segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21529: (D)o outro lado do combate (61): A chegada dos primeiros cubanos em abril de 1966, e o reforço da guerrilha no Boé, conforme carta de Amílcar Cabral para "Xido", o nome de guerra de Aristides Pereira

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >Setor de Boé > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento. Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas

Presume-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: "Uma campanha na Guiné, 1965/67").

 Foto (e legenda): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).



Folha 1.1


Folha 1.2


Folha 2.1


Folha 2.2

Reprodução, com a devia vénia, de carta manuscrita, de Amilcar Cabral (, algures,) para Aristides Pereira ("Xido", em Conacri),  com data de 12/4/1966.

Fonte:

Portal: Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07061.032.023
Assunto: Encontro com os camaradas do Gabu. Regresso ao Boé. Chegada dos cubanos. Instruções. Envio de bazucas chinesas para o Sul e Madina de Boé. Chegada de dois transístores aos Armazéns do Povo.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Xido [Aristides Pereira]
Data: Terça, 12 de Abril de 1966
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


Citação:
(1966), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35061 (2020-11-9)


1. Carta manuscrita de Amílcar Cabral para o Aristides Pereira (nome de guerra, "Xido"), composta por duas folhas que, para efeitos de revisão. fixação de texto e edição no nosso blogue, reproduzimos em quatro partes (Folhas 1.1., 1.2, 2.1 e 2.2].

É um documento que tem interesse para o conhecimento não só do homem que dirigia o PAIGC ( e que por exemplo fumava cigarros americanos da marca L & M) como dos seus planos para desenvolver e reforçar a guerrilha no Leste, nomeadamente na região de Gabu e no setor do Boé, com o apoio dos "internacionalistas cubanos" que acabavam de chegar a Conacri, em abril de 1966.

Reproduz-se o teor da carta, separando os parágrafos por assuntos ou áreas temáticas, Há, no entanto,  palavras ilegíveis, ou que nos suscitam dúvidas, sendo por isso seguidos de um [?]; noutros casos, são complementadas por "pistas nossas", nomeadamente alguns nomes de militantes do PAIGC, que estavam no mato, nas bases sitas ao longo da fronteira (Boké, Koundara ou Kundara, Kandiafara...).

Recorremos,por isso, à preciosa ajuda do nosso coeditor Jorge Araújo, autor da série "D)o outro lado do combate", para colmatar algumas lacunas...Ele conhece melhor do que ninguém, aqui na Tabanca Grande, o Arquivo Amílcar Cabral, e está familiarizado com a letra e o estilo epistelográfico do eng. Amílcar Cabral... Aqui para nós: isto dá muito trabalho, ler, rever e fixar um texto manuscrito como este...Estou grato ao Jorge pelas correções e melhorias que fez à primeira versão da nossa transcrição... LG


(i) Encontro com os "camaradas do Gabu" [Folha 1.1]

" 12.4.66 [,Terça feira]. Caro camarada Xido [, Aristides Pereira, também conhecido como Chido]: 

"Aproveito o regresso dos camiões [?] para para te enviar pelo Tegma [?, nome ilegível]  estas breves linhas.

"Cheguei há umas horas do encontro com os camaradas do Gabu. Parecem bem dispostos, Têm feito alguma coisa, mas têm feito pouco, a meu ver muito pouco para as possibilidades reais.

 "Tinha chegado aqui [, a base de  Koundara ?, ] ante-ontem vindo diretamente do leste do  [Rio]. Féfiné.  Aí, com o Domingos [Ramos], procedemos ao estudo da operação em geral e começou-se a fase preparatória. Vamos ver". [O rio Féfiné corre a norte e a leste de Béli, e a sudeste de Cabuca, é um afluente do Corubal.]

(ii) Regresso ao Boé e encontros com o Domingos Ramos [Folha 1.2]

"Devo regressar do Boé (leste do Féfiné), depois de amanhã, pois devo reservar o dia de amanhã a verifiar uns materiais. 

"Ao receberes esta [carta] já devo estar de novo com o Domingos [Ramos]  e companhia. Daí partirei para o outro lado do Boé [, o Boé Oriental, onde se inclui a tabanca Lugajole, junto à fronteira, nas proximidades da qual, numa colina,. à cota de 200, se terá realizado a cerimónia da declaração da independência, a 24/9/1973; Lugajole fica a 40 km de Madina do Boé, para leste: informação do nosso camarada Patrício Ribeiro, o português que melhor conhece o Boé.] "


(iii) Chegada dos cubanos [em abril  de 1966, chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca] [Folha 1.2 e 2.1]:


"Recebi a tua mensagem pelo Pinto [Eduardo Pinto, que estaria nessa altura em Koundara, na Guiné-Conavri, junto à fronteira, no nordeste ?]. 

"Se chegarem os amigos cubanos apenas 2 poderão vir ter comigo onde estiver. Os outros devem esperar por mim em Conacri, incluisve os médicos. Quando eu chegar de novo ao Boké [, a sul,], onde devo voltar antes do meu regresso a Conacri, os médicos poderão ir ter comigo aí. Mas só entrarão em funções  definitvas quando chegar o Luíz [Delgado ?]

(iv) Alojamento e alimentação dos  cubanos [Folha .2.1]

"Quanto ao alojamento, a ideia do [Hotel]  "Maison Blanche" parece-me boa, mas estuda bem a questão  da alimentação. Pelo menos para os médicos, não me parece que o hotel sirva mau. Mas resolve da melhor maneira em colaboração  com o Luiz Delgado."

(v) Granadas de bazucas chinesas [RPG], para o sul e para o Boé [Folha 2.1]


"Espero que o Mirandela [, barco da Casa Gouveia aprisionado pelo PAIGC, no início da luta armada] tenha chegado a Boké mas que o M[anuel] Azevedo tenha ido para tratar da arrumaçãp do material. 

"Faz o possível por mandar obuzes [,granadas,]  de bazucas [, RPG, ], chinesas para o Sul e para Madina Boé. Mete o Nfamara [Cassama ?] na linha de Kandara [, ou Kandiafara ?]. e o Tegma. [?, nome ilegível] para Boké

"O Pinto adoeceu hoje, mas espero que se restabeleça breve, pois faz muita falta no meio disto, Vamos ver".

(vi)  Material apanhado aos gilas ... e pedido de maços de cigarros L&M [Folhas 2.1 e 2.2]

"Vão umas mercadorias 'saisies' [sic, em francês, com aspas,  apanhadas] aos gilas [, sublinhado,]  , incusive 2 transistores. Essas coisas devem ficar aí intactas até eu voltar, Recomenda isso ao nosso Armazenista do Povo.

"Não te esqueças de mandar cigarros LM, porque já estou nos útimos maços. Mais uma dificuldade."

(vii) Instruções  e saudações finais [Folha 2.2]

"Quanto ao resto, espero que continuemos a cumprir o programa traçado, para podermos evitar as dificuldades que as chuvas causam,  

"Manda para Kundara 1 ou 2 máquinas de costura.

"O Marcelino [Constantino Costa?] recebeu aqui duzentos mil francos, no Domingo [10.04.66].

"Bom, com a cabeça e o calor que tenho, para hoje é tudo.

"Melhoras para ti e que a Lucette [de Andrade] esteja boa.. Diz à Ana Maria [, segunda mulher de Amílcar Cabral,] que espero carta dela. Saudações à Carla e para todos os camaradas. Tenho grandes esperanças neste programa. Abraça-te o velho camarada, [assinado, Amílcar.]"

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge:

Tens a tua série "(D)o outro lado do combate" parada há uns tempos, em grande parte por causa dos teus afazeres académicos mas também da pandemia... E tens agora uma nova série, as "Memórias cruzadas"...

No nosso tempo, o Spínola "obrigava" os seus comandantes operacionais a conhecer o IN para melhor o combater... Há alguns camaradas, aqui no blogue, que se sentem,às vezes, "desconfortados", com estas "revelações"... do outro lado da trincheira...Afinal, era o trabalho dos nossos camaradas da "inteligência militar" (como o nosso Máriop Miguéis, um camarada do meu tempo, talentoso cartunista de Esposende...

Quem não conhece o inimigo, às mãos lhe morre: é um aforismo válido para todas as guerras...desde o tempo do Abel e Caím.

Imagina, que já nos acusaram em tempos, passados, de "fazer o jogo do inimigo"... Propaganda do PAIGC ? ...Bolas, a guerra acabou há meio século e ainda há tanta coisa, de um lado e do outro, que a gente desconhece...

E depois somos um blogue sem tabus...Olha, fiquei a saber que o AC era um fumador inveterado e que fumava cigarros "imperialistas"; os famosos L&M...Seriam da nossa intendência militar, de contrabando ou da ajuda sueca ?

Enfim, já temos falado, tu e eu, desta nossa curiosidade, que nada tem de "voyeurista", de espreitar para o quintal do vizinho...

Olha, o Jorge Cabral é que foi um gajo inteligente, fez um pacto de não.agressão com o Corca Só, quando um dia, os dois, desarmados, se encontraram num choro balanta, e beberam juntos uns bons canecos de vinho de palma...Devo acrescentar que o Corca Só,em 1969, tinha prometido limpar o sebo ao "Tigre de Missirá",o Beja Santos... (Eu sou testemunha...).

Continuando: achei piada a esta carta do AC, e pensei que a podia reproduzir... para a nossa "cultura castrense"... Como sabes, isto dá uma trabalheira do caneco... E mesmo com a letra bonita do senhor engenheiro, eu não consegui apanhar um nome ou outro...

Tu que já és catedrático em amilcarcabralogia..., pode ser que tenhas um tempinho para ler a carta e validar a minha leitura...

Obrigado. Boas aulas, cuida-te. Luís

Jorge Araujo disse...

Caro Luís,

Já enviei, por correio interno, o que me pediste.

Saúde para todos.

Abraço, Jorge Araújo.

Anónimo disse...


jorge araujo (por email)

segunda, 9/11/2020, 23:07

Caro Luis,

Boa noite.

Tens razão no que escreves... particularmente na passagem que aproveito para citar: (...) "a guerra acabou há meio século e ainda há tanta coisa, de um lado e do outro, que a gente desconhece"...

Quanto ao conteúdo do poste, vou tentar acrescentar algo mais, partindo das actividades desenvolvidas pelos cubanos na região do Boé.

Anexo o texto corrigido, como pediste, e uma foto do rio Féfine.

Fica bem, e até breve.
Um abraço, Jorge Araújo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Jorge, melhoraste em muito a transcrição da carta...Eu nunca mais chegava lá, ao topónimo "Téfiné"... Nunca tinha ouvido falar sequer neste rio, que é afluente do Corubal!... A malta que esteve em Cabuca e em Béli, devia-o conhecer. Para o PAIGC, devia ser a fronteira do Boé, dividido em duas partes, a ocidental e a oriental... Não ?