segunda-feira, 15 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,

A façanha de Al Venter deverá ser tida em conta: na atividade correspondente de guerra, cobriu as três frentes de batalha, andou mais de uma década em helicópteros, em operações, entrevistando os protagonistas. Coligiu em forma de livro todas essas notas pessoais e não esconde a sua perspetiva jornalística. Dirá, perto do final das suas quinhentas páginas, que Portugal, ao transferir para Ultramar o peso predominante do fornecimento de mão-de-obra, ganhou em quatro frentes: alargou a fonte de mão-de-obra militar; reduziu o custo das tropas em campo; ganhou uma grande medida de sustentabilidade; manteve o conflito dominado e em baixo ritmo. Este aspeto admirável como balanço de guerra não implica, como leremos neste primeiro texto, que o descontentamento atingia por tabela oficiais do quadro permanente e milicianos.

Os apêndices do livro são muitos importantes.

Um abraço do
Mário



Portugal e as Guerrilhas de África (1), por Al J. Venter

Beja Santos

“Portugal e as guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann, é uma detalhada viagem – reportagem de um jornalista que pisou as frentes da Guiné, Angola e Moçambique. O seu primeiro relato, intitulado "The Terror Fighters (1969)", respeita a Angola. A obra seguinte, já circunstanciadamente referida no blogue bem como no livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné Bissau: Um Roteiro”, de que sou coautor intitulou-se "Portugal’s War in Guinea-Bissau". Para o prefaciador, “Al Venter combina descrições vividas dos combates, as vidas quotidianas dos soldados em combate e a perspetiva mais alargada da campanha através de uma série de entrevistas e observações como repórter de guerra experimentado”. E conclui: “Embora não tenha sido derrotado no campo de batalha, Portugal acabou por reconhecer em 1974 a futilidade da luta. A sua descolonização realizou-se a um ritmo rápido e mal ponderado, não tendo levado a paz a qualquer das suas antigas colónias. Ninguém ficou feliz com o resultado e, nas décadas seguintes, a África Lusófona tornou-se um campo de batalha permanente para interesse locais e internacionais”.

Estamos em Angola, eclodem as sublevações em 1961, Al Venter esboça o plano de fundo da descolonização no continente. Embora, em termos propagandísticos, o regime dissesse que estava orgulhosamente só, militarmente não estava, como o autor observa: 

“Apesar dos seus problemas, Portugal teve apoio material, embora discreto, da maior parte da Europa, dos seus aliados na NATO. Outros países pró-ocidentais, como Marrocos, e um ou dois Estados do Médio-Oriente – incluindo a anticomunista Arábia Saudita – forneceram a Lisboa medidas de assistência secretas. Quase todas as armas e aeronaves deslocadas para as três províncias ultramarinas tinham a marca da Organização do Tratado Atlântico Norte e, apesar da NATO não ter tido uma participação ativa nas guerras coloniais portuguesas, não era segredo que muitos especialistas americanos e europeus colaboraram nas várias áreas operacionais. Washington centrava-se no material bélico que era fornecido pelos Estados comunistas, em particular em algumas das armas utilizadas contra as forças americanas no Vietname”.

De 16 a 18 de Fevereiro de 1973, Al Venter está em Tete, em Moçambique, descreve ao pormenor a coluna, as minas, o calor opressivo. Depois salta para Angola, em 1968 está na região dos Dembos, de repente, num encarte de fotografias a cores vejo o Virgínio Briote no seu bilhete de identidade, como coleção do autor, mais adiante, encontrarei outra fotografia do nosso blogue, aquela iconográfica marcha na bolanha com água até à cintura, também como fotografia do autor, acho isto muito estranho mas adiante, os lesados que se manifestem. 

Viaja entre Nambuangongo e Zala, entrevista um capitão de nome Alçada, apercebe-se que os oficiais do quadro permanente mostram-se reticentes sobre o desfecho da guerra. Dá-nos um histórico do MPLA, da FNLA e da UNITA. E parte para Cabinda, o enclave rico em petróleo. Há já alguns anos que a atividade rebelde não se fazia sentir perto da cidade, mas o enclave enfrentava os países hostis da República de Democrática do Congo Brazzaville, a luta de guerrilha era uma constante. Um oficial superior ironizou acerca de Cabinda: “É uma cidade em crescimento, tudo porque os americanos descobriram petróleo”.

Como esta extensa reportagem saltita de questão em questão, de palco de guerra em palco de guerra, Al Venter procura responder: porque é que Portugal perdeu as guerras em África? Interpretando os factos, observa que as elites tinham sabido inicialmente de se envolver uma excelente doutrina. E comenta: 

“Em mais do que uma ocasião ouvi oficias sul-africanos que estiveram em contacto com as forças portuguesas discutir a excelente teoria e com alguns planos operacionais, muito bem elaborados falharam por o trabalho no terreno ser tão fraco… À medida que a guerra progredia, um número cada vez mais elevado de jovens deixava de responder à causa. Tal como crescia em Portugal a oposição às guerras, também aumentava o número dos que não se apresentavam ao serviço militar. Estima-se que cerca de 110 mil portugueses não tenham cumprido o serviço militar entre 1961 e 1974. No último recrutamento, antes do golpe de Estado de Abril de 1974, apresentaram menos de metade dos que foram convocados. Em consequência, à medida que crescia a organização da defesa, as universidades foram chamadas a fornecer um número muito maior de oficiais subalternos necessários para combater”. E conclui: “Foi um final verdadeiramente ignominioso de uma tradição colonial de cinco séculos, magnífica embora imperfeita mas, pensando bem, quatro décadas depois, não havia alternativa”.

Entramos agora na guerra da Guiné. À semelhança do que já escrevera em Portugal’s War in Guinea-Bissau (1973), não esconde a profunda admiração pelo capitão João Bacar Djaló, oficial dos comandos africanos. Andará com esse herói de guerra na região de Tite, numa patrulha. Uma semana depois de ter deixado Tite, o capitão João Bacar Djaló foi morto. Durante uma emboscada, no Sul da Guiné, houve um acidente gravíssimo com minas antipessoais. João Bacar não foi atingido pelas minas mas por uma granada sua que se soltou da mão. Terá sido o seu último ato de heroísmo, ter-se-á apercebido que se afastasse a granada havia a probabilidade de matar os que estavam perto dele, então colocou o engenho junto ao seu corpo.

Para Al Venter, a Guiné foi a única campanha perdida por uma potência colonial em África. Descreve a relação de forças na África Ocidental e os respetivos apoios internacionais. De vez em quando, Al Venter diz coisas incompreensivas, tais como: 

“Inicialmente, o PAIGC era composto por pequenos grupos de intelectuais africanos descontentes, muitos dos quais tinham sido educados nas universidades de Lisboa ou Coimbra” – gostava de saber onde é que ele descobriu que o PAIGC tinha esta composição… 

Aliás, mais à frente dirá que Cabral foi substituído depois do seu assassinato por Vítor Monteiro, que é completamente falso. A substituição de Schulz por Spínola é apresentada como a recuperação de uma guerra que estava à beira do colapso… Mais adiante dirá que Schulz tudo fez para receber mais apoios de Lisboa e que lhe foram negados… E que até tinha formado 18 companhias de milícias. E voltamos ao princípio, à Operação Tridente.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17348: Notas de leitura (955): “Crepúsculo do Colonialismo, A Diplomacia do Estado Novo (1949-1961)”, por Bernardo Futscher Pereira, Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

7 comentários:

Anónimo disse...

Diz o Al Venter,honestamente e muito bem, segundo o Mário Beja Santos:

“Embora não tenha sido derrotado no campo de batalha, Portugal acabou por reconhecer em 1974 a futilidade da luta. A sua descolonização realizou-se a um ritmo rápido e mal ponderado, não tendo levado a paz a qualquer das suas antigas colónias. Ninguém ficou feliz com o resultado e, nas décadas seguintes, a África Lusófona tornou-se um campo de batalha permanente para interesse locais e internacionais”.

É a séria constatação da realidade, dos factos da nossa História comum, povos de Portugal, da Guiné Bissau, Angola e Moçambique.


Abraço,

António Graça de Abreu

antonio graça de abreu disse...

Depois Mário Beja Santos emite a sua opinião pessoal e diz:

"Para Al Venter, a Guiné foi a única campanha perdida por uma potência colonial em África."

Segundo Al Venter, Portugal em África "não foi derrotado no campo de batalha", segundo Beja Santos, ao enviesar por completo, ao seu modo, o entendimento do Al Venter,:
"A Guiné foi a única campanha perdida por uma potência colonial em África."

Que seriedade, que rigor histórico, que enorme honestidade intelectual por parte do Mário Beja Santos!
Assim se vai fazendo a nossa História.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

António Graça de Abreu, eles ainda não perceberam ou não querem perceber que os pseudos libertadores deram cabo de africa.Mas podiam ver a miséria que reina no continente africano, mas como parecem viver em circuito fechado, continuam com a lenga lenga da derrota etc...etc...Uma coisa é certa, no caso da Guiné, o povo é que
saiu derrotado-
Carlos Gaspar

Anónimo disse...

Ah! no caso da Guiné e não só.Porque os chineses e russos não são colonialistas, são
muitos amigos dos povos africanos.Veja-se a vergonhosa exploração de africa pelos chineses nomeadamente no controlo da alimentação.Mas isto era previsível e só não vê
quem não quer.Por isso há uma certa intelectualidade que vive em permanente distorção e não desistem.
Um abraço
Carlos Gaspar

Manuel Luís Lomba disse...

A Descolonização, jargão de cariz ideológico, indiscriminadamente referido a domínios imperiais (Índia, Vietename, Síria, Iraque, Egipto, etc)como às colónias africanas, é geralmente defendida como o maior acontecimento do século XX, emparceirado com a II Guerra Mundial. Na realidade, foram farinha do mesmo saco. Quem a impulsionou e alentou? A União Soviética e a América. O que é que a Rússia, dominadora dos países do Leste europeu e sôfrega como colonizadora da África portuguesa, a partir de 1974, e os USA, pela dolorização da economia mundial, tiveram de libertador?
Nas minhas andanças pelo mundo, fora das ambiências políticas e universitárias, não raro os portugueses eram invectivados de idiotas, enquanto descolonizadores e não raro ouvi proclamar que a descolonização da África fora o maior erro da Europa (De Gaulle dixit).
As consequências têm falado por si.
Abr.
Manuel Luís Lomba

Anónimo disse...

Senhor Luis Lomba.

"Fora das ambiências universitárias"

Quererá com isto dizer ser a cultura universitária algo de prejurativo?

Ou,em serôdia defesa de colonialismos passados,vamos todos voltar a gritar, muito certinhos, como os fascistas na guerra civil espanhola :Morte à Cultura?

R.Pires de Lima

Valdemar Silva disse...

Parece que esta coisa de para alguns a áfrica ficou-lhes atravessada na garganta serem resquícios do facto de terem sido inicialmente povoadores homiziados degredados traficantes de escravos e colonos sem burro nem mulher e terem de um dia para o outro grandes propriedades e criadagem de graça como nunca tiveram ou pensaram ter e a mesma nostalgia não se verificar com a índia macau ou timor mesmo que por lá se tivessem construído grandes igrejas e conversões religiosas mas os comerciantes e os donos da terra eram de lá e apenas alguns de cá estavam lá como mangas de alpaca da administração colonial parece que aos romanos em relação à lusitânia e aos berberes em relação ao al-garve e outros al a nostalgia passou-lhes depressa mesmo que por cá tivessem deixado a língua estradas pontes cidades técnicas agrícolas e práticas comerciais e mesmo assim terem sido corridos à mocada por viriatos ou varridos à espadeirada pelos os afonsos. uff....

Valdemnar Queiroz