Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar Queiroz (12) ao lado do alf mil Pina Cabral (13) e o 4º.Pelotão... Restantes furriéis: Pinto (5) e Macias (9). (*)
1. Não se sabe quem foi o fotógrafo mas a máquina fotográfica era do ex-alf mil Pina Cabral, Sabe-se que a foto foi tirada em junho de 1970, na Guiné, no Quartel de Baixo, em Nova Lamego, na parada e em cima duma GMC que tinha sido atingida por uma mina anti-carro. Sabemos que uns vieram com o seu melhor fardamento, os dois primeiros da primeira fila da frente esquerda; sabemos que outros, os últimos da direita, da fila da frente, festejaram o evento como que uns ‘putos’ lá na sua escola. Ssabemos que o ex-alf mil Pina Cabral (13), à frente e ao centro, comandante do Pelotão, muito bem fardado, impõe respeito a toda a gente. E também sabemos que não festejávamos coisíssima nenhuma.
Foi como se nos juntássemos todos para uma foto de fim de tarde num dia especial, mas que não se consegue adivinhar por qual foi o motivo. É uma grande e enigmática fotografia:
(i) quem saberá qual a razão do Lobo Seidi, o primeiro, em baixo, do lado esquerdo á frente (1), ser o único de cabeça baixa ?
(ii) quem saberá qual a razão o Caró Seidi, o terceiro, do lado esquerdo á frente (2), estar a mostrar uma caixa de fósforos ?
(iii) quem saberá qual a razão o Adulo Jaló (3) e o ex-1º. cabo Altino (4) e até o ex-fur mil Pinto (5), na segunda posição, em cima, lado direito, estarem a olhar para o infinito ?
(iv) quem saberá qual a razão do ex-1º cabo Silva (6), a seguir , com a mão esquerda na cadela ‘Judi’ (7) ser o mais ‘pensativo’ de todos ?
(v) e até a pose de guarda-costas do Arfan Jau (8) em cima à direita atrás do ex-fur mil Macias (9) ?
(vi) quem saberá qual a razão de não haver grandes ‘expressões’ de alegria, excetuando o caso, da pose excepcional, o hino entre os povos, o português no seu melhor de confraternizar com toda a gente, que é a pose do ex-1º cabo Rocha (10) no lado direito, em baixo, com o braço sobre o ombro do Aliu Djaló (11), num quase abraço, numa comunhão entre os povos, mas desta vez, infelizmente, na guerra, mas contentes, como que se os dois tivessem acabado de ver um jogo vitorioso do Benfica?
Julgo não haver muitas poses como esta, julgo mesmo que será a única. Esta é uma grande (e enigmática) foyografia em que cada observador pode fazer ou conjecturar muitos comentários, provavelmente perguntar se o Alseine, Saliu, Camará, Mutaro, Bácar, Arfan (8), Macias (9), Bonco, Tamaiana, Silva (6), a ‘Judy’ (7), Adulo, Altino, Jarga, Pinto (8), Lobo (1), Tagundé, Boi, Pina Cabral (13), Queiroz (12), Mamadu, Ussumane, Fode, Aliu (11) e Rocha estarão vivos. Não sabemos. O Macias, Silva, Altino, Pinto, Pina Cabral, Queiroz, Rocha e até o Boi Colubali estão vivos, os outros, agora com idades de mais de sessenta anos e até mais de setenta, não sabemos.
A única coisa que sabemos é que esta fotografia existe e retrata vinte e nove jovens que estiveram na guerra da Guiné.
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) Canquelifá > 1970 > Festas do fim do Ramadão > Lutas fulas, de corpo a corpo... Repare-se no risco, dividindo os dois campos...
Foto: © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]
2. Mensagem do Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 2479 /
CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
Data: 22 de outubro de 2016 às 00:11
Assunto: Ainda sobre esposas da metrópole na Guiné. (**)
Viva, Luís Graça.
O Arfan Jau, soldado do meu 4º. Pelotão, da CArt 11, era um lutador profissional, ou quase, dado que tinha 18 anos e fazia vida, para ganhar algum dinheiro, com as lutas 'à fula' (género greco-romana) em dias de festa.
Era, ainda com pouca idade, um grande campeão. Mas o Arfan Jau também era nosso soldado. E que grande soldado, em valentia, porte físico e humildade.
Ele era da secção do ex-fur mil Macias e logo entendeu que o furriel precisava dum guarda-costas. Para onde ia o Macias lá estava o Arfan Jau (vide foto do 4º Pelotão em Nova Lamego e lá está o Arfan ao lado do Macias).
O ex-allf mil Pina Cabral, cmdt do nosso Pelotão, achou que o Arfan Jau estava adquirir um estatuto especial e a tornar-se muito refilão e, para levar uma carecada por grande 'reguila', faltou pouco e assim foi. E lá o valente lutador Arfan Jau levou uma carecada disciplinar.
Coitado já não podia lutar, parece que era o cabelo que lhe dava força [, tal como Sansão da Dalila].
Um dia, o Arfan Jau ainda com uma grande carecada e com
o quico debaixo do braço, entrou, na hora do almoço, na messe de oficiais e sargentos a perguntar pelo furriel Macias . Logo à entrada era a mesa do Capitão e dos Alferes e também da esposa do nosso cap mil Analido Aniceto Pinto (***) [, foto á direita]
que já estava a viver com ele em Nova Lamego.
– Então, Jau? O que é que te aconteceu? – perguntou a senhora quando o viu careca.
Respondeu o Arfan Jau, com toda a humildade e com palavras em português que tinha aprendido com soldados do Porto;
– Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido.
Que maravilha!!!!
Já não me lembro se houve um silêncio embaraçoso ou umas gargalhadas estridentes.
A esposa do Capitão ainda por lá ficou uns meses, depois por já estar em estado avançado de gravidez foi evacuada. (****)
Um abraço
Valdemar Queiroz
_________________
CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
Data: 22 de outubro de 2016 às 00:11
Assunto: Ainda sobre esposas da metrópole na Guiné. (**)
Viva, Luís Graça.
O Arfan Jau, soldado do meu 4º. Pelotão, da CArt 11, era um lutador profissional, ou quase, dado que tinha 18 anos e fazia vida, para ganhar algum dinheiro, com as lutas 'à fula' (género greco-romana) em dias de festa.
Era, ainda com pouca idade, um grande campeão. Mas o Arfan Jau também era nosso soldado. E que grande soldado, em valentia, porte físico e humildade.
Ele era da secção do ex-fur mil Macias e logo entendeu que o furriel precisava dum guarda-costas. Para onde ia o Macias lá estava o Arfan Jau (vide foto do 4º Pelotão em Nova Lamego e lá está o Arfan ao lado do Macias).
O ex-allf mil Pina Cabral, cmdt do nosso Pelotão, achou que o Arfan Jau estava adquirir um estatuto especial e a tornar-se muito refilão e, para levar uma carecada por grande 'reguila', faltou pouco e assim foi. E lá o valente lutador Arfan Jau levou uma carecada disciplinar.
Coitado já não podia lutar, parece que era o cabelo que lhe dava força [, tal como Sansão da Dalila].
Um dia, o Arfan Jau ainda com uma grande carecada e com
o quico debaixo do braço, entrou, na hora do almoço, na messe de oficiais e sargentos a perguntar pelo furriel Macias . Logo à entrada era a mesa do Capitão e dos Alferes e também da esposa do nosso cap mil Analido Aniceto Pinto (***) [, foto á direita]
que já estava a viver com ele em Nova Lamego.
– Então, Jau? O que é que te aconteceu? – perguntou a senhora quando o viu careca.
Respondeu o Arfan Jau, com toda a humildade e com palavras em português que tinha aprendido com soldados do Porto;
– Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido.
Que maravilha!!!!
Já não me lembro se houve um silêncio embaraçoso ou umas gargalhadas estridentes.
A esposa do Capitão ainda por lá ficou uns meses, depois por já estar em estado avançado de gravidez foi evacuada. (****)
Um abraço
Valdemar Queiroz
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Notas do editor:
(*) 29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13666: Fotos à procura de... uma legenda (35): 4º pelotão, CART 11, junho de 1970, Nova Lamego... Uma grande e enigmática foto (Valdemar Queiroz)
(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16623: Inquérito 'on line' (77): Num total de 117 respostas, 62% diz que, nos sítios onde esteve, no mato, nunca houve familiares de militares, metropolitanos ou guinenses... Comentários dos camaradas Jorge Cabral, Vasco Pires, Jorge Canhão, Rogério Cardoso, Carlos Mendes Pauleta, Eduardo Estrela, José Colaço, J. Diniz Sousa Faro e Manuel Amaro
(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12752: In Memoriam (181): Analido Aniceto Pinto morreu ontem, em Lisboa. Foi cap mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte)
(****) Último poste da série > 23 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16629: (De)caras (48): Apresentação, na A25A, em Lisboa, em 20/10/2016, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... Vídeo com direito a poema, escrito em Bissau, em 1997
(*) 29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13666: Fotos à procura de... uma legenda (35): 4º pelotão, CART 11, junho de 1970, Nova Lamego... Uma grande e enigmática foto (Valdemar Queiroz)
(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16623: Inquérito 'on line' (77): Num total de 117 respostas, 62% diz que, nos sítios onde esteve, no mato, nunca houve familiares de militares, metropolitanos ou guinenses... Comentários dos camaradas Jorge Cabral, Vasco Pires, Jorge Canhão, Rogério Cardoso, Carlos Mendes Pauleta, Eduardo Estrela, José Colaço, J. Diniz Sousa Faro e Manuel Amaro
(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12752: In Memoriam (181): Analido Aniceto Pinto morreu ontem, em Lisboa. Foi cap mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte)
(****) Último poste da série > 23 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16629: (De)caras (48): Apresentação, na A25A, em Lisboa, em 20/10/2016, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... Vídeo com direito a poema, escrito em Bissau, em 1997
5 comentários:
Boa tarde. Fotografia que me tocou na alma. O Arfan Jau em 1973 era o bazuqueiro do terceiro pelotão da ccaç 12. Foi ferido ligeiramente, com estilhaços nas costas, numa emboscada havida a 25 de fevereiro de 73, no local habitual, ou seja a caminho da Ponta do Inglês. Continuava reguila e gostava de lutas. Fico agora a saber que era lutador fula. Uma vez e em brincadeira, lutou comigo, na Ponta Coli, local de segurança diária na estrada Xime - Bambadina. Levei um banho.
Abraços para todos e obrigado pela partilha
António Duarte
Ex Fur Atirador - cart 3493 e ccaç 12
António, obrigado pelo teu comentário.
Originalmente, o Arfan Jau fazia parte da CART 2479 / CART 11 (mais tarde CCAÇ 11), não constando da composição orgânica da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 do meu tempo (junho de 1969/março de 1971)... Fico a saber que se terá transferido para a CCAÇ 12, talvez já no tempo do teu BART 3873 (1972/74)... Ab. LG
Viva, António Duarte.
Sempre pensei que o Arfan Jau tivesse ficado em Paunca, onde ficou fixada a nossa
CART.11, em Dezembro de 1969. Pelos vitos foi para a CCAÇ. 12 e prós lados de Bambadinca, afinal grande parte dos nossos soldados era dessa zona.
Folgo em saber que em 1973, já um homenzinho, continuava a ser um grande valentão.
Abraço
Valdemar Queiroz
Caros amigos,
Por falar em "discursos e embaracos" dos nossos soldados locais, lembrei-me de uma estoria que se contava no quartel entre os "jubis" segundo a qual, um alto oficial das nossas tropas especiais que se tinha deslocado para a metropole a fim de receber a sua medalha de Guerra em pompa e circunstancia tal como se fazia na altura. E durante a cerimonia, convidado a dirigir algumas palavras aos ilustres convidados ali presentes, nao hesitou e fez o discurso militar que ficaria na memoria de todos os presentes, comecando assim:
- Meus Senhores e minhas senhoras!
- Meus Putos e minhas P...! A Guerra na Guine eh muito fodida...!
Talvez alguem tenha ouvido, nao garanto que seja verdade, pode ser que tenha sido um simples humor de caserna como costuma dizer o Luis Graca. O que eh certo e inegavel eh que a tropa metropolitana estava se lixando com os aspectos da educacao e das boas maneiras ou, como se diz hoje em dia, do politicamente correcto, nao se preocupando das consequencias futuras de um tal comportamento, talvez fosse uma forma de se vingar da realidade da Guerra para onde tinham sido atirados sem querer.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
Caros amigos,
Por falar em "discursos e embaracos" dos nossos soldados locais, lembrei-me de uma estoria que se contava no quartel entre os "jubis" segundo a qual, um alto oficial das nossas tropas especiais que se tinha deslocado para a metropole a fim de receber a sua medalha de Guerra em pompa e circunstancia tal como se fazia na altura. E durante a cerimonia, convidado a dirigir algumas palavras aos ilustres convidados ali presentes, nao hesitou e fez o discurso militar que ficaria na memoria de todos os presentes, comecando assim:
- Meus Senhores e minhas senhoras!
- Meus Putos e minhas P...! A Guerra na Guine eh muito fodida...!
Talvez alguem tenha ouvido, nao garanto que seja verdade, pode ser que tenha sido um simples humor de caserna como costuma dizer o Luis Graca. O que eh certo e inegavel eh que a tropa metropolitana estava se lixando com os aspectos da educacao e das boas maneiras ou, como se diz hoje em dia, do politicamente correcto, nao se preocupando das consequencias futuras de um tal comportamento, talvez fosse uma forma de se vingar da realidade da Guerra para onde tinham sido atirados sem querer.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
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