O sol a nascer na Ilha da Madeira
Foto: © Dina Vinhal
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Sol envergonhado…
Amanhecer de Domingo.
Paira o silêncio pelas ruas.
Apenas os semáforos continuam sua luta sem sentido.
Nem os corvos apareceram.
Só os melros.
Um casal em cada souto.
Lá estava quieta sobre a relva,
Aquela bolinha rubra
Que algum menino ali deixou.
Há vestígios de neve, aqui e ali.
Está para breve o fim do seu reinado.
Os arbustos secos dos valados,
Adormecidos,
Parecem mortos.
Ninguém supõe que,
Com mais uns graus de sol,
Pujantes, eles reverdecem.
Fui e vim e não encontrei ninguém.
Só a moça russa da padaria…
Berlim, 19 de Fevereiro de 2017
8h25m
Jlmg
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O manjar das ostras…
Se tornou habitual.
No Bar “Tombali”,
Em Catió.
A sala de estar era uma esplanada
Por debaixo dum embondeiro.
Frondoso de sombra
Naquelas tardes quentes.
Por encomenda, a dada hora,
Por volta das quatro,
Aparecia uma bajuda,
O corpo luzente,
De açafate à cabeça.
Vinha cheio de ostras verdes,
Acabadinhas de apanhar.
Do bar, apenas eram as cervejas
E os pratos com metades de limão.
Cada um com sua faca própria.
Era um descascar sem fim.
Um sabor a mar,
A consolação da guerra,
Naquele regalo único
Que nunca mais esqueceu…
Berlim, 16 de Fevereiro de 2017
15h35m
Jlmg
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Galeria dos apaixonados…
Cada vez mais escassa a galeria dos apaixonados.
Dissiparam-se os horizontes.
A beleza se enevoou.
Perderam-se no infinito
Os ideais das formas.
Soam a falso essas miragens modernas
De falsas formas.
Estéreis e repelentes.
Foi-se a harmonia das combinações.
Só o estridente e dissonante agrada
Aos olhos cegos e ouvidos duros.
As cores se combinam em acres feixes.
Mais valeria a estagnação imóvel.
Ninguém contempla já o nascer do sol.
Só o ruído e o bombardear das luzes
A jorrar dos palcos.
Nunca mais reabrem os portões das artes…
Berlim, 16 de Fevereiro de 2017
8h53m
Jlmg
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Nota do editor
Último poste da série de 12 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17043: Blogpoesia (493): "O ribeiro de minha varanda..."; "Minha casa de inverno..." e "Branca capela...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
2 comentários:
Meu caro Joaquim, continuas a ser o (e)terno poeta do quotidiano de Berlim, das quatro estações, da atmosfera própria dessa cidade aberta que eu também aprendi a conhecer e a amar quando lá voltei, em março de 2015...
Obrigado, igualmente, pelo teu poema "O manjar das ostras"... Não conheci o bar "Tombali" nem Catió, mas em Bambadinca tínhamos o bar do Zé Maria e os lagostins do Rio Geba e, em Bissau, as travessas de ostras que devam para um lanche ajantarado, regadas com lima e cerveja... Não era uma manjar, era uma prova pantagruélica...
Também não esqueço esse "regalo único": (...) "Era um descascar sem fim./ Um sabor a mar, / A consolação da guerra" (...)
Deixa-me dizer o teu poema, aqui em voz alta, e recuar meio século no filme das nossas vidas:
O manjar das ostras…
Se tornou habitual.
No Bar “Tombali”,
Em Catió.
A sala de estar era uma esplanada
Por debaixo dum embondeiro.
Frondoso de sombra
Naquelas tardes quentes.
Por encomenda, a dada hora,
Por volta das quatro,
Aparecia uma bajuda,
O corpo luzente,
De açafate à cabeça.
Vinha cheio de ostras verdes,
Acabadinhas de apanhar.
Do bar, apenas eram as cervejas
E os pratos com metades de limão.
Cada um com sua faca própria.
Era um descascar sem fim.
Um sabor a mar,
A consolação da guerra,
Naquele regalo único
Que nunca mais esqueceu…
Um bom momento...este. Reencontro com a Tabanca Grande...Abraço.
Joaquim
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