segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21934: Notas de leitura (1342): “Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota; Oficina do Livro, 2011 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Após anos de prisão, com a saúde abalada mas sempre combativo, Henrique Galvão evade-se do Hospital de Santa Maria e parte para o exílio. Ficarão dignos de nota: (i) a tentativa de uma sólida aliança oposicionista de Delgado e Galvão, será sonho quimérico, a prazo irão desavençar-se, Galvão é anticomunista feroz e tem uma conceção muito sui generis do Império, acredita em Estados multirraciais, será exatamente isso que dirá numa Comissão da ONU, não entusiasmando os legados africanos; (ii) o assalto ao paquete Santa Maria correrá mundo, será sempre uma notícia para o Estado Novo; (iii)nhaverá o desvio de um avião da TAP na linha Casablanca – Lisboa, mais uma inquietação para Salazar, aquele ano de 1961 será horrível do princípio ao fim. 

E no Brasil, mesmo escrevendo febrilmente, Galvão está cada vez mais sozinho, não tem o acompanhamento da família a não ser sob a forma epistolar. Vai perdendo a lucidez e desaparecerá em junho de 1970.
 
É uma das figuras mais complexas da Oposição, ele que era dado como um indefetível de Salazar, que fora um dos forjadores do 28 de maio de 1926, ele que irá aparecer associado, como muito poucos outros, ao feitiço do Império, terá a coragem de denunciar na década de 1940, a corrupção e a escravatura que se praticavam nas mais ricas Colónias, incomodou-o o regime que o foi ostracizando. E não se pode estudar a vida colonial portuguesa nesse período sem conhecer os seus explosivos relatórios que deitam abaixo as teses miríficas da multirracialidade, a que Salazar se agarrou para lançar o país na tão longa Guerra Colonial.

Um abraço do
Mário



Henrique Galvão, o feitiço do Império, a insubmissão a Salazar (3)

Beja Santos

“Henrique Galvão, Um Herói Português”, por Francisco Teixeira da Mota, Oficina do Livro, 2011, é a biografia de uma das figuras mais polémicas de um apoiante de Salazar e do Estado Novo que se insurgiu e se constituiu como um dos mais ferozes adversários do ditador.

Acompanhámos o itinerário deste entusiasta de Salazar e do Estado Novo, escritor febril, polemista, inspetor superior de Administração Colonial, organizador de feiras coloniais, caçador exímio, deputado, organizador de exposições e congressos, primeiro diretor da Emissora Nacional. 

Na segunda metade da década de 1940, Galvão elabora relatórios que desvelam corrupção, compadrio, escravatura e miséria, nomeadamente em Angola, Moçambique e S. Tomé. Gradualmente, será ostracizado e desmotiva-se com Salazar, descrê que o Estado Novo leve por diante um projeto ardoroso para a mística imperial, enfileira-se na Oposição, engendra um bizarro projeto de golpe de Estado, será preso e aqui se inicia um calvário celular que culminará com a sua rocambolesca fuga do Hospital de Santa Maria, em janeiro de 1959. Mesmo preso, escreve obras de toda a espécie, traduz, é um epistológrafo compulsivo.

Pede acolhimento na Embaixada da Argentina, a sua escrita tem verdadeiramente ácido sulfúrico, como é o caso da Carta Aberta a Salazar, que começa deste modo:

“Pois é verdade, meu caro Manholas Júnior: evadi-me das tuas garras, dos teus ódios incansáveis, da tua Gestapo todo-poderosa e seus algozes, das tuas mordazes, dos teus juízes e tribunais especiais, dos teus tiranetes enriquecidos e condecorados, dos teus bordos tubarões e idólatras mercenários, das tuas ‘notas do dia’ e ‘notas oficiosas’, do teu exército de ocupação e respectivos generalecos, das tuas prisões e campos de concentração, do teu mercado de favores, dos teus discursos sem resposta, das tuas mentiras magistrais, da tua corte de vampiros e cretinos, dos teus venais e pederastas, dos teus negreiros, dos teus eufemismos tartufescos, da tua Oligarquia, da tua Fazenda, do teu Rebanho.”

Falando de si, afirmava com orgulho: 

“Nunca fui desleal para com o adversário político nem persegui humildes ou vencidos – mas ataquei de frente alguns vilões cujas mãos tu havias enchido de varas”.

E parte para a Argentina, aqui o seu trabalho político era desinteressante, não existia uma comunidade de imigrantes significativa. Neste período, corresponde-se regularmente com Humberto Delgado, este está no Brasil, onde cria o MNI – Movimento Nacional Independente, para o qual arregimenta pessoas da sua confiança, caso de Galvão. Este começa a escrever no jornal da Oposição, o Portugal Livre.

Em abril de 1960, germina a ideia de assaltar o paquete Santa Maria, Galvão ajudara a criar o DRIL – Directório Revolucionário Ibérico de Libertação, a que se juntaram alguns galegos comunistas e anarquistas. O plano era assaltar a pérola da marinha mercante portuguesa, com cerca de 600 passageiros e 370 tripulantes, que fazia a rota Lisboa – Miami. 

Os 24 combatentes do DRIL embarcaram no Santa Maria em La Guaira, na Venezuela, e outros em Curaçau, começava o assalto que seria revelado pela imprensa mundial, mobilizando várias forças aéreas, era uma verdadeira bomba no palco da opinião pública mundial. 

Após negociações, os assaltantes abandonam o paquete no Recife, o recém-eleito Presidente Jânio Quadros acolheu Galvão. Dias depois, em Luanda, dá-se o assalto à 7.ª Esquadra da PSP, estão envolvidos a UPA e o MPLA, não houvera qualquer relação entre os dois acontecimentos, o assalto ao Santa Maria não tivera qualquer ligação com o desencadear da subversão em Angola.

Os últimos anos de vida de Galvão terão forros de dramatismo. Nunca se quis ligar aos movimentos de libertação, germinou uma tese própria, evolutiva, de que as colónias portuguesas fariam parte de uma ampla federação e que seriam países multirraciais, será ultrapassado pela corrente revolucionária. Aliás, a rotura de Delgado com Galvão virá a dar-se com as divergências de opinião quanto à colaboração com os comunistas e à independência imediata das Colónias. 

Galvão irá a Marrocos mas nunca estabelecerá contatos com a CONCP – Confederação das Organizações Nacionalistas nas Colónias Portuguesas, Galvão não estava disposto a aceitar a autodeterminação nas Colónias. É neste contexto que com o apoio de Palma Inácio, Camilo Mortágua e outros se desvia um avião da TAP, que partia de Casablanca para Lisboa, isto em 10 de novembro de 1961, lançaram-se panfletos e regressou-se a Casablanca.

A vida no Brasil tece-se de intrigas e divisões, Galvão não para de escrever, pede apoios internacionais, nas Nações Unidas acabará por ser ouvido. Galvão, apoiado pelo Comité Pró-Democracia em Portugal, irá apresentar um pedido ao Presidente da 4.ª Comissão das Nações Unidas para ser ouvido relativamente aos territórios ultramarinos. A diplomacia portuguesa insurge-se, e em 9 de dezembro de 1963, Galvão chegou à ONU para ser ouvido como peticionário. Tudo irá decorrer numa atmosfera um tanto surreal. Perante mais de 100 delegados, Galvão defendeu que se os dirigentes democráticos portugueses fossem libertados e Salazar renunciasse ao poder, se encontraria uma solução para a situação Angola – Moçambique, no sentido de uma espécie de autonomia birracial para os territórios ligados a Portugal. Os delegados africanos não mostraram entusiasmo. Mas o Estado Novo sofreu um revés, um oposicionista fora escutado por uma Comissão das Nações Unidas.

Galvão vai-se afastando do realismo político, quebram-se todas as alianças, vão morrendo companheiros da primeira hora, Delgado é assassinado, Galvão continua a escrever em O Estado de São Paulo, mas vai adoecendo, embora obcecado com a ideia de invadir Portugal, a lucidez esvai-se, vai viver no Sanatório da Bela Vista onde Mário Soares o irá visitar em 1970, onde em 25 de junho ele deixou o mundo dos vivos.

Após o 25 de abril, será alvo de evocações e em 10 de junho de 1991 foi condecorado postumamente com a grã-cruz da Ordem da Liberdade.
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Notas do editor

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Último poste da série de 16 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21909: Notas de leitura (1341): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte I - O direito, o dever, o prazer... e a dor da memória (Luís Graça)

3 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Era de prever que os comentários acerca do Henrique Galvão iriam decrescer e desaparecer. No nosso tempo de jovens combatentes já pouco se falava dele. Dado como louco, aquela aventura do desvio do St.ª Maria era um memória longínqua de um acto de pirataria: o primeiro do Séc XX. Outros viriam, como vimos...
Hoje não é, entre nós, personagem conhecido. Mas é bom que, com defeitos e qualidades, se divulgue a sua personalidade de herói da nossa história do anti-fascismo. Defeitos, não necessita que lhe sejam apontados. A sua trajectória política é suficiente para os descrever. Para mim, o pior é que o seu antifascismo não foi secundado com intensidade e constância por todos aqueles que o deveriam ter feito. Mesmo que a sua acção fosse discutível, outros deveriam ter estado próximos dele para o auxiliar ou corrigir, mas não estiveram...
Um ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

O principal motivo porque o assalto ao Santa Maria não teve mais repercução foi evidentemente a censura em Portugal, mas foi a coincidência de poucos dias de diferença, com a revolta em Luanda com o assalto à Casa da Reclusão e à sexta esquadra da polícia em Luanda.
Este episódio fez passar para segundo plano o assalto ao Santa Maria, ou pelo menos internacionalmente, começou-se a olhar mais para Luanda.
A principio falou-se em Luanda que haveria ligação entre os dois acontecimentos, mas quando o Santa Maria se "entregou" ao governo do Brasil, como que se apagou o assunto Santa Maria.
E ainda se apagou mais, quando passado um mês de Salazar dizer que "temos o Santa Maria connosco, obrigado portugueses", houve os massacres no norte de Angola, da UPA.
Talvez em Luanda houvesse muitos admiradores de Galvão, brancos mais antigos, no resto do país não dizia muito ao povo em geral.
Cumprimentos

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

É isso mesmo! Foi uma questão de timing, ou falta dele...
Até a planear revoluções o homem era mau. Claro que, se o Santa Maria se dirigisse a Angola, como estava planeado, é que era bom... Porém, as coisas em Luanda não correram bem e parece que, por lá, a oposição antifascista estava para nascer.
Mas tudo terminou com um curto e achaloiado discurcho: "Obrigado Portugueches! Já cá têmozu Xanta Maria".

Foi uma pena!
O que teríamos evitado!...

Um Ab.
António J. P. Costa