Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos, de doença... Vários antigos camaradas, tugas, ajudaram-no a sobreviver... Dizem-me que trabalhou na construção civil...
Para mim, que o cheguei a comandar, várias vezes, em operações, era uma criança na guerra... Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta e a especialidade (em Contuboel, nç 1º semestre de 1969)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se, erradamente, que era filho do régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha... Era um bravo combatente e um temível apontador de Mort 60. Fula, pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª Secção (comandada pelo nosso querido camarigo António Fernando R. Marques). (LG)
Foto: © Benjamim Durães (2010) /Blogue Luís Graça & Camaradas daa Guiné. Todos os direitos reservados
Ninguém, ao que eu saiba, se indignou com o facto, em 1969, em Contuboel no Centro de Instrução Militar de Contuboel, onde fizeram a recruta e tiraram a especialidade pelo menos 200 mancebos guineenses que foram formar mais tarde a CCAÇ 11 e a CCAÇ 12...
Os guineenses não tinham "certidão de nascimento", é a desculpa que te davam... Dezasseis anos, o Umaru ? Era o que toda a gente achava que ele tinha... Mas havia mais "putos", menores, que não tinham idade para ir para a tropa, muito menos para a guerra... E, no entanto, passaram todos os "testes"... E tipos muito mais velhos, com idade de serem pais destes "putos"...
Como foi possível um médico metropolitano (se calhar nem houve inspeção médica!), para não falar no resto dos "burocratas" da junta médica, que deu o Umaru e outros putos, fulas dos regulados de Badora e do Cossé, como "aptos para todo o serviço militar"!... Que importava, se eram todos "voluntários" (?), e sobretudo "carne para canhão" ?
O recruta Umaru Baldé, Contuboel, 1969. Foto de Valdemar Queiroz (2014) |
O Umaru Baldé e outros putos da CCAÇ 12 teriam (?) 16 anos!... O Capitão Inf QP, formado na Academia Militar (ou melhor, Escola do Exército, que a antecedeu a Academia Militar), católico, Carlos Machado Brito, comandante da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e os 3 sargentos QP, o com-chefe gen Spínola, bolas, e todos nós, oficiais e sargentos milicianos da CCAÇ 12, aceitámos esse facto como algo de "muito natural"... "Na Guiné faz como os guineenses", que isto não é a tua terra, nem são os teus usos e costumes...
Que profundo cinismo, que degradação dos nossos valores, humanos, portugueses, cristãos... Não me consola saber que, do lado do PAIGC e do grande lider revolucionário africano Amílcar Cabral, que se dizia ser tão português como os melhores portugueses (!), também não havia quaisquer pruridos em põr nas mãos de um criança uma Kalash!...
Quando comecei a viajar pelo norte de Portugal, a partir do "verão quente" de 1975, ainda era vulgar ouvir, da boca dos adultos, a justificação (ideológica) do trabalho infantil: "O trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco".... Spínola e Amílcar Cabral deviam conhecer bem o provérbio popular...
Só mais tarde, ao fazer um estudo de sociologia rural, é que percebi (melhor) que, no norte dos camponeses e rendeiros pobres, pai era "pai e patrão"... e que a família camponesa era, antes de mais, uma unidade económica, uma empresa...
Bom fim de semana, camaradas, de norte a sul do país, e se possível sem os fogos florestais que nos tiram o sono e estão a dar cabo do que resta da nossa terra... (Ouvi há dias um senhor professor catedrático de geografia lá do norte dizer, ex-cathedra, na televisão, que o nosso problema era ter terra a mais...Sugiro que a vendam aos chineses, que têm terra a menos...). (**)
PS1 - Tiro o quico aos nossos bravos "soldados da paz", e sou solidário com todos as vítimas destes brutais fogos de agosto de 2016.
PS2 - Segundo o meu querido amigo, camarada e vítima de infortúnio António Fernando Marques, o Umaru Baldé chegou a Portugal a 15 de abril de 1999 e aqui viveu e trabalhou até falecer, por doença, "indo só à Guiné em 2001, para estar algum tempo com a família". O António correspondeu-se muito com ele , e outros camaradas guineenses da CCAÇ 12 (como o José Carlos Suleimane Baldé), nomeadamente entre 1971 e 1973. Gostaria de ter tempo para um dia poder ler e analisar essa correspondência que o António tem em arquivo e que já manifestou interesse e vontade em pôr à minha disposição.
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 12 de agosto 2016 >Guiné 63/74 - P16382: Álbum fotográfico de Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, 1969/71) - Parte III: Lembrando, com saudade, o "puto" Umaru Baldé
(**) Último poste da série > 2 de agosto de 2016 >Guiné 63/74 - P16354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (88): “Para cá do Marão mandam os que cá estão,/ Que até aqui Basto eu!” (Luís Jales Oliveira)
(*) Vd. poste de 12 de agosto 2016 >Guiné 63/74 - P16382: Álbum fotográfico de Fernando Andrade Sousa (ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12, 1969/71) - Parte III: Lembrando, com saudade, o "puto" Umaru Baldé
(**) Último poste da série > 2 de agosto de 2016 >Guiné 63/74 - P16354: Manuscrito(s) (Luís Graça) (88): “Para cá do Marão mandam os que cá estão,/ Que até aqui Basto eu!” (Luís Jales Oliveira)
5 comentários:
Olá Luís! O Voluntariado nas Forças Armadas Portuguesas, foi permitido, aos 16 anos, durante anos e anos. É verdade que as Famílias,principalmente rurais,constituíam unidades de produção. Daí, o Pai Patrão. Nada melhor, que rever o excelente filme italiano, Padre Padrone, dos Irmãos Taviani, de 1977. Abraço J. Cabral
"Alfero Cabral", muito obrigado pelo pronto e oportuno esclarecimento... Fica reparada a honra do exército português que, no TO da Guiné, aceitava "meninos de sua mãe", no seu seio...
Obrigado, também pela referência cinéfila: lamentavelmente nunca cheguei a ver o filme, "Padre Padrone" (1977), dos manos Paolo e Vittorio Taviani... Ganhou a Palma de Ouro do 30º Festival de Cannes, em 1977.
https://en.wikipedia.org/wiki/Paolo_and_Vittorio_Taviani
https://en.wikipedia.org/wiki/Padre_Padrone
O Exército Português aceitava.Mas o PAIGC como os outros movimentos em Angola e Moçambique, esses não aceitavam, recrutavam -voluntariamente à força -mas a causa era diferente, digo eu.
José Dias
Caros amigos,
O recrutamento ou mobilizacao de pessoal local (auxiliar ou milicia indigena) nao comecou com a Guerra colonial, foi simplesmente a continuacao do que se fazia quando havia a solicitacao da administaracao colonial na Guine para efeitos da defesa da patria, como se dizia naqueles trempos.
E, tb, durante a Guerra colonial houve diferentes fases de recrutamento assim como diferentes modalidades.
No caso dos regulados do leste e nordeste da Guine (regioes de Bafata e Gabu), na primeira fase o recrutamento era conduzido pelo poder local (os regulos) que solicitavam aos Chefes das aldeias o fornecimento de certo numero de "voluntarios" que na verdade nao eram mais do que representantes das suas aldeias na contribuicao para a defesa do Chao contra os "terroristas". Mais tarde, estes "voluntarios" acabavam depois por se oferecer para uma segunda fase de recrutamento para o exercito agora sim, de forma mais ou menos voluntaria, e iam para Bolama, Fa-Mandinga ou Mansoa. Esta primeira geracao de "voluntarios' era constituida por homens maduros com mais de vinte anos.
Mais tarde, com o prolongamento da Guerra e a insuficiencia de voluntarios para uma Guerra cada vez mais mortifera, o "voluntariado" acabou por se democratizar e ser mais um assunto individual do que colectivo e acompanhado de uma forte motivacao social e monetaria. Foi entao que as criancas comecaram a entrar em jogo empurradas pelas familias e tambem por um certo desejo de mudanca de estatuto social que a tropa permitia tanto no meio rural como urbano. A fama e a irreverencia dos Comandos Agricanos tambem nao era alheia em muitos casos.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
No meu Pelotão- Pel. Caç. Nat. 63,todos os Soldados, tinham mais de 30 anos, havendo mesmo um o Nanque,com cerca de 50.Por isso, consideravam os Camaradas, da C.Caç. 12, como Meninos...Abraço. J.Cabral
Enviar um comentário