domingo, 19 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17060: Blogpoesia (494): "Sol envergonhado..."; "O manjar das ostras..." e "Galeria dos apaixonados...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

O sol a nascer na Ilha da Madeira
Foto: © Dina Vinhal


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Sol envergonhado…

Amanhecer de Domingo.
Paira o silêncio pelas ruas.
Apenas os semáforos continuam sua luta sem sentido.
Nem os corvos apareceram.
Só os melros.
Um casal em cada souto.

Lá estava quieta sobre a relva,
Aquela bolinha rubra
Que algum menino ali deixou.

Há vestígios de neve, aqui e ali.
Está para breve o fim do seu reinado.

Os arbustos secos dos valados,
Adormecidos,
Parecem mortos.

Ninguém supõe que,
Com mais uns graus de sol,
Pujantes, eles reverdecem.

Fui e vim e não encontrei ninguém.
Só a moça russa da padaria…

Berlim, 19 de Fevereiro de 2017
8h25m
Jlmg

************

O manjar das ostras… 

Se tornou habitual. 
No Bar “Tombali”, 
Em Catió. 

A sala de estar era uma esplanada 
Por debaixo dum embondeiro. 
Frondoso de sombra 
Naquelas tardes quentes. 

Por encomenda, a dada hora, 
Por volta das quatro, 
Aparecia uma bajuda, 
O corpo luzente, 
De açafate à cabeça. 

Vinha cheio de ostras verdes, 
Acabadinhas de apanhar. 

Do bar, apenas eram as cervejas 
E os pratos com metades de limão. 

Cada um com sua faca própria. 

Era um descascar sem fim. 
Um sabor a mar, 
A consolação da guerra, 
Naquele regalo único 
Que nunca mais esqueceu… 

Berlim, 16 de Fevereiro de 2017 
15h35m
Jlmg

************

Galeria dos apaixonados…

Cada vez mais escassa a galeria dos apaixonados. 
Dissiparam-se os horizontes. 
A beleza se enevoou. 
Perderam-se no infinito 
Os ideais das formas.

Soam a falso essas miragens modernas 
De falsas formas. 
Estéreis e repelentes.

Foi-se a harmonia das combinações. 
Só o estridente e dissonante agrada 
Aos olhos cegos e ouvidos duros.

As cores se combinam em acres feixes. 
Mais valeria a estagnação imóvel.

Ninguém contempla já o nascer do sol. 
Só o ruído e o bombardear das luzes 
A jorrar dos palcos.

Nunca mais reabrem os portões das artes…

Berlim, 16 de Fevereiro de 2017 
8h53m 
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17043: Blogpoesia (493): "O ribeiro de minha varanda..."; "Minha casa de inverno..." e "Branca capela...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Meu caro Joaquim, continuas a ser o (e)terno poeta do quotidiano de Berlim, das quatro estações, da atmosfera própria dessa cidade aberta que eu também aprendi a conhecer e a amar quando lá voltei, em março de 2015...

Obrigado, igualmente, pelo teu poema "O manjar das ostras"... Não conheci o bar "Tombali" nem Catió, mas em Bambadinca tínhamos o bar do Zé Maria e os lagostins do Rio Geba e, em Bissau, as travessas de ostras que devam para um lanche ajantarado, regadas com lima e cerveja... Não era uma manjar, era uma prova pantagruélica...

Também não esqueço esse "regalo único": (...) "Era um descascar sem fim./ Um sabor a mar, / A consolação da guerra" (...)


Deixa-me dizer o teu poema, aqui em voz alta, e recuar meio século no filme das nossas vidas:

O manjar das ostras…

Se tornou habitual.
No Bar “Tombali”,
Em Catió.

A sala de estar era uma esplanada
Por debaixo dum embondeiro.
Frondoso de sombra
Naquelas tardes quentes.

Por encomenda, a dada hora,
Por volta das quatro,
Aparecia uma bajuda,
O corpo luzente,
De açafate à cabeça.

Vinha cheio de ostras verdes,
Acabadinhas de apanhar.

Do bar, apenas eram as cervejas
E os pratos com metades de limão.

Cada um com sua faca própria.

Era um descascar sem fim.
Um sabor a mar,
A consolação da guerra,
Naquele regalo único
Que nunca mais esqueceu…

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Um bom momento...este. Reencontro com a Tabanca Grande...Abraço.
Joaquim