Foto e texto: © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [. Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
CARNAVAL
por Álvaro Campos / Fernando Pessoa
A vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira...
A cada hora tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
D'uma plebe farsante e copiosa...
Cada momento é um carnaval imenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisto maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso.
De mais... Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça...
[...] Julgo-me bêbado, sinto-me confuso,
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade (...)
Uma pândega esta existência toda...
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda...
E contudo eu estou como ninguém
De amoroso acordo com isto tudo...
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem
Esta balbúrdia de carnaval tolo,
Esta mistura de europeu e zulu,
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo...
[...]
Excertos “Carnaval” in: Álvaro de Campos - Livro de Versos . (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, pp. 81/82.
A vida é um entrudo chocalheiro
por Luís Graça
A vida é um teatro,
A vida é um anfiteatro grego antigo,
A vida é um jogo de máscaras,
A vida é ora tragédia, ora drama, ora comédia,
A vida é representação e transgressão...
... Mas nunca digas que a vida é uma merda!
Representas múltiplos papéis no teu palco,
enquanto a vida flui, do nascer ao morrer.
Papéis que tu escolhes, uns,
e outros que te impõem.
Quem é o encenador ?
Quem escreve o guião ?
Quem te faz a máscara, a tira e a põe?
E o chocalho, para não te perderes no teu mundo imaginário ?
Quem te faz a máscara, a tira e a põe?
E o chocalho, para não te perderes no teu mundo imaginário ?
Às vezes és ator, canastrão,
e vaidoso dono da ribalta e do proscénio e do cenário,
e vaidoso dono da ribalta e do proscénio e do cenário,
outras, mero e reles figurante.
Representas diversos papéis, bem ou mal mascarado,
ora emboscador, ora emboscado,
ora presa, ora predador,
ora herói, ora vilão,
ora sedutor, ora apanhado,
ou simples gato e rato.
ora emboscador, ora emboscado,
ora presa, ora predador,
ora herói, ora vilão,
ora sedutor, ora apanhado,
ou simples gato e rato.
Muitas máscaras chegaram-te até aos dias de hoje:
a "toga" do senhor juiz, "cego, surdo e mudo",
que decide da tua vida e da tua morte;
o "capuz" do carrasco, que te enforca;
o "traje académico", na universidade,
separando o sabichão do mestre do pobre aprendiz;
o "camuflado",
a "farda" militar, que te impõe a unidade de comando-controlo
a "farda" militar, que te impõe a unidade de comando-controlo
e a hierarquia entre os combatentes,
na tropa e na guerra;
os "paramentos" do celebrante da missa cristã, o sacerdote,
as "vestes" do feiticeiro,
ambos fazendo a ponte entre dois mundos
que, só por magia, ou pela fé, se tocam,
a terra e o céu,
o sagrado e o profano;
ou ainda a "bata branca" do médico ou da enfermeira,
que não é apenas uma peça de vestuário de trabalho,
ou o "título" que te eleva até ao trono ou ao altar,
mostrando a tua cabeça alguns centímetros acima da multidão.
ou o "título" que te eleva até ao trono ou ao altar,
mostrando a tua cabeça alguns centímetros acima da multidão.
Das máscaras do terror do passado
às máscaras de hoje
que te ajudam a exorcizar o medo de viver e morrer,
ou a virar o medo do avesso,
como diria o poeta Miguel Torga,
como diria o poeta Miguel Torga,
o medo que é inerente à condição humana,
a do "homem sapiens sapiens",
no terror do tsunami,
no absurdo da guerra,
no estertor da morte...
no terror do tsunami,
no absurdo da guerra,
no estertor da morte...
Mas a máscara também está associada à festa, à terra,
aos tambores, à gaita de foles, aos chocalhos,
ao pão, ao queijo de ovelha e de cabra,
aos enchidos, ao vinho...
aos enchidos, ao vinho...
Porque não há festa sem o pão
e o vinho e a música,
a transgressão,
a transgressão,
o entrudo,
o carnaval,
o terreiro,
o terreiro,
esse fantástico chão que foi e ainda é o teu chão,
de Trás-os-Montes ao Algarve,
de Trás-os-Montes ao Algarve,
e os caretos de Podence, Grijó e Lazarim..,
Sim, a vida é um entrudo chocalheiro,
a vida são dois dias,
e o carnaval são três...
Sim, a vida é um entrudo chocalheiro,
a vida são dois dias,
e o carnaval são três...
Nota do editor:
Último poste da série > 1 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18275: Manuscrito(s) (Luís Graça) (137): aprendiz de ornitólogo ao km 71 da autoestrada da vida... Obrigado, amigos e camaradas, pelos "vivas" que me deram no passado dia 29...
Último poste da série > 1 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18275: Manuscrito(s) (Luís Graça) (137): aprendiz de ornitólogo ao km 71 da autoestrada da vida... Obrigado, amigos e camaradas, pelos "vivas" que me deram no passado dia 29...
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