sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21949: Op Mabecos Bravios: a versão da CECA e do ex-cap inf José Aparício, comandante da infortunada CCAÇ 1790, a última companhia de Madina do Boé


Guiné > Região de Gabu > Carta de Jábia (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Ché Ché, na margem esquerda do Rio Corubal. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Há operações que ficaram na nossa memória,por uma razão ou outra, boa ou má...  A Op Mabecos Bravios (retirada do aquartelamento de Madina do Boé, sector L3, de 2 a 6 de fevereiro de 1969) é daquelas que nos marcaram para sempre, pela tragédia que ocorreu na travessia do rio Corubal, em Cheche (ou Ché Ché).  O descritor, Op Mabecos Bravios,  tem já 30 referências no nosso blogue (*). 

Mas faltam aqui ainda outras versões. Como se sabe, continua ainda a haver controvérsia sobre a etilogia do acidente que provocar 47 vítimas mortais. Encontrámos esta versão no livro da CECA (2014), com o valioso testemunho do ex-comandante da infortunada CCAÇ 1790,  o então cap inf José Aparício, hoje cor inf ref.

Corrigimos as datas, que não estão corretas. Mantemos o topónimo Ché Che, usada pela CECA (Comissão para Estudo das Campanhas de África), embora na carta de Jábia o topónimo grafado seja Ché Ché. No nosso blogue temos usado a grafia Cheche (que tem mais de 7 dezenas de referências).

Faz-nos falta ainda, aqui,  um importante testemunho, o do ex-alf mil José Luís Dumas Diniz,  da CART 2338, responsável pela segurança da jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada de Madina do Boé. 

Com a história da pandemia, está por realizar o prometido encontro do nosso editor Luís Graça com ele. Como há tempos escrevemos aqui, uma peça fundamental neste feliz encontro foi (e vai ser) o ex-alf mil trms, Fernando Calado, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, e meu contemporâneo da Guiné (estivemos juntos, em Bambadinca, entre julho de 1969 e maio de 1970). Foi o Fernando Calado que me pôs em contacto com o José Luís Dumas Diniz. Enfim, dificuldades de agenda, de parte a parte, ainda não nos permitiram fazer esse encontro a três. O Dumas Diniz vive, a maior parte do tempo, em Coruche, se não erro.


Operação "Mabecos Bravios" , de 2 a 7 de fevereiro de 1968

Forças envolvidas:

CCaç 1790
CArt 2338 (-)
CCaç 2383 
CCAÇ 2403
CCAÇ 2405
CCAÇ 2436
CArt 2440,
CCaç 5 (1 Gr Comb)
Pel Mil 161
Pel Rec Daimler 1258 (-)
Pel Sap /  BCaç 2835

Estas forças, com APAR [, apoio aéreo], efectuaram uma escolta no itinerário Nova Lamego - Madina do Boé - Nova Lamego, pertencente à Zona Leste, Sector L3 [, BCAÇ 2835].

Foi accionada mina A/C no cruzamento de Beli, sem consequências; e foram detectadas e destruídas 2 minas A/C entre Ché Che e Canjadude. Durante a operação, Madina foi flagelada 4 vezes sem consequências.

No regresso, na travessia do rio Corubal, um acidente com a jangada que transportava forças de segurança da retaguarda provocou a morte de 47 militares das NT (2 sargentos, 43 praças e 2 Milícias).


Guiné > Região de Gabu > Madina do Boé > CCaç 1790 > 5 [?] de fevereiro de 1969 > Missa celebrada pelo Bispo de Madarsuma e Capelão-Mor das Forças Armadas, Brig António Reis Rodrigues (1918-2009) (e também procurador à Câmara Corporativa, na VIII Legislatura, 1961/65, como representante da Igreja Católica).

Foto: Cortesia de CECA (2014), p. 353. (Com a devida vénia)



NOTA:  Acidente no rio Corubal em 6 [e não 8] de Fevereiro de 1969 - Dados fornecidos pelo Tenente-Coronel José Ponces de Carvalho Aparício, à época Cmdt da CCaç 1790 aquartelada em Madina do Boé.

"Na Guiné-Bissau nos anos 60 a travessia do Rio Corubal para a região do Boé era feita, como hoje, junto à povoação do Ché Che onde durante a guerra se encontrava ali em permanência uma força militar de um pelotão de infantaria, reforçado com uma secção de morteiros de 81 mm.

Esta travessia era então obrigatória para a rendição das forças militares portugueses estacionadas em Madina do Boé e Beli, e ainda para o reabastecimento daquelas forças que na época das chuvas (cerca de 6 meses) ficavam completamente isoladas.

Por isso, durante a época seca realizavam-se normalmente 2 colunas por mês, cada uma escoltada por uma companhia reforçada com um pelotão de autometralhadoras "Fox" ou "Daimler" e com protecção aérea permanente.

Cada coluna era constituída por um elevado número de viaturas, cerca de 20 a 30, carregadas com munições e reabastecimentos.

A travessia do rio Corubal era então feita por uma jangada constituída por uma plataforma sobre 2 canoas; um longo cabo ligando 2 pontos fixos instalados em cada margem corria numa roldana instalada na plataforma; a impulsão necessária para mover a jangada era dada pela força braçal dos militares puxando manualmente o cabo. 

Como segurança do movimento, uma embarcação "Sintex" com motor fora de bordo acompanhava lateralmente cada movimento de vaivém, pronta para qualquer emergência.

Em Fevereiro de 1969 após a decisão do Comando-Chefe da Guiné de abandonar todo o Boé [,  
Directivas n° 1/68 de 1 Jun, 20/68 de 25 Jul e 59/68 de 26 Dez do Cmdt-Chefe] - sendo que  Beli já tinha sido abandonado meses antes retirando para Madina do Boé todas as forças ali estacionadas - foi desencadeada a operação "Mabecos Bravios" sob o comando do agrupamento n" 2957 [, cmdt: cor inf Hélio Felgas]. 

Uma enorme coluna com cerca de 50 viaturas pesadas escoltadas por 2 Companhias de Caçadores, e dois pelotões de autometralhadoras, e com apoio aéreo permanente, chegou a Madina do Boé na tarde de 07  de Fevereiro de 1969.

A esquadra de helicópteros simulou durante a tarde lançamento de forças nas colinas de Madina para tentar evitar as habituais flagelações por morteiros e canhões sem recuo.

Durante toda a noite desse dia as viaturas foram carregadas com as toneladas de munições, armamento pesado, e todo o equipamento e material aproveitável ali existente; na manhã de 5 [, e não 7,]  de Fevereiro iniciou-se o movimento para o Ché Che, onde a coluna chegou no final da tarde desse dia. 

Por decisão do comandante da operação, o número de dias previsto para a sua realização foi reduzido de vários dias, para libertar os meios aéreos empenhados; e a travessia do rio Corubal iniciou-se logo de seguida, com inúmeras travessias efectuadas durante a noite com muitas dificuldades e problemas no embarque na jangada das viaturas carregadas ao limite.

Para a realização da operação de evacuação do Boé, foi construída uma jangada nova, maior que a anterior, com um estrado sobre 3 canoas. 

Em vez da corda inicial, o movimento da embarcação era garantido pelo "Sintex" com motor fora de bordo amarrado à jangada, do lado de jusante do rio, e operado por um sargento de Marinha requisitado para o efeito. 

A velha jangada esteve sempre acostada na margem direita.

Nas travessias do rio durante a noite, com as viaturas foram também indo passando secções dos militares empenhados. 

No início da manhã de 6 [e não na tarde de 9]  de Fevereiro de 1969, na última e fatídica viagem, embarcaram a parte que restava dos militares das CCaç 2405 e da CCaç 1790, cerca de 80 a 90 militares. 

A meio do rio, uma aceleração brusca do motor do "Sintex" fez erguer a frente de bombordo da jangada; tendo sido dada logo ordem para reduzir a velocidade, a jangada fez o movimento pendular inverso, desta vez mergulhando ligeiramente no rio a frente de estibordo, as canoas ficaram cheias de água mas o tabuleiro ficou flutuando, com os militares a bordo com água pelos tornozelos.

Chegados à margem direita, ao proceder-se à contagem constatou-se a falta de 47 militares das duas Companhias.

O Comandante da Operação {, cor inf Hélio Felgas,] não permitiu que as duas Companhias [, CCAÇ 1790 e CCAÇ 2405] permanecessem no Ché Che para tentarem recuperar o maior número de corpos possíveis, seguindo por isso logo para Nova Lamego.

O acidente em causa deu origem de imediato a um Auto de Corpo de Delito, e a longas e complexas averiguações, incluindo todos os aspectos da operação, que em 1970 terminaram em julgamento em Lisboa no 3.° Tribunal Militar Territorial, que durou várias sessões e que terminou com a absolvição do único réu, o alferes miliciano comandante do Destacamento estacionado no Ché Che [, pertencente à CART 2338, Fá Mandinga, Nova Lamego, Canjadude, Buruntuma, Pirada, 1968/69]
 ".

__________

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné -  Livro I  (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pp. 353-355. 
___________

Nota do editor:

(*) Vd. alguns dos muitos postes sobre este doloroso dossiê:

1 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - 21724: Op Mabecos Bravios: a participação da CCAÇ 2403, na
retirada de Madina do Boé, em 6 de fevereiro de 1969 (Hilário Peixeiro, cor inf ref)

6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19476: Recortes de imprensa (101): o desastre do Cheche, no rio Corubal, ocorrido na manhã de 6/2/1969 (Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1969, p. 1)

13 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11837: Op Mabecos Bravios (1-8 de fevereiro de 1969): a retirada de Madina do Boé, com o trágico desastre no Cheche, na travessia do Rio Corubal, foi há 44 anos (1): Relato do cmdt da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (Galomaro e Dulombi, 1968/70)

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Uma nova jangada com "um estrado assente em três canoas", em vez de de duas (jangada velha)... Quem se lembrou da ideia ? Foi consultada a Marinha ? Ou a engenharia militar ? Qual era o "departamennto das jangadas" no CTIG ?

E em vez de ser puxada manualmente (!) por uma corda, era "rebocada" por um sintex, com motor fora de bordo... Bem, ao menos foram buscar um sargento da Marinha...

Terá sido mais um caso de desenrascanço à portuguesa ?...Um grupo de combate da CART 2338 estve no Ché Ché [, por que é que ninguém gosta de usar esta grafia ?], "desde 04Ju168 até à sua evacuação em 10Fev69"...

Bom, uma companhia de artilharia não tem que perceber de jangadas... Enfim, são apenas pistas para uma reflexão inacabada...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sugestão de leitura:

A última jangada no rio CorubalOs mortos de Cheche
Público, 25 de Março de 2010, 0:00

https://www.publico.pt/2010/03/25/jornal/a-ultima-jangada-no-rio-corubalos-mortos-de-cheche-19016498

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vd. também:

À procura dos militares afogados no rio Corubal
Teresa Firmino
Público, 26 de Março de 2010, 9:59

https://www.publico.pt/2010/03/26/sociedade/noticia/a-procura-dos-militares-afogados-no-rio-corubal-1429608

Tabanca Grande Luís Graça disse...

À procura dos militares afogados no rio Corubal
Teresa Firmino
Público, 26 de Março de 2010, 9:59

https://www.publico.pt/2010/03/26/sociedade/noticia/a-procura-dos-militares-afogados-no-rio-corubal-1429608


(...) "O desastre de Cheche é hoje motivo de inúmeros relatos na Internet, nomeadamente no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os antigos combatentes encontraram essa forma de fazer o luto colectivo da tragédia que viveram. Outros emocionam-se tanto que recusam falar disso." (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...


À procura dos militares afogados no rio Corubal
Teresa Firmino
Público, 26 de Março de 2010, 9:59

https://www.publico.pt/2010/03/26/sociedade/noticia/a-procura-dos-militares-afogados-no-rio-corubal-1429608

(...) Tragédia de Cheche

Que a jangada naufragada no rio Corubal tinha excesso de peso não suscita grandes dúvidas. Mas o que desencadeou a queda à água de soldados é alvo de versões desencontradas. Os alferes milicianos Rui Felício e Paulo Lage Raposo (o primeiro ia na jangada, o segundo fez a travessia na viagem anterior) dizem que foi o peso a mais, tendo ficado desequilibrada. Com capacidade para dois pelotões (uns 60 homens), fazia a travessia com os últimos quatro pelotões, de duas companhias. "Às vezes facilitamos demais", diz Paulo Raposo. "Para mim, a jangada virou-se porque tinha excesso de peso, embora haja relatos diferentes", diz Rui Felício.


Um desses relatos é o do capitão José Aparício (comandante da companhia 1790, em retirada do quartel de Madina do Boé), também na jangada. Diz que se ouviram tiros de morteiros e, em reacção, o barco a motor que puxava a jangada acelerou demais e fez cair homens. Não houve tiros de morteiro, dizem Raposo e Felício. "Havia uma paz absoluta naquele rio", lembra Felício. "Estávamos habituados a ouvir tiros. Não era com uns tiros que nos assustávamos", junta Raposo. No documentário A Guerra, de Joaquim Furtado, dá-se voz às diversas versões e suas nuances. "Os morteiros existiram. Não tenho dúvidas", diz José Aparício a Furtado. "Há pessoas que disparam armas e sabe-se quem foi. Esta gente foi ouvida." Estava previsto dispararem-se morteiros para a margem sul do rio, quando todos tivessem deixado essa margem, no fim da operação.

É mostrado um filme feito pelo piloto José Nico, que filmava a penúltima travessia mas recebeu indicações para ir filmar os morteiros. Vêem-se os disparos das armas: "É durante esta filmagem que recebe a notícia do naufrágio da última jangada", ouve-se Furtado a dizer. "Imediatamente a seguir, José Nico filma estas imagens que mostram a jangada acidentada no meio do rio, enquanto alguns militares tentam as primeiras operações de socorro." Este acidente deixou a operação Mabecos Bravios (cães selvagens) tristemente célebre. (,,,)

Valdemar Silva disse...

Na NOTA (parte final do poste) escrita pelo Ten.Cor José Aparício é feita a descrição do
acontecimento, lendo-se no final do parágrafo '....com água pelos tornozelos' e no parágrafo seguinte 'Chegados à margem direita, ao proceder-se à contagem constatou-se a falta de 47 militares'
Então 'água pelos tornozelos', 'chegados à margem', afinal a jangada virou-se para cair toda a aquela gente ou tombou e voltou a ficar direita seguindo até à margem ?
Na NOTA, entre os parágrafos que referi, deveria aparecer uma descrição mais pormenorizada do que aconteceu por ser fácil o visionamento da travessia, ou umas palavras sobre a aflição/gritaria que teria havido quando aqueles militares caíram e afogando-se.
Na tropa há sempre um responsável pelo que corre mal e esse responsável é sempre o militar mais graduado presente, nunca seria um soldado básico a verificar o "tudo em ordem podem seguir".
Coitados dos que morreram afogados

(como eram diferentes aqueles tempos, sabendo-se ser o governo o responsável pelos mortos na guerra na Guiné, e... nem mesmo que houvesse umas dezenas de mortos nos fogos florestais.....)

Abracelos
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Luís, julgo que Cheche, assim pronunciado, terá a ver com o caricato de se dizer Ché Ché.
Imagina a rapaziada dizer: no Ché Ché ficamos todos xexés.

Abracelos e vamos ver se não ficamos xexés com o confinamento.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, está a explicação dada!... Já não bastava ter-nos caído na rifa a Guiné!

cheché
cheché | adj. n. m. | n. m.

che·ché |chèché|
(origem obscura)
adjectivo e nome masculino
1. [Informal, Depreciativo] Que ou quem tem as capacidades mentais afectadas. = XEXÉ

nome masculino
2. [Regionalismo] Bocadinho de qualquer coisa.

3. [Regionalismo] Folião de Entrudo. = XEXÉ


"cheché", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/chech%C3%A9 [consultado em 27-02-2021].

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Durante muito tempo pensava que o topónimo Ché-Ché ou Tchetche (pronúncia local) tinha sua origem do nome da mosca tsé-tsé que infestam as margens do rio Corubal nessas zonas, mas na minha última viagem ao Boé em Outubro de 2020, um dos habitantes desta localidade deu-me uma explicação diferente, dizendo-me que o nome vem da da designação de uma árvore que existia nesta localidade e que servia de referência ao local do nome em fula de "Tché-Tchéy" que na grafia portuguesa e nos mapas dos anos 50/60 do séc.XX ficou Ché-Ché.

"Tché-Tchéy" (fula de Boé) para uns e "Tché-Khéy para outros (fulacunda) é uma espécie de Pau ferro que abunda na floresta tropical e que, pela sua resistência as formigas vermelhas "Bagabagas' era muito utilizada na construção de alicerces, estacas e muralhas, também utilizada na construção das casas (palhotas), celeiros e suportes dos Kirintins a volta das moranças e mesquitas.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Cherno Baldé disse...

PS: Esta árvore, a "Tché-Tchey" que designei de Pau-Ferro devido a sua resistência é diferente do Pau-Ferro brasileiro.

Cherno AB