância vital para proteger as vias de comunicação fluviais da Guiné onde o PAIGC podia atacar com espingardas e pistolas-metralhadoras, morteiros, canhões sem recuo e LGF RPG7, tentando, sem êxito o emprego de minas de fabrico artesanal; e para o transporte de efetivos militares para operações de caráter anfíbio, nomeadamente no Sul e no Norte.
O que nos remete para a guerra nos rios, pois era fulcral assegurar o reabastecimento logístico, os transportes operacionais e as rendições de efetivos militares. São de destacar algumas unidades navais particularmente designadas para os transportes logísticos: as LDG Alfange, Montante e Bombarda. Importa igualmente referir que desde 1963, atendendo à natureza da própria região Sul, foram criados vários comboios sob a custódia da Marinha como os de Bedanda, Catió e Bissum. Mas estes comboios percorriam igualmente a região de Cacheu".
O autor detalha os comboios feitos no rio Cumbijã e toda a rede de comboios que navegavam pelo Sul. É neste contexto que faz uma chamada de atenção para o caso do uso das minas pelo PAIGC:
“Depois de ter ocorrido o rebentamento de uma mina no rio Cobade, em 1967, passou a existir uma cortina avançada de botes de borracha guarnecidos pelos fuzileiros de escolta, em zonas críticas seguiam à frente da primeira unidade do comboio junto às margens, tentando detetar qualquer fio a elas preso”.
Mais adiante, em jeito de síntese, escreve o seguinte:
“Durante os anos da guerra da Guiné, foram inúmeros os incidentes resultantes dos muitíssimos contactos de fogo entre o inimigo e as nossas unidades navais, no desempenho das suas missões em águas internas daquela Província.
De 1961 a 1964, além dos 50 fuzileiros mortos em combate na guerra da Guiné, morreram igualmente em combate 8 praças ao serviço da Esquadrilha de Lanchas.
A verdade é que, apesar das dezenas de baixas e feridos, de centenas de furos e outros danos graves nos costados das embarcações, da LDM 302 ter sido afundada e recuperada duas vezes, foi possível assegurar, até ao fim, a utilização dessas vias de comunicação”.
Nota curiosa, não há nenhuma referência nesta comunicação à Operação Mar Verde nem às operações que envolveram Alpoim Calvão, o mais condecorado dos oficiais da Marinha.
Durante séculos usaram-se arbitrariamente diferentes topónimos para referir lugares da Guiné onde os portugueses marcavam presença: Terra dos Negros, Rios da Guiné de Cabo Verde, a Guiné de Cabo Verde, Senegâmbia. Encontrei numa comunicação de Teixeira da Mota, apresentada em Washington em 1950, a propósito dos contactos culturais luso-africanos na Guiné de Cabo Verde esta ilustração que me parece elucidativa para se compreender a presença portuguesa na Grande Senegâmbia até ao século XIX. Não esquecer que Honório Pereira Barreto escreveu a sua “memória” sobre a Senegâmbia portuguesa ainda na primeira metade do século XIX. Esta imagem tem um elevado peso histórico: a presença portuguesa confinava-se à faixa litoral, a Norte, acima do rio Gâmbia, em terra dos Sereres, havia povoados de comerciantes, uns oriundos de Cabo Verde, outros de descendentes de judeus, outros de filhos da terra. Infiltravam-se pelas zonas ribeirinhas, aproveitavam-se dos terrenos muitos baixos e atravessados em todos os sentidos por uma densa rede de canais e rias. Os lançados ou tangomaus para se defenderem dos corsários e piratas fortificaram-se e assim nasceu Cacheu (1558) a primeira vila portuguesa da Guiné, e até meados do século XVII surgiram Geba, Bissau, Farim, Ziguinchor e Porto da Cruz. Chegados ao século XIX, a Senegâmbia portuguesa estendia-se entre o rio Casamansa e o rio Nuno.
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15828: Notas de leitura (814): “Crónica de Uma Viagem à Costa da Mina no Ano de 1480", por Eustache de La Fosse (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Obrigado, Mário, por mais esta recensão bibliográfica... Lês por nós os livros que nunca mais teremos tempo de ler, em vida útil... Hoje já ando a fazer uma lista dos livros que hei de levar para o céu... De qualquer modo, fico-te grato por trazeres a marinha, até ao nosso blogue... Temos poucos marinheiros, na Tabanca Grande, nem eles eram assim tantos como os infantes e outros peões...
A referência à LDM 302, afundada duas vezes no Cacheu, trouxe-me de imediato, à lembrança, um dos seus tripulantes, o fogueiro que foi meu conterrâneo, vizinho, colega de escola e amigo, Ludgero Henriques de Oliveira, natural da Lourinhã, e que a morte levou, precoce e injustamente, aos 64 anos, em 2012...
Por uma razão ou outra, nunca consegui ter com ele a conversa que tinhamos combinado fazer sobre as nossas experiências na Guiné... Na sequência de um internamento hospitar, e ao que parece de uma infeção nosocomial, o Ludgero foi juntar-se aos bravos marinheiros e soldados que da lei da morte já se libertaram... Nem sequer lhe fui dar a última despedida, só tardiamente soube do seu desaparecimento...
Tenho falado com o filho que me prometeu ceder algumas fotas do pai para digitalizar... O Ludgero era sargento chefe reformado da Armada, e tinha uma cruz de guerra. Nunca mo disse, era um homem modesto, que no entanto tinha um grande orgulho em ter servido a nossa marinha de guerra... e nomeadamente na Guiné.
Vd. poste de 28 DE JUNHO DE 2012
Guiné 63/74 - P10084: Antologia (76): Vida e morte da gloriosa LDM 302, a cuja heróica guarnição pertenceu o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, natural da Lourinhã, condecorado com a Cruz de Guerra em 1968 (Manuel Lema Santos / Luís Graça)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2012/06/guine-6374-p10085-antologia-76-vida-e.html
A relação feita das unidades navais do CDMG não integra as antigas traineiras e enviadas que durante os primeiros anos da guerra patrulharam quase todos os rios da Guiné. As 4 Lanchas patrulhas (LP1, LP2, LP3 e LP4), diferiam em tamanho mas eram todas de madeira. Estavam armadas, tinham casamatas a meia nau e pintadas com a cor da Armada. Uma delas fez durante a guerra do Como o transporte de víveres e tropa para Cachil durante algum tempo. Há uma foto no nosso Blogue dela. manuel amante
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